continua/benjamin/passagens/Das Passagen-Werk/continua
“<fase média>
[...]
‘Os tipógrafos ... ocuparam, no fim do século XVIII, um vasto espaço... A Passage du Caire e seus arredores... Mas com o crescimento de Paris, os tipógrafos ... dispersaram-se por toda a cidade... Que pena! Quantos tipógrafos, hoje trabalhadores degradados pelo espírito da especulação, deveriam lembrar-se que ... entre a Rue Saint-Denis e a Cour des Miracles existe ainda uma longa galeria enfiimaçada onde jazem esquecidos seus verdadeiros penates.’ Edouard Foucaud, Paris Inventem, Paris, 1844, p. 154.
[A 6, 3]
[...]
‘Martin: O comércio, o senhor percebe? ... é o rei do mundo! — Degenais: Sou de sua opinião, senhor Martin, mas não basta o rei, é preciso vassalos. Pois bem! A pintura, a escultura, a música... — Martin: É preciso um pouco delas ... e ... eu também encorajei as artes; assim, no meu último estabelecimento, o Café de França, eu tinha muitas pinturas temas alegóricos... E ainda, à noite, deixava entrar os músicos...; e, enfim, se eu o convidasse a vir em minha casa..., o senhor veria sob meu peristilo duas grandes estátuas, pouco vestidas, e tendo cada uma delas uma lanterna sobre a cabeça. — Defenais: Uma lanterna? — Martin: É assim que compreendo a escultura, ela tem que servir para alguma coisa ... mas todas essas estátuas, com uma perna ou um braço no ar, para que servem? Uma vez que não se instalou nem mesmo o cano de gás ... para quê?’ Théodore Barière, Les Parisiens, Paris, 1855 (Théâtre du Vaudeville, 28 de dezembro de 1854), p. 26. A peça passa-se em 1839.
[A 6a, 3]
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Do prospecto ‘Aos moradores das ruas Beauregard, Bourbon-Villeneuve, du Caire e da Cour des Miracles’: ‘Projeto de duas passagens cobertas indo da Place du Caire à Rue Beauregard, terminando exatamente em frente à Rue Hauteville. Senhores: Há muito tempo nós nos preocupamos com o fiituro deste bairro; sofremos ao ver propriedades tão peno do boulevard estarem tão longe do valor que deveriam ter; esse estado de coisas mudaria se abríssemos vias de comunicação, e, como é impossível traçar ruas nesse lugar, devido à grande diferença de nível do solo, e que o único projeto praticável é o que temos a honra de lhes submeter, esperamos, senhores, que, na qualidade de proprietários..., os senhores queiram nos honrar com sua colaboração e com sua adesão... Cada participante será responsável por um deposito de 5 francos por ação de 250 francos que quiser possuir na sociedade definitiva. Logo que se atingir o montante de 3.000 francos de capital, esta subscrição provisória será fechada, a refenda soma sendo por ora considerada suficiente. Paris, 20 de outubro de 1847. Convite impresso para subscrição.
[A 8, 1]
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Ruas-salões: As mais largas e mais bem situadas dentre as ruas-galerias foram ornamentadas com gosto e suntuosamente mobiliadas. As paredes e os tetos foram cobertos de ... mármores raros, de douraduras..., de espelhos e de quadros; guarneciam-se as janelas de magníficas tapeçarias e de cortinas bordadas com desenhos maravilhosos; cadeiras, poltronas, canapés ... ofereceram assentos comodos aos visitantes fatigados; enfim, móveis artísticos, antigos baús..., vitrines cheias de curiosidades..., potes contendo flores naturais, aquários cheios de peixes vivos; gaiolas povoadas de pássaros raros completaram a decoração dessas ruas-galerias que, à noite, eram iluminadas por candelabros dourados e lustres de cristal. O Governo quis que as ruas pertencendo ao povo de Paris ultrapassassem em magnificência os salões dos mais poderosos soberanos... Pela manhã, as ruas-galerias ficam entregues ao pessoal da limpeza que areja, varre cuidadosamente, escova, espana, esfrega os móveis e conserva por toda pane a mais escrupulosa limpeza. Em seguida, conforme a estação, fecham-se as janelas ou deixam-nas abertas, acende-se a lareira ou se descem as cortinas... Entre nove e dez horas, todo esse trabalho de limpeza está terminado e os transeuntes, raros até então, se põem a circular em grande número. A entrada das galerias é rigorosamente proibida a todo indivíduo sujo ou portador de um grande fardo; é igualmente proibido fumar e escarrar.’ Tony Moilin, Paris en l’An 2000, Paris, 1869, pp. 26-29 (‘Aspects des rues-galeries’).
