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    29.5.25

    continua/Chantal Montellier/Bruxas, minhas irmãs/Sorcières, mes sœurs/continua

    MONTELLIER, Chantal (1947-). Bruxas, minhas irmãs / Sorcières, mes sœurs / Chantal Montellier; prefácio Chantal Montellier; com textos de A Bruxa, de Jules Michelet; tradução Maria Clara Carneiro; 2006. São Paulo: Veneta, 2023.

    Fogo na floresta
    Os dominantes são levados a identificar na personagem da bruxa um protótipo da rebelde absoluta. As elites culturais e sociais impõem pela exclusão ou pela fogueira o respeito às normas, ou pelo menos o medo de transgredi-las” 

    A lgreja a coloca no ponto mais baixo (ela é Eva e o pecado em si). Em casa, ela é espancada; no sabá, imolada; sabe-se de que forma. No fundo, ela não é nem de Satã nem de Jesus. Ela não é nada, não tem nada. Ela morreria em sua criança. Mas é preciso prestar atenção quando se deixa uma criatura tão infeliz, pois, sob essa saraivada de dores, o que não é dor, o que é doçura e ternura, pode reverter-se em frenesi. Eiso horror da ldade Média. Com seu ar bem espiritual ela suscita o submundo das coisas inacreditáveis que ficariam lá; ele vai dragando, escavando os abjetos subterrâneos da alma.
    De resto, a pobre criatura sufocaria tudo isso. Bem diferente da alta senhora, ela só pode pecar por obediência. Seu marido quer, e Satã quer. Ela tem medo, ela chora; nem a consultam. Mas, tão pouco livre que seja, o efeito não é menos terrível para a perversão dos sentidos e da mente. E o inferno aqui embaixo. Ela fica estarrecida, meio enlouquecida de remorso de paixão.
    [...] Estão assustados pelo que podia ser uma tal sociedade, em que a família, tão impura e devastada, caminhava morna e muda, com uma máscara pesada de chumbo, sob o braço de uma autoridade imbecil que não via nada e se crê senhora. Que rebanho! Que ovelhas! Que pastores idiotas! Eles tinham sob seus olhos um monstro de infelicidade, de dor, de pecado. Espetáculo inacreditável antes e depois. Mas olhavam em seus livros, aprendiam, repetiam palavras. Palavras! Palavras! É toda a história deles. Foram uma lingua, no total. Verbo e verbalidade, é tudo. Um nome ficará: Palavra."
    Jules Michelet
    “Notas e esclarecimentos”
     
    “Pode parecer que as grandes e terriveis revoltas do século XIl não influenciaram esses mistérios e essa vida noturna do lobo, essa caça selvagem, como o chamam os barões cruéis. Mas essas revoltas podiam começar com muita frequência nas festas noturnas. As grandes comunhões de revolta entre servos [...] podiam ser celebradas no sabá. A Marselhesa daquele tempo, cantada mais à noite do que durante o dia, era talvez um canto sabático:
    Nous sommes hommes comme ils sont!
    Tout aussi grand cœur nous avons!
    Tout autant souffrir nous pouvons!*
    Mas o túmulo foi fechado em 1200. O papa está sentado em cima, o rei sentado abaixo e, com uma gravidade enorme, isolaram o homem. Teria ele uma vida noturna? Principalmente! As velhas danças pagãs deviam ser mais furiosas na época [...] Assim era o sentido dos sabás antes de 1300. Para que tomassem a forma impressionante de uma guerra declarada ao Deus daquele tempo, é preciso mais ainda, é preciso duas coisas; não somente que se descesse no fundo do desespero, mas que todo respeito fosse perdido.
    Isso só acontece no século XIV, sob o papado de Avignon e durante o Grande Cisma, quando a lgreja de duas cabeças não parece mais a lgreja, quando toda nobreza e o rei, vergonhosamente prisioneiros dos ingleses, exterminam o povo para lhe extorquir seu dinheiro. Os sabás têm então a forma grandiosa e terrível da Missa Negra...”
    Jules Michelet
    A Bruxa, Livro Primeiro, Capitulo Xl: A comunhão de revolta
     
    * “Somos homens como eles são/ Também temos um grande coração/ E também podemos sofrer como eles!”
     
    De um diabo
    a outro
    De um diabo a outro, de Françonnette a Nassera, do século XVI ao XXI, os mesmos medos da morte, da doença, do estrangeiro e do outro fabricam as mesmas vítimas. Françonnette e Nassera se tornam uma só pessoa. Só o apoio da fantasia destrutiva que as envolve mudou, mas os efeitos são tristemente os mesmos
    [...] Frio, fome, medo, escuridão! [...]
    — [...] Só que a gente morre vivendo!

    Chantal Montellier

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