Bertolt Brecht/Poemas 1913-1956/Paulo César de Souza/continua
CANÇÕES INFANTIS
O ALFAIATE DE ULM (Ulm, 1592)
Bispo, eu sei voar
Disse ao bispo o alfaiate.
Olhe como eu faço, veja!
E com um par de coisas
Que bem pareciam asas
Subiu ao grande telhado da igreja.
O bispo não ligou.
Isso é um disparate
Voar é para os pássaros
O homem nunca voou
Disse o bispo ao alfaiate.
O alfaiate faleceu
Disseram ao bispo as pessoas.
Era tudo uma farsa.
Sua asa partiu
E ele se destruiu
Sobre o duro chão das praça.
Façam tocar os sinos
Aquilo foi invenção
Voar só para os pássaros
Disse o bispo aos meninos
Os homens nunca voarão.
A AMEIXEIRA
No pomar tem uma ameixeira
Tão pequena, que ninguém faz fé.
Em volta dela há uma cerca
Que é pra ninguém botar o pé.
A pequenina não pode crescer
Pois crescer ela queria bem
Mas aí nada se pode fazer
Tão pouco é sol que ela tem.
Nessa ameixeira ninguém faz fé
Porque nunca deu uma ameixinha.
Mas que é uma ameixeira, isso é:
Pelas folhas a gente advinha!
PARÁBOLA DE BUDA
SOBRE A CASA INCENDIADA
Gautama, o Buda, ensinou
A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou
Nirvana.
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
Se esse Nada, no qual então penetramos
É talvez como o ser-um com tudo criado
Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas à noite, quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou Buda aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e gritei-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-as assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não Ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar, até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e
apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens
ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos
que àqueles que
À vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do
Capital gastam tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma reviravolta
Nada temos a dizer.
A INSCRIÇÃO INVENCÍVEL
No tempo da Guarda Mundial
Em uma cela da prisão italiana de San Carlo
Cheia de soldados aprisionados, de bêbados e ladrões
Um soldado socialista riscou na parede com um estilete:
VIVA LÊNIN!
Bem alto na cela meio escura, pouco visível, mas
Escrito com letras imensas.
Quando os guardas viram, enviaram um pintor com um balde de cal
Que com um pincel de cabo longo cobriu a inscrição ameaçadora.
Mas, como ele apenas acompanhou os traços com a cal
Via-se agora em letra brancas, no alto da cela:
VIVA LÊNIN!
Somente um segundo pintor cobriu tudo com pincel
largo
De modo que durante horas desapareceu, mas pela manhã
Quando a cal secou, destacou-se novamente a inscrição:
VIVA LÊNIN!
Então enviaram ao guardas um pedreiro com uma faca para eliminar a inscrição.
E ele raspou letra por letra, durante uma hora
E quando terminou, lá estava no alto da cela, incolor
Mas gravada fundo na parede, a inscrição invencível:
VIVA LÊNIN!
Agora derrubem a parede! disse o soldado.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial