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    27.6.25

    Bertolt Brecht/Poemas 1913-1956/Paulo César de Souza/continua

    BRECHT, Bertolt. 1898-1956. Poemas 1913-1956 / Bertolt Brecht (Eugen Bertholt Friedrich Brecht); seleção, tradução e comentário de Paulo César de Souza; texto de 2a e 3a capa Willi Bolle.  São Paulo: Editora 34, 2012.
    Dos Poemas de Svendborg 

    CANÇÕES INFANTIS
    O ALFAIATE DE ULM (Ulm, 1592)

    Bispo, eu sei voar
    Disse ao bispo o alfaiate.
    Olhe como eu faço, veja!
    E com um par de coisas
    Que bem pareciam asas
    Subiu ao grande telhado da igreja.

    O bispo não ligou.
    Isso é um disparate
    Voar é para os pássaros

    O homem nunca voou
    Disse o bispo ao alfaiate.

    O alfaiate faleceu
    Disseram ao bispo as pessoas.

    Era tudo uma farsa.
    Sua asa partiu
    E ele se destruiu
    Sobre o duro chão das praça.

    Façam tocar os sinos
    Aquilo foi invenção
    Voar só para os pássaros

    Disse o bispo aos meninos
    Os homens nunca voarão. 

    A AMEIXEIRA

    No pomar tem uma ameixeira
    Tão pequena, que ninguém faz fé.
    Em volta dela há uma cerca
    Que é pra ninguém botar o pé.

    A pequenina não pode crescer
    Pois crescer ela queria bem
    Mas aí nada se pode fazer
    Tão pouco é sol que ela tem.

    Nessa ameixeira ninguém faz fé
    Porque nunca deu uma ameixinha.
    Mas que é uma ameixeira, isso é:
    Pelas folhas a gente advinha!

    PARÁBOLA DE BUDA
    SOBRE A CASA INCENDIADA

    Gautama, o Buda, ensinou
    A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e aconselhou
    Livrar-se de toda cobiça e assim

    Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou Nirvana.
    Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
    Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
    Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
    Se esse Nada, no qual então penetramos
    É talvez como o ser-um com tudo criado
    Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
    No sono, mal sabendo então que puxa a coberta

    Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
    É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
    É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.

    Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
    Nenhuma resposta para vossa pergunta.
    Mas à noite, quando haviam partido
    Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou Buda aos outros
    Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:

    Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
    Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
    Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e gritei-lhes
    Que o telhado estava em fogo, incitando-as assim
    A sair rapidamente. Mas as pessoas
    Pareciam não Ter pressa. Uma delas me perguntou

    Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
    Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa 

    E coisas assim. Sem responder
    Afastei-me novamente. Estes, pensei
    Têm que queimar, até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
    Àquele que ainda não sente o chão bastante quente

    Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
    Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.

    Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
    Antes ocupados com a arte de não suportar, e apresentando
    Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens ensinando
    A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos que àqueles que
    À vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do Capital gastam tempo a perguntar
    Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
    E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma reviravolta
    Nada temos a dizer. 

    A INSCRIÇÃO INVENCÍVEL

    No tempo da Guarda Mundial
    Em uma cela da prisão italiana de San Carlo
    Cheia de soldados aprisionados, de bêbados e ladrões

    Um soldado socialista riscou na parede com um estilete:
    VIVA LÊNIN!
    Bem alto na cela meio escura, pouco visível, mas

    Escrito com letras imensas.
    Quando os guardas viram, enviaram um pintor com um balde de cal
    Que com um pincel de cabo longo cobriu a inscrição ameaçadora.
    Mas, como ele apenas acompanhou os traços com a cal

    Via-se agora em letra brancas, no alto da cela:
    VIVA LÊNIN!
    Somente um segundo pintor cobriu tudo com pincel
    largo
    De modo que durante horas desapareceu, mas pela manhã
    Quando a cal secou, destacou-se novamente a inscrição:

    VIVA LÊNIN!
    Então enviaram ao guardas um pedreiro com uma faca para eliminar a inscrição.
    E ele raspou letra por letra, durante uma hora
    E quando terminou, lá estava no alto da cela, incolor

    Mas gravada fundo na parede, a inscrição invencível:
    VIVA LÊNIN!
    Agora derrubem a parede! disse o soldado.

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