[A 9a, 1]
[...]
‘Em 1798 e 1799, a expedição do Egito contribuiu enormemente para a moda dos xales. Alguns generais do exército expedicionário, aproveitando a vizinhança da índia, enviaram a suas mulheres e a suas amigas xales de ... caxemira... A partir desse momento, a doença que se poderia chamar de febre da caxemira tomou proporções consideráveis, cresceu no Consulado, cresceu no Império, tornou-se gigantesca na Restauração, colossal no governo de Julho, e chegou, enfim, ao estado de esfinge depois da Revolução de fevereiro de 1848.’ Paris Chez Soi, p. 139. (A. Durand, ‘Châles-cachemires indiens et français’). Contém uma entrevista com M. Martin, Rue Richelieu, 39, proprietário do magazine ‘Aux Indiens’; relata que xales, que antes custavam de 1.500 a 2.000 francos, podem ser agora adquiridos por 800 a 1.000 francos.
[A 10 , 2 ]
[...]
Brazier, Gabriel e Dumersan, Les Passages et les Rues, ou La Guerre Declarée, vaudeville em um ato, representado pela primeira vez em Paris, no Théâtre des Vanétés, em 7 de março de 1827 Paris, 1827. — O partido dos adversários das passagens é composto pelo br. Duperron, comerciante de guarda-chuvas, Sra. Duhelder, mulher de um locador de coches, Sr. Mouffetard, fabricante de chapéus, Sr Blancmanteau, comerciante e fabricante de tamancos, Sra. Dubac, que vive de renda — cada um deles provindo de um bairro diferente. Sr Dulingot, que aplicou seu dinheiro em ações de passagens, abraça a causa das passagens. Seu advogado e o Sr Afavor, o advogado de seus opositores é o Sr Contra. Na antepenúltima cena (a 14a), surge o Sr Contra à dianteira nas Ruas. Estas ostentam bandeiras apropriadas a seu nome. Entre elas a Rue aux Ours, Rue Bergère, Rue du Croissant, Rue des Puits-qui-Parle, Rue du Grand-Hurleur etc. Analogamente, aparece na cena seguinte o cortejo das Passagens com suas bandeiras: Passage du Saumon, Passage de 1’Ancre, Passage du Grand-Cerf, Passage du Pont-Neuf, Passage de 1’Opéra, Passage du Panorama. Na cena seguinte, a ultima (a 6 ), emerge Lutécia22: do seio da terra, a princípio na figura de uma velha. Diante dela, o Sr. Contra defende sua causa contra as Passagens do ponto de vista das Ruas: Cento e quarenta e quatro passagens abrem suas bocas escancaradas para devorar nossos hábitos, para fazer fluir as ondas incessantemente renovadas de nossa multidão ociosa e ativa! E vocês querem que nós, Ruas de Paris, fiquemos insensíveis a essas invasões de nossos direitos antigos. Não, nós pedimos ... a interdição de nossos cento e quarenta e quatro adversários além de quinze milhões e quinhentos mil francos de indenizações e juros.’ (p. 29) A defesa das Passagens, pelo Sr. Aíàvor, tem a forma de uma copla. Eis uma amostra:
‘Nós, os proscritos, nosso uso é cômodo,
Não fizemos, com nosso aspecto risonho,
Paris inteiro adotar a moda
Destes bazares, famosos no Oriente?
...
Quais são estas paredes que a multidão contempla?
Estes ornamentos, estas colunas, sobretudo?
Acreditar-se-ia estar em Atenas, e este templo
É ao comércio erguido pelo gosto.’ (pp. 29-30 ).
Lutécia faz a arbitragem da disputa: ‘O caso está concluído. Gênios das luzes, obedeçam a minha voz. (Neste momento toda a galeria se ilumina a gás.)’ (p. 31). Um balé das Passagens e Ruas encerra o vaudeville.
