continua/benjamin/rua de mão única/infância berlinense: 1900
Tinha de abrir caminho até o seu canto mais escondido para encontrar o montinho das minhas meias, enroladas e viradas à maneira tradicional. Cada par parecia uma pequena bolsa. Nada me dava mais prazer do que enfiar a mão por elas adentro, o mais fundo possível. Não o fazia para lhes sentir o calor. O que me atraía para aquelas profundezas era antes ‘o que eu trazia comigo’, na mão que descia ao seu interior enrolado. Depois de a ter agarrado com a mão fechada e ter confirmado a minha posse daquela massa de lã macia, começava a segunda parte do jogo, que trazia consigo a revelação. Agora, tentava tirar para fora da bolsa de lã ‘o que trazia comigo’. Puxava, puxava, até que qualquer coisa de perturbador acontecia: eu tinha retirado ‘o que trazia comigo’, mas ‘a bolsa’ onde isso estava já não existia. Nunca me cansei de pôr à prova esse exercício. Ele ensinou-me que a forma e o conteúdo, o invólucro e o que ele envolve, são uma e a mesma coisa. E levou-me a extrair da literatura a verdade com tanto cuidado quanto a mão da criança ia buscar a meia dentro da sua ‘bolsa’.”
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