• tacet: Bertolt Brecht/Poemas 1913-1956/Paulo César de Souza/continua

    28.6.25

    Bertolt Brecht/Poemas 1913-1956/Paulo César de Souza/continua

    BRECHT, Bertolt. 1898-1956. Poemas 1913-1956 / Bertolt Brecht (Eugen Bertholt Friedrich Brecht); seleção, tradução e comentário de Paulo César de Souza; texto de 2a e 3a capa Willi Bolle.  São Paulo: Editora 34, 2012.
    Dos Poemas de Svendborg 

    AOS QUE HESITAM

    Você diz:
    Nossa causa vai mal.
    A escuridão aumenta. As forças diminuem.

    Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
    Estamos em situação pior que no início.

    Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
    Sua força parece Ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
    Mas nós cometemos erros, não há como negar.

    Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
    Estão em desordem. O inimigo
    Distorceu muitas de nossas palavras
    Até ficarem irreconhecíveis.

    Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
    Tudo ou alguma coisa?
    Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
    Da corrente viva? Ficaremos para trás

    Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?

    Precisamos ter sorte?

    Isto você pergunta. Não espere
    Nenhuma resposta senão a sua.

    NA MORTE DE UM COMBATENTE DA PAZ

    À memória de Carl von Ossistscky

    Aquele que não cedeu
    Foi abatido
    O que foi abatido

    Não cedeu.

    A boca do que preveniu
    Está cheia de terra.
    A aventura sangrenta

    Começa.
    O túmulo do amigo da paz
    É pisoteado por batalhões.

    Então a luta foi em vão?

    Quando é abatido o que não lutou só
    O inimigo
    Ainda não venceu.

     

    NO NASCIMENTO DE UM FILHO

    (Segundo poema chinês
    de Su Tung-po, 1036-1101)

    Famílias, quando lhes nascer um filho
    Façam votos de que seja inteligente.
    Eu, que pela inteligência
    Arruinei minha vida

    Posso apenas desejar
    Que meu filho se revele

    Parvo e tacanho.
    Assim terá uma vida tranquila

    Como ministro do governo.

    EPITÁFIO PARA GORKI

    Aqui jaz
    O enviado dos bairros da miséria
    O que descreveu os atormentadores do povo

    E aqueles que os combateram
    O que foi educado nas ruas
    O de baixa extração
    Que ajudou a abolir o sistema de Alto e Baixo

    O mestre do povo
    Que aprendeu com o povo. 

    SÁTIRAS ALEMÃS

    A QUEIMA DE LIVROS

    Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
    Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
    Fizeram bois arrastarem carros de livros
    Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido

    Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
    Descobriu, horrorizado, que os seus
    Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
    Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
    Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queime-me!

    Não me façam uma uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
    Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
    Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:

    Queime-me! 

    DIFICULDADE DE GOVERNAR

    1

    Os ministros não cansam de dizer ao povo
    Como é difícil governar. Sem os ministros
    O grão de trigo cresceria para baixo, não para cima.

    Nenhum pedaço de carvão sairia das minas
    Se o Chanceler fosse tão sábio. Sem o Ministro da Propaganda
    Nenhuma mulher ficaria grávida. Sem o Ministro da Guerra
    Jamais haveria guerra. Sim, se o sol se levantara de manhã
    Sem a permissão do Führer

    É inteiramente discutível, e se o fizesse
    Seria no lugar errado.

    2

    Igualmente difícil é, eles nos dizem
    Dirigir uma fábrica. Sem o proprietário
    As paredes desmoronariam e as máquinas enferrujariam, dizem.
    Mesmo que em algum lugar se fabricasse um arado

    Ele nunca chegaria a um campo
    Sem as palavras sabidas que o empresário escreve aos camponeses: senão
    Quem poderia informá-los que existem arados? E o que

    Seria de uma fazenda sem o fazendeiro? Certamente
    Semeariam centeio onde já se encontram batatas. 

    3

    Se governar fosse fácil
    Não seriam necessários espíritos iluminados como o Führer.
    Se o trabalhador soubesse como utilizar sua máquina

    E o agricultor soubesse distinguir um campo de uma tábua de fazer macarrão
    Não seriam necessário industriais e fazendeiros.

    Somente porque todos são tão estúpidos
    Precisa-se de alguns tão espertos.

    4

    Ou é possível que
    Governar seja tão difícil
    Apenas porque a fraude e a exploração

    Exigem algum aprendizado? 

    NECESSIDADE DA PROPAGANDA

    1

    É possível que em nosso país nem tudo ande como deveria andar.
    Mas ninguém pode negar que a propaganda é boa.
    Mesmo os famintos devem admitir
    Que o Ministro da Alimentação fala bem.

    2

    Quando o regime liquidou mil homens
    Num único dia, sem investigação nem processo
    O Ministro da Propaganda louvou a paciência infinita do Führer
    Que havia esperado tanto para ter a matança
    E havia acumulado os patifes de bens e distinções

    Fazendo-o num discurso tão magistral, que
    Naquele dia não só os parentes das vítimas
    Mas também ao próprios algozes choraram.