[A 10a, 1]
<fase tardia>
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‘Nenhuma razão particular..., à primeira vista, para que a história tenha recebido este nome: A Loja de Antiguidades. Há apenas dois personagens que têm alguma coisa a ver com esse gênero de boutique, e desde as primeiras páginas eles a deixam para sempre... Mas quando estudamos as coisas em seqüência, percebemos que esse título é uma espéae de chave para todo o romance de Dickens. Suas histórias tinham sempre como ponto de parada alguma lembrança de rua; as lojas, talvez a coisa mais poética de todas, muitas vezes movimentaram sua imaginação desabusada. Cada boutique, na verdade, despertava nele a idéia de uma novela. Entre as diversas séries de projetos ... é surpreendente não se ver começar uma série com o título A Rua; ela seria inesgotável e as boutiques seriam os capítulos. Ele poderia ter escrito romances deliciosos. A Boutique do Padeiro, A Farmácia, A Boutique do Comerciante de Óleos: outros tantos complementos da Loja de Antiguidades.’ G. K. Chesterton, Dickens, traduzido por Laurent e Marrin-Dupont, Paris, 1927, pp. 82-8323
[A 11, 3]
[...]
Confissão de Proudhon ao fim de sua vida (in: La Justice24 — a comparar com a visão do falansténo em Fourier): ‘Foi mesmo preciso civilizar-me. Mas confessá-lo-ei? O pouco que dela aprendi me desgostou... Odeio as casas de mais de um andar nas quais, numa inversão da hierarquia social, os pequenos são instalados no alto, e os grandes estabelecidos no térreo.’ (cit. Armand Cuvillier, Marx et Proudhon: A la Lumière du Marxisme, II, Primeira Parte. Paris, 1937, p. 211.)
[A11a, 3]
Blanqui: ‘Usei’, disse ele, ‘a primeira insígnia tricolor de 1830, feita pela Sra. Bodin, Passage du Commerce’. Gustave Geffroy, L’Enfermé , Paris, 1897, p. 240.
[A11a, 4]
Baudelaire escreve ainda: ‘um livro luminoso como um lenço ou um xale da Índia’. Baudelaire, L’Art Romantique, Paris, p. 192 (‘Pierre Dupont’).25
[A 11a, 4]
[...]
Crescimento das vendas do Bon Marché, entre 1852 e 1863, de 450.000 francos para 7 milhões de francos. O aumento do lucro deve ter sido percentualmente muito menor. Movimento grande, lucro pequeno foi um novo princípio, que se coadunava com os principais efeitos, o efeito da multidão compradora e o da massa do estoque. Em 1852, Boucicaut associa-se a Vidau, o proprietário do magasin de nouveautés Au Bon Marché. ‘A originalidade consistia em vender a mercadoria de qualidade, garantida pelo preço da mercadoria dos camelôs. A etiqueta com preço fixo foi outra inovação ousada, que suprimia a pechincha e a ‘venda segundo a cara do freguês ; a devolução permitia ao cliente anular sua transação à vontade; finalmente, os empregados eram pagos quase integralmente através de comissões sobre as vendas: estes foram os elementos constitutivos da nova organização.’ George d’Avenel, ‘Le mécanisme de la vie moderne: Les grands magazins’, Revue des Deux Mondes, Paris, 1894, pp. 335-336; 124 tomos.
[A 12, 1]
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A fisionomia da passagem surge em Baudelaire em uma frase no início do ‘Joueur génereux’: ‘Parece-me estranho que eu tivesse passado tantas vezes ao largo desse prestigioso antro sem desconfiar que ali era a entrada.’ Baudelaire, Œuvres, texto organizado e anotado por Y.-G. Le Dantec, I, Paris, 1931, p. 456.26
[A 12, 4]
Característica específica das lojas de departamentos: os compradores sentem-se como massa; são confrontados aos estoques; abrangem todos os andares com um só olhar; pagam preços fixos; podem ‘trocar as mercadorias’.
[A 12, 5]
[...]
Sobre a ‘embriaguez religiosa das grandes cidades’ de Baudelaire: as lojas de departamentos são os templos consagrados a esta embriaguez.28
[A 13]
B
22 De Lutetia, nome romano de Paris. (E/M)
23 G. K. Chesterton, Charles Dickens (1906; reimpressão: Nova Iorque, Schocken, 1965), pp. 119-120.(E/M)
24 De la Justice dans la Révolution et dans l’Église, 3 vols., 1858. (E/M)
25 Baudelaire, OC II, pp. 26-27. (R.T.) — Baudelaire se refere ao livro de poemas de Victor Hugo, Les Orientales (1829). (E/M)
26 Baudelaire, OC I. p. 325 (Le Spleen de Paris). (J.L.; w.b.)
28 Baudelaire, OC I, p. 651 (‘Fusées’, II). (R.T.)”
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
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