• tacet: jodorowsky/sai/

    4.5.24

    jodorowsky/sai/



    JODOROWSKY, Alejandro; COSTA, Marianne (1966- ). O caminho do tarot / Alejandro Jodorowsky e Marianne Costa. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. La Voie du Tarot, 2004. — São Paulo: Editora Campos (Rogério de Campos), 2016. (Selo Chave)

    JODOROWSKY, Alexandre; CAMOIN, Philippe. Tarot de MarseilleAlexandre Jodorowsky e Philippe Camoin. Marseille: CAMOIN.

     


    destaque:

     

    SEGUNDA PARTE

    OS ARCANOS MAIORES

    Uma arquitetura da alma

    Na época em que fui concebido, sem ser desejado, meus pais se odiavam. Minha chegada instalou entre eles uma relação sufocante. Os nove meses de gestação se converteram para mim numa luta para sobreviver. Isso tudo fez com que eu nascesse impregnado de um terror visceral. A cada instante, eu sentia a ordem: 'Você está proibido de viver. Você é culpado de ter invadido nosso mundo. Você não devia ter resistido ao cordão umbilical que o estrangulava. Para nós, você é um veneno'. Compreendi que era por isso que muitos anos mais tarde, apesar de viver relativamente feliz, de tempos em tempos, talvez a cada nove meses, eu sentia desejos de morrer... Sentia-me dominado pela frieza de minha mãe, que brandindo  uma espada imaginária, como A Justiça, decretava: 'Você não tem o direito de nascer, obedeça a minha ordem: desapareça'. O que eu podia fazer?

    [...]
    Para mim, o 'personagem' Deus, ator principal de toda obra sagrada, não podia ter nome, nem forma humana, nem sexo, nem idade. Não podia ser propriedade exclusiva de nenhuma religião. Qualquer denominação ou atributo que lhe dermos, será apenas uma aproximação supersticiosa. Impossível de definir com conceitos ou imagens, inacessível quando perseguido, sendo tudo, é absurdo tentar lhe acrescentar qualquer coisa. Única possibilidade: recebê-lo. Mas como, se é inconcebível, impalpável? Pode-se recebê-lo apenas por mudanças e mutações que ele aporta à nossa vida em forma de clareza mental, felicidade amorosa, capacidade criativa, saúde e prosperidade. Se o imaginamos eterno, infinito e todo poderoso, é unicamente por comparação com aquilo que pensamos de nós mesmos: finitos, efêmeros e impotentes diante dessa transformação que convencionamos chamar de 'morte'. Se tudo é Deus e Deus não morre, nada morre. Se tudo é Deus e Deus é infinito, nada tem limites. Se tudo é Deus e Deus é eterno, nada começa nem nada termina. Se tudo é Deus e Deus é todo poderoso, nada é impossível... Sendo incapaz de nomeá-lo, e de crer nele  n'Ele , posso senti-lo de maneira intuitiva no mais profundo de mim mesmo; posso aceitar sua vontade, essa vontade que cria o universo e suas leis, e imaginá-lo como aliado, aconteça o que acontecer. 'Sou teu... Tenho confiança em ti.' Isso é tudo, não preciso dizer mais nada, as palavras não são um caminho direto, elas o indicam mas não o percorrem. Aceito pertencer a esse mistério incomensurável, entidade sem ser ou não ser, sem dimensão, sem tempo. Aceito me entregar a seus desígnios, e contar que minha existência não seja um capricho, nem uma brincadeira, uma ilusão ou um jogo, mas uma necessidade inexplicável de sua Obra. Saber que essa permanente impermanência faz parte daquilo que meu espírito concebe como projeto cósmico. Crer que sendo uma engrenagem ínfima da incomensurável máquina participo de sua eternidade, que essa mudança que meu corpo chama de 'morte' é a porta que devo atravessar para submergir naquilo que meu coração sente como um amor total, que meu centro sexual concebe como um orgasmo sem fim, que meu intelecto nomeia 'vacuidade iluminada'.
    [...]
    Compreendendo assim a unidade divina, origem do criado, nós nos encontramos diante de uma impotência da linguagem racional que, com seu sistema conceitual sempre em busca de diferenças e limites, desejaria compreender, definir, explicar uma realidade onde absolutamente tudo está unido e forma um só corpo. Se aceitarmos o fato de que cada conceito não constitui a realidade, mas é dela um retrato reduzido, aprenderemos a utilizar as palavras não tanto como definições do mundo, mas como símbolos que o representam.
    [...]
    Uma semente contém uma floresta, da mesma forma que o ventre de uma mulher contém a humanidade inteira. O inconsciente individual encerra, dentro do inconsciente coletivo, o passado de toda a raça humana, do planeta e do cosmos. Do ponto de vista iniciático, o continente é sempre menor que seu conteúdo, pois cada átomo contém Deus...
    [...]
    (Se partimos da hipótese de que o Tarot é de origem francesa, podemos encontrar mensagens ocultas nos nomes das cartas. Le Bateleur [O Mago] diria 'Le bas te leurre' [O baixo te engana], La Papesse [A Papisa]: 'L'appât pese' [A isca pesa], L'Empereur [O Imperador]: 'Lampe erreur' [Lâmpada erro], Le Pendu [O Enforcado]: 'Le pain dÍl' [O pão devido], Tempérance [Temperança]: 'Temps-errance' [Tempo-errância], Le Jugement [O Julgamento]: 'Le juge ment' [O juiz mente], La Maison Dieu [A Casa Deus]: 'L'âme et son Dieu' [A alma e seu Deus].)
     