    3

    E quando em um outro dia o maior dirigível do Reich
    Se desfez em chamas, porque o haviam enchido de gás inflamável
    Poupando o gás não-inflamável para fins de guerra
    O Ministro da Aeronáutica prometeu diante dos caixões dos mortos

    Que não se deixaria desencorajar, o que ocasionou
    Uma grande ovação. Dizem que houve aplausos
    Até mesmo dentro dos caixões.

    4

    E como é exemplar a propaganda
    Do lixo e do livro do Führer!
    Todo mundo é levado a recolher o livro do Führer

    Onde quer que esteja jogado.
    Para propagar o hábito de juntar trapos*, o poderoso Göring
    Declarou-se o maior “juntador de crápulas” de todos os tempos
    E para acomodar os crápulas
    * fez construir
    No centro da capital do Reich
    Um palácio ele mesmo do tamanho de uma cidade.

    5

    Um bom propagandista
    Transforma um monte de esterco em local de veraneio.

    Quando não há manteiga, ele demonstra
    Como um talhe esguio faz um homem esbelto.

    Milhares de pessoas que o ouvem discorrer sobre as autoestradas
    Alegram-se como se tivessem carros.

    Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
    Ele planta louros. Mas já bem antes disso
    Falava de paz enquanto os canhões passavam.

    6

    Somente através de propaganda perfeita
    Pôde-se convencer milhões de pessoas
    Que o crescimento do Exército constitui obra de paz

    Que cada novo tanque é uma pomba da paz
    E cada novo regimento uma prova de
    Amor à paz.

    7

    Mesmo assim: bons discursos podem conseguir muito
    Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
    Já se ouve dizerem: pena
    Que a palavra ‘carne’ apenas não satisfaça, e

    Pena que a palavra ‘roupa’ aqueça tão pouco.
    Quando o Ministro do Planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura

    Não pode chover, pois seus ouvintes
    Não têm com que se proteger.

    8

    Ainda algo mais desperta dúvidas
    Quanto à finalidade da propaganda: quanto mais propaganda há em nosso país

    Tanto menos há em outros países.

     *A palavra alemã Lumpen tem os dois sentidos. (N.T.)

    OS MEDOS DO REGIME

    1

    Um estrangeiro, voltando de uma viagem ao Terceiro Reich
    Ao ser perguntado quem realmente governava lá,
    respondeu: O medo.

    2

    Amedrontado
    O erudito pára no meio de uma discussão e observa

    Pálido, as paredes finas do seu gabinete. O professor
    Não consegue dormir, preocupado
    Com uma frase ambígua que o inspetor deixou escapar.

    A velha senhora na mercearia
    Coloca os dedos trêmulos sobre a boca, para conter
    O xingamento sobre a farinha ruim. Amedrontado
    O médico vê as marcas de estrangulamento em seu paciente, e cheios de medo
    Os pais olham os filhos como se olhassem para traidores.

    Mesmo os moribundos
    Amortecem a voz que sai com dificuldade, ao

    Despedirem-se dos seus parentes. 

    3

    Mas, também os camisas-marrons
    Têm medo do homem que não levanta o braço
    E ficam aterrorizados diante daquele
    Que lhes deseja um bom dia.
    As vozes agudas dos que dão ordens
    Têm tanto medo quanto os guinchos
    Dos porcos a esperar a faca do açougueiro, e os mais gordos traseiros
    Transpiram medo nas cadeiras de escritório.
    Impelidos pelo medo
    Eles irrompem nas casas e fazem buscas nos sanitários

    E é o medo que os faz
    Queimar bibliotecas inteiras. Assim
    O temor domina não apenas os dominados, mas também

    Os dominadores.

    4

    Por que
    Temem tanto a palavra clara?

    5

    Em vista do poder imenso do regime
    De seus campos de concentração e câmaras de tortura

    De seus bem nutridos policiais
    Dos juízes intimidados ou corruptos
    De seus arquivos com as listas de suspeitos
    Que ocupam prédios inteiros até o teto
    Seria de acreditar que ele não temeria
    Uma palavra clara de um homem simples. 

    6

    Mas esse Terceiro Reich lembra
    A construção do assírio Tar, aquela fortaleza poderosa

    Que, diz a lenda, não podia ser tomada por nenhum exército, mas que
    Através de uma única palavra clara, pronunciada no interior

    Desfez-se em pó.

    PENSAMENTOS SOBRE A DURAÇÃO DO EXÍLIO

    1

    Não jogue prego nenhum na parede
    Jogue o casaco na cadeira.
    Por que fazer planos para quatro dias?

    Amanhã você volta.

    Deixe a arvorezinha sem água.
    Para que plantar mais uma árvore?

    Antes que ela tenha um palmo de altura
    Você irá embora, contente.

