Sobre a impotência. Em meados do século, a classe burguesa deixa de preocupar-se com o futuro das forças produtivas que ela mesma engendrou. (Surgem, assim, as obras que correspondem às grandes utopias de um Thomas Morus ou de um Campanella, que saudaram a ascensão desta classe e a identidade entre seus interesses e as exigências da Herdade e da justiça — surgem, portanto, as utopias de um Bellamy ou de um Moilin, empenhados, sobretudo, em fazer retoques no consumo e seus atrativos.) 48 Para poder continuar a ocupar-se com as forças produtivas que ela mesma pôs em andamento, a burguesia teria de renunciar, antes de mais nada, à idéia de renda. Que o hábito do “aconchego”, típico do prazer burguês em meados do século, esteja intimamente relacionado com o enfraquecimento da imaginação burguesa; e que seja idêntico à satisfação de “jamais precisar pensar vir a saber como as forças produtivas tiveram que desenvolver-se em suas mãos” — sobre isto não há qualquer dúvida. O sonho de ter filhos é um estímulo pobre, quando não vem impregnado pelo sonho de uma nova natureza das coisas, na qual estas crianças um dia hão de viver ou pela qual deverão lutar. Mesmo o sonho de uma “humanidade melhor”, na qual nossos filhos possam ter “uma vida mais feliz”, é apenas uma quimera ao pasto de Spitzweg, se, no fundo, não for o sonho de uma natureza melhor na qual eles doam viver. (Aí reside o direito inalienável da utopia de Fourier, que Marx reconhecera [e que a Rússia começara a pôr em prática].) Este último sonho é a fonte viva da força biológica da humanidade, enquanto aquele primeiro sonho nada mais é que o lago turvo de onde a cegonha vem retirar as crianças. A tese desesperada de Baudelaire, segundo a qual as criaturas mais próximas do pecado original, é um complemento em nada impróprio para esta imagem.
[J 63a, 1]
A respeito das danças macabras: “Os artistas modernos negligenciam demais essas magnificas alegorias da Idade Média.” Ch.B., Œuvres, vol. II, p. 257 <OC II, p. 652> (“Salon de 1859”).
[J 63a, 21]
[...]
Marx e Engels naturalmente ironizaram a fé absoluta dos idealistas no progresso. (Engels elogia Fourier por ter introduzido, em sua reflexão sobre a história, também o desaparecimento futuro da humanidade, como Kant o fez em relação ao desaparecimento futuro do sistema solar.) Neste contexto, Engels zomba também da ‘conversa fiada sobre a ilimitada perfectibilidade do homem’.”50 Carta de Hermann Duncker a Grete Steffin, e 18 de julho de 1938.
[J 64, 2]
A noção mítica da tarefa do poeta deve ser definida a partir da noção profana do utensílio (Werkzeug). — O grande poeta nunca se coloca diante de sua obra (Werk) como um simples produtor; ele é ao mesmo tempo seu consumidor. Na verdade, diferentemente do publico, ele não a consome como um estímulo, e sim como um utensílio. Este carater de utensi io representa um valor de uso que dificilmente se insere no valor de troca.
[J 64, 3]
Sobre o “Crépuscule du soir” <OC I, p. 94>: a cidade grande não conhece um verdadeiro crepúsculo da tarde. Em todo caso, a iluminação artificial impede sua lenta transformação em noite. A mesma circunstância faz com que as estrelas desapareçam do céu na cidade grande; e menos ainda percebe-se seu surgimento. A maneira como Kant descreve o sublime através “da lei moral dentro de mim e do céu estrelado acima de mim”51 não poderia ter sido concebida por um habitante da cidade grande.
[J 64, 4]
O spleen de Baudelaire é o sofrimento devido ao declínio da aura. “A primavera adorável perdeu seu perfume” <OC I, p. 7 6>.
[ J 64, 5]
A produção em massa é a principal causa econômica, a luta de classes, a principal causa social do declínio da aura.
[J 64a, 1]
48 Edward Bellamy (1850-1898), Looking Backward, 2000-1887 (1888): Tony Moilin (1832-1871), Paris en l’An 2000 (1869). (J.L.)
50 Friedrich Engels, Herrn Eugen Dühring’s Umwälzung der Wissenschaft, in: MEW, vol, XX. 2 a ed., Berlim, 1968, p. 243. (R.T.)
51 Cf. Immanuel Kant, Kritik der praktischen Vernunft. (R.T.)
51 Cf. Immanuel Kant, Kritik der praktischen Vernunft. (R.T.)
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
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