    XIIII Temperança. Proteção, circulação, cura
     

    TERCEIRA PARTE

    OS ARCANOS MENORES

    Os humildes guardiões do segredo 

    Primeiro as leis misteriosas do universo; em seguida, vem o ser humano, que com seu espírito limitado transforma em superstições, religiões, em símbolos, aquilo que não compreende.

     

    1. Os graus da numerologia

     

    Os quatros. Segurança sobre a Terra

    Mas se a pessoa ainda não é capaz de amar a si mesma, ela é obrigada a depositar todas as suas esperanças de realização em outra pessoa. A relação emocional, então, não se mais entre iguais, mas entre um coração submisso e um ser poderoso. Se a pessoa se odeia, se se despreza, se não se ama, a exigência de segurança se torna insaciável. Mesmo se a pessoa não tem todo o amor que deseja, por segurança se apega à relação emocional. É o caso de um casamento de longa duração em que os cônjuges talvez tenham perdido o amor, mas cuja união perdura por segurança. Um amor que não evolui está condenado a estagnar.

     

    QUARTA PARTE

    O TAROT DE DOIS EM DOIS

     A Consciência como obra comum

    Se durante uma grande parte da vida, para nos encontrarmos, buscamos a luz, ao final, ao encontrá-la, entraremos sem medo em nossa sombra.

     

    QUINTA PARTE

    A LEITURA DO TAROT

    Como se tornar um espelho 

    Com O Louco: escolher; com A Imperatriz: seduzir; com O Imperador: comandar; com O Papa: ensinar; com O Namorado: trocar; com O Carro: conquistar; com A Justiça: equilibrar; com O Eremita: iluminar; com A Roda da Fortuna: aceitar; com A Força: dominar; com O Enforcado: sacrificar; com o Arcano sem nome: eliminar; com Temperança: acalmar; com O Diabo: tentar; com A Torre: festejar; com A Estrela: dar; com A Lua: imaginar; com O Sol: criar; com O Julgamento: reviver; com O Mundo: triunfar... E no caso d'A Papisa: ler.

    [...]