    Desça o boné sobre os olhos, ao cruzar com as pessoas.
    Para que estudar uma gramática estrangeira?
    A notícia que lhe chama para casa
    Está escrita numa língua conhecida.

    Assim como a cal desprende da parede
    (Nada faça quanto a isso!)
    Apodrecerá a cerca da violência
    Que foi erguida na fronteira
    Para manter longe a justiça.

    2

    Olhe para o prego que colocou na parede:
    Quando acha que voltará?
    Quer saber o que pensa no mais íntimo?

    Dia após dia
    Você trabalha para a libertação.
    Sentado no quarto, escreve.
    Quer saber o que acha de seu trabalho?
    Olhe a pequena castanheira no canto do jardim

    Para a qual você levou o jarro d’água

    LOCAL DE REFÚGIO

    Há um remo no telhado. Um vento brando
    Não empurrará a palha.
    No pátio foram enfiados postes
    Para o balanço das crianças.

    O correio chega duas vezes ao dia
    Onde cartas seriam bem-vindas.
    Pelo estreito vêm os ferry-boats
    A casa tem quatro portas, para por elas fugir.

    EXPULSO POR BOM MOTIVO

    Eu cresci como filho
    De gente abastada. Meus pais
    Me colocaram um colarinho, e me educaram

    No hábito de ser servido
    E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
    Já crescido, olhei em torno de mim
    Não me agradaram as pessoas de minha classe,

    Nem dar ordens nem ser servido
    Então deixei minha classe e me juntei
    À gente pequena.

    Assim
    Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe

    Suas artes, e ele
    Denuncia-os ao inimigo.

    Sim, eu conto seus segredos. Fico
    Entre o povo e explico
    Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois

    Estou instruído em seus planos.
    O latim de seus clérigos corruptos
    Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,
    então
    Ele se revela uma farsa. Tomo

    A balança da sua justiça e mostro
    Os pesos falsos. E os seus informantes relatam

    Que me encontro entre os despossuídos, quando
    Tramam a revolta.

    Eles me advertiram e me tomaram
    O que ganhei com meu trabalho. E quando não me corrigi
    Eles foram me caçar, mas

    Em minha casa
    Encontraram somente escrito que expunham

    Suas tramas contra o povo. Então
    Enviaram uma ordem de prisão

    Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
    As idéias da gente baixa.

    Aonde vou sou marcado
    Aos olhos dos possuidores, mas os despossuídos

    Leem a ordem de prisão
    E me oferecem abrigo. Você, dizem
    Foi expulso por bom motivo.

     

    AOS QUE VÃO NASCER

    1

    É verdade, eu vivo em tempos negros.
    Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas

    Indica insensibilidade. Aquele que ri
    Apenas não recebeu ainda
    A terrível notícia.

    Que tempos são esses, eu que
    Falar de árvores é quase um crime
    Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?

    Aquele que atravessa a rua tranqüilo
    Não está mais ao alcance de seus amigos

    Necessitados? 

    Sim, ainda ganho meu sustento
    Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço
    Me dá direito a comer a fartar.
    Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)

    As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!
    Mas como posso comer e beber, se
    Tiro o que como ao que tem fome
    E meu copo d’água falta ao que tem sede?

    E no entanto eu como e bebo.

    Eu bem gostaria de ser sábio.
    Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:

    Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
    Levar sem medo
    E passar sem violência
    Pagar o mal com o bem
    Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
    Isto é sábio.
    Nada disso sei fazer:
    É verdade, eu vivo em tempos negros.

    2

    À cidade cheguei em tempo de desordem
    Quando reinava fome.
    Entre os homens cheguei em tempo de tumulto

    E me revoltei junto com eles.
    Assim passou o tempo
    Que sobre a terra me foi dado.

    A comida comi entre batalhas
    Deitei-me para dormir entre assassinos
    Do amor cuidei displicente
    E impaciente contemplei a natureza.
    Assim passou o tempo
    Que sobre a terra me foi dado.

    As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
    A linguagem denunciou-me ao carrasco.
    Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima

    Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
    Assim passou o tempo
    Que sobre a terra me foi dado.

    As forças eram mínimas. A meta
    Estava bem distante.
    Era bem visível, embora para mim

    Quase inatingível.
    Assim passou o tempo
    Que nesta terra me foi dado.

    3

    Vocês, que emergirão do dilúvio
    Em que afundamos
    Pensem
    Quando falarem de nossas fraquezas

    Também nos tempos negros
    De que escaparam.
    Andávamos então, trocando de países como de sandálias

    Através das lutas de classes, desesperados
    Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.

    Entretanto sabemos:
    Também o ódio à baixeza
    Deforma as feições.
    Também a ira pela injustiça
    Torna a voz rouca. Ah, e nós
    Que queríamos prepara o chão para o amor

    Não pudemos nós mesmos ser amigos.

    Mas vocês, quando chegar o momento
    Do homem ser parceiro do homem
    Pensem em nós
    Com simpatia.

    0 Comentários:

    Postar um comentário

    Assinar Postar comentários [Atom]

    << Página inicial