    (...) No jogo tarológico, o objetivo é curar o adversário, ajudá-lo a viver. Esse trabalho se revelaria difícil: o ser humano atual pode ser comparado a um conteúdo maravilhoso fechado dentro de um continente enfermo. Ele tem limitações que defende obstinadamente, pois, embora sejam dolorosas, ele se identifica com elas. Desde a infância, seu espírito foi povoado de ideias insensatas. Um doente que se recusa a admitir que seu pensamento tem a capacidade de curá-lo se torna um adversário colérico diante do tarólogo. Ele diz que seu coração está vazio, mas disfarça que está cheio de rancor. Vive isolado dos outros, rejeita os sentimentos sublimes, desvaloriza a própria capacidade de amar e de ser amado, inibe sua capacidade sexual ou a exacerba, ao desprezá-la. Ele perdeu a em sua criatividade, tem vergonha dos próprios desejos. Reduziu sua infinita capacidade de movimentos corporais a um pequeno número de gestos cotidianos. Sua rigidez é resultado de preconceitos implantados por uma moral que outrora foi religiosa. O consulente se sente culpado por seus atos, por seus desejos, por seus sentimentos, por seus pensamentos. Essa culpabilidade lhe permite afirmar que o que lhe ocorre é um castigo justo e necessário. Ou então se deprecia incessantemente, acreditando, por falta de valores, não merecer sair do sofrimento. Ou ele justifica seus erros dando explicações excessivas e às vezes engenhosas, sem jamais fazer o esforço de mudar. Ou deseja amar, deseja criar, deseja ousar, deseja imaginar, deseja coisas sem fim, mergulhado na inatividade do desejar desejar. Ou ainda, com impotência, ele deseja ardentemente destruir o que lhe incomoda, eliminar aqueles que o machucaram, vingar-se, para terminar destruindo a si mesmo. Ou bem se joga na atividade sexual sem que ninguém chegue a satisfazê-lo completamente. Ou precisa, como de uma droga, da notoriedade e sofre por não tê-la ou por dever suportá-la, o que faz dele um surdo-mudo psicológico que gira dolorosamente em torno de si mesmo. Ou se comporta como um crítico impiedoso, um juiz permanente, incapaz de reconhecer o valor dos outros, o que o obriga se comparar obsessivamente com os demais, rebaixando-os para poder se assegurar de seu próprio valor. Ou ainda, por medo da transformação, ele recusa integrar novos conhecimentos, adula a própria ignorância, nega por principio: é aquela pessoa do "não" e do "mas"... Por outro lado, o consulente concebe um espaço habitável fundado sobre a ideia da propriedade privada. Ele foi habituado a viver em um espaço reduzido, com muros retos, dentro de cubos. Isso criou nele uma resistência diante do infinito. Ele não pode aceitar que vive no cosmos. Ele confunde lar e prisão... Condicionado pelos interesses político-econômicos de sua época, ensinam-lhe que a vida é curta. Na Idade Média, considerava-se natural morrer aos trinta anos; no Renascimento, aos quarenta; no século XIX, aos sessenta; hoje em dia, aos oitenta anos. Alguns cientistas dizem que viveremos 120 anos no século XXII, mas na realidade ninguém sabe a duração da vida humana. Se alguém diz que ela é como a de algumas árvores, isto é, de mais de mil anos, dirão que este alguem está louco. A sociedade funciona banindo a ideia de eternidade para associar o tempo ao dinheiro. O cidadão é um consumidor que deve ter uma vida curta para que a indústria funcione. Mas na realidade será que somos tão efêmeros assim? Por que não haveríamos de ter o direito de viver tanto quanto o universo? Como disseram ao consulente: 'Você é apenas uma parte', é difícil para ele aceitar que é o todo. Ele aprendeu a lutar para defender sua 'individualidade' buscando poderes egoístas. Vivendo em uma ilha psicológica, ele não se conta de que só existe uma única atmosfera, que a poluição no México, em Mumbai ou Paris envenena o ar de todo o planeta; que as guerras distantes, a miséria e a ignorância alheia atacam sua felicidade. O que acontece no mundo acontece a ele também. Uma crise econômica lá tem repercussões aqui, em seu bolso. Quanto maior é a separação dos outros, menor é a consciência. Vítima de ideias abusivas, o consulente nega sua capacidade de realizar milagres (entendemos aqui 'realizar' como o fato de se dar conta de que a realidade não se comporta segundo um modelo preestabelecido, mas de uma maneira incompreensível para uma mentalidade prisioneira de um sistema lógico) e, desamparado, pensa viver sozinho, sem desconfiar que o universo  'o inconsciente' é seu aliado. Aceitando a ideia de que ele não vale nada, ele não se digna a meditar para encontrar seu deus interior. O consulente confunde a Consciência (o Ser essencial) com o ato que consiste em tomar consciência de alguma coisa. A finalidade da Consciência é vir a ser ela mesma para se oferecer em seguida à divindade. Não se pode tê-la completamente: é uma semente que se desenvolve por mutações sucessivas. Seu primeiro nível é o animal. O indivíduo só vive para satisfazer suas necessidades materiais e sexuais. Ele não domina seus instintos, ignora o respeito pelos outros. Ele é agressivo por medo de perder. Segue-se o nível infantil: a pessoa, não aceitando a velhice e a morte, vive de maneira superficial; ela se recusa a meditar para se conhecer, coleciona objetos inúteis e distrações, sem nenhum senso de responsabilidade. Mais tarde se revela o nível romântico. O indivíduo não domina seus sentimentos, que o invadem. Eterno adolescente, ele acredita que encontrar um homem ou uma mulher para formar um casal é a solução da vida. Influenciado pelo cinema, pela televisão e pelas revistas de estilo..., ele cria um ideal amoroso que parece um conto de fadas. Isso faz com que substitua o ser pelo parecer. É possível que depois de dolorosos fracassos ele desenvolva a Consciência adulta. Nesse nível, pela primeira vez, o outro existe. A pessoa, compreendendo que em vez de exigir deve investir, tornandose responsável por si mesma, pode cair no erro egoísta da sede de poder. O que faz nascerem exploradores, tiranos, industriais sem escrúpulos, escroques de toda sorte. Egoísmo que tem sua antítese: pessoas que, por se sentirem nobres, passam o tempo a ajudar os outros por preguiça de ajudarem a si mesmas. Se isso se torna, na verdade, uma ajuda para as pessoas, abre-se o nível da Consciência social. É quando que o indivíduo luta pela felicidade de todos os seres humanos, mas também pela saúde das plantas, dos animais, do planeta. Mais tarde se abre à Consciência cósmica. No universo, nada acontece sem movimento e transformação. Descartando todo tipo de hábitos e sistemas obstinados que desvalorizam a vida, a pessoa responsável, assim como o cosmos, se abandona a uma mutação constante, sabendo que pertence a um mundo infinito e eterno. Ela emerge dos limites geracionais e prepara o terreno para o advento do novo ser. Por fim, nível que muito poucos atingem, chega-se à Consciência divina. No centro obscuro do inconsciente, um ponto brilhante de lucidez total, aliado poderoso que, se bem utilizado, se manifesta como deus interior ou, se mal utilizado, como demônio interior. Esse nível é aquele que conhecem os gênios, os profetas e os magos. Se o tarólogo, sem prepará-lo anteriormente, tenta conduzir o consulente a uma mutação que eleva seu nível de Consciência, ele terá a impressão de que tentam arrancar seus dentes. Para mudar, é preciso querer mudar, saber que se pode mudar e por fim aceitar as consequências da mudança.

    (...) Esse retrato deve ser obtido com as maiores precauções: pode ser que a consulta seja feita por curiosidade superficial ou porque a pessoa busca não uma revelação mas um calmante que lhe permita suportar sem dor a própria vida. Uma coisa é dar, outra é obrigar a receber. Uma leitura pode facilmente se tornar tóxica.

    [...]

    Tive a sorte de assistir em Kyoto, no Japão, a uma cerimônia do chá celebrada por um mestre. Tanta consciência de cada gesto da preparação de uma "simples" taça de chá, tamanha humanidade, tamanha beleza, tal economia de movimentos me marcaram para sempre. Eu me propus a conseguir colocar em prática os gestos da leitura do Tarot com a perfeição e a humildade de uma cerimônia do chá do zen.

    (...) Não falo do aspecto exterior, estereotipado de um santo de almanaque, mas de um sentimento verdadeiro, poético e sublime. Diversas religiões dominaram o conceito de santidade, dando-lhe significados que o limitam. Entre esses limites, existe a negação da sexualidade, da reprodução, da família, conjugada à exaltação do martírio, à rejeição do mundo real por um além mítico. Fala-se de santos católicos, muçulmanos, budistas, judaicos (os justos) etc., mas não se concebe uma santidade cidadã. O cidadão santo pode amar um ser do sexo oposto, ter filhos, formar uma família, levar uma vida sadia, não pertencer a seitas, não adotar doutrinas ditadas por um deus com figura e nome, e praticar uma moral que não seja fundada sobre as interdições mas sobre o conceito de atos úteis para a humanidade. 

    (...) Para ser forte nas grandes coisas, é preciso sê-lo nas pequenas, no cotidiano, dando sem esperar nada em troca, nem agradecimento, nem dinheiro, nem admiração, nem submissão... Sem nos compararmos, sem rivalizarmos, aceitando com humildade os valores dos outros. Não colocando nosso ponto de vista como unidade de medida do mundo, aceitando de bom grado as diferenças. Aprendendo, entre muitas outras coisas, a concentrar nossa atenção, a controlar durante a leitura nosso pensamento, nosso desejo, nossas emoções; a vencer nossa preguiça, a terminar sempre aquilo que começamos, a não ficarmos nervosos se o consulente recusa a tomada de Consciência, a fazer o melhor possível naquilo que estamos fazendo, a eliminar vícios e manias, a realizar atos de generosidade sem testemunhas, a purificar o espírito eliminando interesses supérfluos sem cair em uma autocrítica excessiva nem na autoindulgência, a agradecer conscientemente cada dádiva, a meditar, a rezar para o deus interior, a contemplar, a conversar sozinho sobre temas profundos, a desenvolver os sentidos, a parar de ficar se definindo a si mesmo, a saber escutar, a não mentir para os outros e nem para si mesmo, a não nos comprazermos com a dor ou com a angústia, a ajudar o próximo sem torná-lo dependente, a não querermos mais ser imitados, e empregar o tempo de maneira lúcida, a fazer planos de trabalho e a realizá-los, a não ocupar muito espaço, a não dilapidar, a não fazer barulhos inúteis, a não comer alimentos insalubres só pelo próprio prazer, a responder da maneira mais honesta possível cada pergunta, a vencer o medo da existência e da morte, a não viver apenas no aqui e no agora mas também no algures, no além e no depois, a não abandonar jamais as crianças e velar por elas desde a infância, a não ser dono de nada nem de ninguém, a dividir igualmente, a não nos enfeitarmos com roupas e objetos por vaidade, a não enganar, a dormir o estritamente necessário, a não seguir as modas, a não nos prostituir, a respeitar escrupulosamente todo contrato assinado e toda promessa feita, a ser pontual, a não invejar o sucesso alheio, a falar somente o que for preciso, a não pensar nos benefícios de uma obra, mas a amar a obra por si mesma, a jamais ameaçar ou maldizer, a nos colocar no lugar do outro, a fazer de cada instante um mestre, a desejar e admitir que os filhos nos superem, a ensinar os consulentes a aprenderem por si mesmos, a vencer o orgulho transformando-o em dignidade, a cólera em criatividade, a avareza em sabedoria, a inveja em admiração pela beleza, o ódio em generosidade, a falta de em amor universal; a não aplaudir a si mesmo e nem se insultar, a não se queixar, a não dar ordens por prazer de nos vermos sendo obedecidos, a não contrair dívidas, a jamais falar mal de alguém, a não conservar objetos inúteis e, sobretudo, a jamais agir por interesse próprio, mas em nome do deus interior.

     [...]

    O transe começa com a exacerbação da atenção e visa abolir a realidade espectador/ator. A pessoa em transe não fica se observando a si mesma, ela se dissolve em si mesma. É um ator em estado puro. 'Ator' deve ser entendido não como o comediante em cena, mas como entidade em ação. Por esse motivo, por exemplo, o transe não permite o registro na memória das palavras, feitos, atos realizados. Pelo mesmo motivo, o transe pode supor uma perda da noção do tempo. Geralmente, utilizamos a posição racional para afastar as outras forças vivas, as outras energias. Na vida cotidiana, o racional é tido como uma ilha. No transe, o racional não desaparece, mas a paisagem aumenta. A ilha vê que pontes com o inconsciente. O transe é um estado de superconsciência. No transe, não atos falhos nem acidentes. Não se tem a concepção do espaço, pois nos tornamos o espaço. Não se tem a concepção do tempo, porque somos o fenômeno que ocorre. É um estado de presença extrema em cada gesto, todas as ações são perfeitas. Não temos como nos enganar, pois não existe plano nem intenção. existe a ação pura no presente. No transe, o racional não tem medo de liberar o instinto, primitivo que seja, mas se une a ele. Ele se une à força criadora inesgotável de sua sexualidade. Ele vive o corpo não mais como um conceito do passado, mas como a realidade subjetiva vibrante do presente. O corpo não se mexe mais comandado pelas forças racionais, ele é dirigido por forças que pertencem a outras dimensões. Poderíamos dizer que os movimentos são ditados pela coletividade, ou pela totalidade da realidade. Um animal numa jaula tem movimentos comparáveis à posição racional. O movimento em liberdade de um animal na floresta é comparável ao transe. O animal na jaula deve ser alimentado segundo horários fixos. O racional deve receber, para agir, palavras. O animal selvagem se alimenta sozinho e não se engana com aquilo que come. O ser em transe não age mais movido por aquilo que aprendeu, mas por aquilo que ele é...  (...) Nesse caso, o transe não é uma omnivisão, mas, muito pelo contrário, uma concentração aguda da atenção sobre um detalhe que, certamente, está escondido da consciência cotidiana.

     

    Ler três cartas

     

    • Ler três cartas sem estrutura preestabelecida e sem pergunta

    • Estratégia 1 O Tarot faz a pergunta

    • Estratégia 2 Ler três cartas segundo o valor numérico

    • Estratégia 3 Seguir os olhares, os gestos, os indícios fornecidos pelas cartas

    • A leitura projetiva

    Ler quatro cartas ou mais

    • O Tarot da dúvida 

    • O Tarot da libertação 

    • O Tarot do herói 

    • O Tarot d'O Mundo

     • O Tarot dos dois projetos 

    • O Tarot da escolha 

    Ler dez cartas ou mais 

    • Amplificar o Tarot d'O Mundo

    • O Tarot do eu realizado

     • O Tarot do herói aplicado aos quatro centros

     • O Tarot da escolha aplicado aos quatro centros 

     

    Conclusão: o pensamento tarótico 

    Aquilo que pensamos ser a realidade é apenas uma parte da realidade. Aquilo que projetamos de uma pessoa é apenas uma parte de sua personalidade. Os defeitos ou qualidades que vemos nos outros são igualmente nossos. Essas condutas inesperadas com as quais o mundo e os outros nos surpreendem provocam reações que dependem do nosso nível de consciência. Em um nível de consciência pouco desenvolvido, qualquer mudança nos apavora, nos deixa desconfiados, nos faz fugir, nos paralisa, nos torna furiosos ou prestes a atacar. Uma consciência desenvolvida aceita a mudança contínua e avança, confiante, sem objetivo, desfrutando da existência presente, construindo passo a passo a ponte que atravessa o abismo.   

     [...]

    (...) No fundo, creio que nossa verdadeira consulente é a morte. Tentemos compreendê-la. Quando morremos, isto é, quando nos tornamos ela, nós nos dissolvemos, por fim, na Verdade.

     

     [...]

    Eu me dei conta de que compreender aquilo que eu via era uma ilusão. Para compreender verdadeiramente uma coisa, era preciso decifrar o que é o universo. Sem abarcar o todo, era impossível saber com certeza o que era uma de suas partes.

    [...]

    Uma árvore, ao mesmo tempo que eleva seus galhos para o céu, mergulha suas raízes na terra. A luz é infinita, a escuridão é infinita. Cavar no sofrimento contido em nosso inconsciente faz com que nos impregnemos com o sofrimento de toda a humanidade; a dor é infinita. Uma vez expressos o pranto e a cólera, é mais útil buscar valores escondidos como tesouros em nosso ser essencial. A paz é infinita.

     

    [...]

    Toda generalização é ilusória. Os acontecimentos nunca são semelhantes... Quando damos o outro como exemplo, sempre aquele que o cita emite uma concepção pessoal. Para cada indivíduo, o outro é diferente. 

          Sendo o outro parte de um todo infinito, é impossível isolá-lo em uma definição; quando o outro é capturado e interpretado por nós, ele recebe os limites que corresponde ao nosso nível de consciência. Esse outro é uma mistura daquilo que ele mostra e daquilo que nós acrescentamos fazendo dele nosso próprio reflexo. As qualidades que enxergamos nele, assim como os defeitos, fazem parte das nossas próprias qualidades e defeitos... Ao julgá-lo, ao mensurá-lo, ao lhe atribuir rótulos bom, mau, belo, feio, egoísta, generoso, inteligente, estúpido &c estaremos mentindo a nós mesmos. Todo julgamento que exprimirmos é sempre feito em comparação com a imagem limitada, e portanto artificial, que temos de nós mesmos. 

    [...]

          Eis por que não é útil afirmar que o mundo é violento. Podemos admitir que existe violência no mundo, muita violência, mas não podemos defini-lo por esse erro. O mundo é também perfeito como o cosmos. O ser humano é igualmente assim. Não se pode afirmar que ele é doentio. Enquanto a vida lhe alento, o corpo humano é um organismo complexo, misterioso, dotado de saúde. Estar vivo é estar são, física e mentalmente. Podemos ter doenças, atitudes psicóticas, mas por mais que sejam graves, elas não fazem de nós 'doentes' ou 'loucos', elas não definem nosso ser, mas nosso estado presente... O espírito humano, infinito, não suporta rótulos...  

    [...]

    Não devemos definir o consulente por suas ações, mas sim definir as ações que o consulente realizou. Ele não é 'tolo': ele cometeu tolices; ele não é "ladrão": ele se apropriou de coisas que pertenciam a outra pessoa. Se definirmos o consulente por suas ações, nós o separaremos da realidade.

    [...]

    O desejo de perfeição, de exatidão, de precisão, de repetição daquilo que é conhecido e estabelecido são manifestações de um espírito rígido que teme a mudança, a diferença, o erro, a permanente impermanência do cosmos. Essa atitude obstinadamente racional se opõe ao pensamento tarótico, que se assemelha ao pensamento poético. ouvimos o poeta Edmond Jabes dizer: 'Ser é interrogar o labirinto de uma pergunta que não tem resposta'. 

     

    [...]

    Não mudar nunca de interpretação é teimosia.

    [...] 

    Sim, eu era um espírito, mas era ao mesmo tempo um planeta, uma galáxia, um universo e, se eu aceitasse um princípio criador, um Deus. Isso me obrigou a dizer: sou um corpo que possui um deus, sou um deus que possui um corpo... Será que eu podia, então, separar meu corpo dos outros corpos, da Terra, das estrelas, da matéria universal?

     

    [...]

    Todo conceito é duplo, composto pela palavra enunciada e uma palavra contrária não pronunciada. Afirmar alguma coisa é também afirmar a existência de seu contrário. 

    [...] 

    Desde a infância, exigem de nós que pareçamos, não que sejamos. Se a criança não corresponde àquilo que os pais acreditam que ela deva ser, eles a culpabilizam. (...) As escolas que estabelecem os cânones de inteligência, pensando que só existe uma maneira correta de pensar, provocam desvalorizações dramáticas.

    [...]

    'Para avançar um quilômetro é preciso dar um passo' (Tao Te Ching).  

    [...]

     

    O mau tarólogo, que confunde pensar e crer, enuncia interpretações caprichosas para depois buscar nos Arcanos símbolos que possam confirmar essas conclusões. Para ele, a verdade vem a priori, e é seguida a posteriori pela busca da verdade.

    TORÁ  A LEI DE MOISES. עֵץ. Deuteronômio, 18 [Shofetim]: 10-11-12: דברים י"ח שופטים . Bilíngue. Edição revisada e ampliada da obra A Lei de Moisés e as Haftarót. Tradução, explicações e comentários do rabino Meir Matzliah Melahed z"l, com comentários de Sidur Matzliah e as Meguilot de Ester e Cântico dos Cânticos. Comentários do rabino Menahem Mendel Diesendruck z"l (da obra Sermões, Editora Perspectiva). Comentários compilados, redigidos e editados por Jairo Fridlin, com tradução das Cinco Meguilot, três delas comentadas por Rute, Echá e Cohélet, traduzidas por David Gorovits e Ruben Najmanovich, além de moderno texto hebraico da Torá, das Haftarót e Meguilot, acompanhado da tradução de Onkelos para o aramaico e dos comentários de Rashi, Baal Haturim, Toldot Aharon e Icar Siftê Chachamin. 1962, 1972, 2001. São Paulo: Editora e Livraria Sêfer LTDA, 2017.

    BÍBLIA SAGRADA. Deuteronômio, 18 [Profetas]: 10-11-12 / tradução do Padre Antônio Pereira de Figueiredo; notas e dicionário prático Mons.José Alberto L.de Castro Pinto; aprovação de Cardeal D.Jaime de Barros Câmara. Rio de Janeiro: Edição Barsa, 1969.

    JOÃO DE LA CRUZ, Santo, 1542-1591. Santo João de la Cruz / tradução e apresentação Marco Lucchesi, bilíngue. — Rio de Janeiro: Lacerda Ed, 2000

    LAO-Tzu. Tao Te King: o Livro do Tao e sua virtude: versão integral e comentários / Lao Tsé; tradução Marcos Martinho dos Santos; ilustração da capa Ma Yuan (1190-1230); ilustrações internas Leang K'ai (séc XIII) e Che K'o (séc X). 3ed — São Paulo: Attar, 2001.

    RILKE, Rainer Maria, 1875-1926. Poemas / Rainer Maria Rilke; bilíngue; tradução e notas Geir Campos; revisão Alexandre Barbosa de Souza; projeto gráfico Paulo Vidal de Castro & Thais Vilanova. 1 ed — São Paulo: Luzes no Asfalto, 2010.
    _________________. Coisas e anjos de Rilke /
    bilíngue; tradução e notas Augusto de Campos (1931-). — São Paulo: Perspectiva, 2001
    .
    — (Coleção signos; 30)

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