Beethoven, Ludwig van. Sonatas for pianoforte solo. Ludwig van Beethoven. (Casella). First Volume. Sonate per Pianoforte Op2 N2. Italie: G.Ricordi&Co (London), MCMXX.
Beethoven, Ludwig van. Sonatas for pianoforte solo. Ludwig van Beethoven. (Casella). First Volume. Sonate per Pianoforte Op2 N2. Italie: G.Ricordi&Co (London), MCMXX.
Antes do Mulholland Drive, achava o melhor filme do David Lynch. Depois, fica sempre uma dúvida. O duplo, o fim no começo, duplos, &c.
/riverrun, past Eve and Adam’s, from swerve of shore to bend
Ambientada no cenário sombrio das caças às bruxas em uma pacata vila inglesa do século XVII, Somna acompanha a jornada de uma mulher que encontra na sensualidade uma fuga libertadora das rígidas amarras de um mundo puritano.
Das mentes brilhantes de Becky Cloonan e Tula Lotay surge uma mistura hipnotizante de história, erotismo e sobrenatural. Somna é uma obra-prima evocativa, inspirada em clássicos cinematográficos do folk horror como The Wicker Man (1973), The Blood on Satan's Claw (1971), Witchfinder General (1968), Night of the Demon (1957), Crowhaven Farm(1970), The Dark Secret of Harvest Home (1978), Children of the Corn (1984), The Blair Witch Project (1999), Wisconsin Death Trip (1999), Satan's Slave (1980), Mystics in Bali (1981), A Bruxa, Midsommar, sem falar em tantos que passavam na Seção Dupla do Comodoro, do Carlos Reichenbach (The Wicker Man mesmo, com o grande Christopher Lee, que passou logo antes de Eraserhead, que assisti ontem mesmo, no mesmo cinema, com o retrato do Carlão na porta). Prepare-se para ser transportado a um universo onde paixão e forças espirituais se entrelaçam, despertando seus sentidos e deixando você ansioso por mais.
Vencedora do Prêmio Eisner 2024 de Melhor Nova Série, esta edição edição tem acabamento de luxo, com formato grande, capa dura com verniz localizado, 168 páginas em cores, impressas em papel couchê de alta gramatura. Impróprio para menores de 18 anos.
Becky Cloonan nasceu em Pisa, Itália, em 1980. Reconhecida como uma das principais quadrinistas de sua geração, ganhou destaque ao colaborar com Brian Wood na série Demo, indicada a dois Prêmios Eisner em 2005. Foi a primeira mulher a desenhar o título principal do Batman em 2012, consolidando sua posição na indústria. Entre seus trabalhos mais notáveis estão Gotham Academy, para a DC Comics, e The True Lives of the Fabulous Killjoys, criado ao lado de Gerard Way. Cloonan também se destaca como artista de capas, com contribuições para editoras como Marvel, Image e DC Comics. Em 2024, conquistou o Eisner de Melhor Nova Série por Somna, em parceria com Tula Lotay.
Tula Lotay (Lisa Wood) nasceu em Yorkshire, Inglaterra, em 1975. Especializada em quadrinhos e ilustração editorial, é conhecida por seus trabalhos como artista principal em Bodies, All-Star Batman, Supreme Blue Rose e Scarlet Witch. Além disso, é uma prolífica artista de capas, colaborando regularmente com editoras como Marvel, DC, Image e Boom! Studios. Suas contribuições incluem capas para séries como Catwoman, The Walking Dead, Faithless e Bloodshot Reborn. Em 2023, conquistou o prêmio Eisner de Melhor Quadrinho Digital por Barnstormers, criado em parceria com Scott Snyder. No ano seguinte, recebeu outro Eisner, desta vez na categoria de Melhor Nova Série, pelo trabalho em Somna, realizado ao lado de Becky Cloonan.
LYNCH, David (1946-2025). Eraserhead / David Lynch / roteiro David Lynch; com Jack Nance; Jeanne Bates; Jack Fisk. – EUA, 1977.
lembro uma vez, virada de século, que alunos (de cinema) iam fazer uma mostra de Lynch na faculdade. De última hora, como não conseguiram Eraserhead, pediram a minha fita cassete para exibir (não existia ainda em DVD). Ou a Seção Dupla do Comodoro, onde ele passou (depois do The Wicker Man – 1973), entre tantas exibições interessantes desse importante filme da meia-noite.
Kenneth Anger (1) + Dennis Hopper (3) + Jodorowsky (2) + Hollywood 80’s + Hitchcock + Lynch = Blue Velvet
LYNCH, David (1946-2025). Mulholland Drive / Cidade dos Sonhos / David Lynch / roteiro David Lynch; com Naomi Watts; Laura Harring; Justin Theroux; Angelo Badalamenti; Michael J. Anderson; Monty Montgomery; Jeanne Bates; trilha Angelo Badalamenti. – França-EUA, 2001.
talvez o melhor filme de Lynch.
“Prefácio à edição brasileira
Nasrudin passava todos os dias por uma fronteira com seu burro carregado de caixas, objetos e muitos outros pertences dos mais variados tipos. Como neste lugar era bastante freqüente a prática do contrabando, os guardas da fronteira tornaram-se especialistas em descobrir esconderijos e flagrar os contraventores. Certos de que com Nasruddin não seria diferente, a cada dia examinavam exaustivamente a bagagem de seu burro; reviravam sua carga, desmontavam peça por peça, mas nunca acharam nada que pudesse ser classificado como contrabando. Depois de muito tempo de pesquisa ineficiente e infrutífera, resolveram perguntar a Nasruddin qual era, na verdade, a natureza de seu contrabando, já que afinal sabiam que ele o fazia como todos os outros. Então, Nasruddin respondeu que contrabandeava burros.”
(poderia estar em Geschichten vom Herrn Keuner)
KHUSRU, Amir (1253-1325 d.C.). O jardim e a primavera: a história dos quatro dervixes / The Tale of the Four Dervishes / قصۀ چهار درویش / Qissa-ye Chahār Darvēsh / The Story of Four Dervishes / Bāgh-o Bahār / باغ و بہار, / Garden and Spring / Amir Khusru (Abu'l Hasan Yamīn ud-Dīn Khusrau, Amīr Khusrau, Amir Khusrow ou Amir Khusro); compilação Amina Shah, 1978; tradução Mônica Cavalcanti e Sérgio Rizek; traduzido do persa para o urdu; apresentação Doris Lessing; prefácio da presente edição Regina Machado; ilustração da capa Rubens Matuck. – São Paulo: Attar, 1993.
LYNCH, David (1946-2025). The Elephant Man / O Homem Elefante / David Lynch. – EUA-UK, 1980.
infelizmente 4K, não película...
LYNCH, David (1946-2025). Wild at Heart / Coração Selvagem / David Lynch / roteiro David Lynch; com Nicolas Cage; Laura Dern; Willem Dafoe; Isabella Rossellini; Diane Ladd; Harry Dean Stanton; Sheryl Lee; Sherilyn Fenn; Jack Nance; Grace Zabriskie; John Lurie; Koko Taylor; Scott Coffey; Bellina Logan; trilha Angelo Badalamenti. EUA, 1990.
infelizmente 4K, não película...
Beethoven, Ludwig van. Sonata Op57 “Appassionata”. Ludwig van Beethoven. (Casella). —Buenos Aires: Ricordi Americana Buenos Aires, s.d.
Beethoven, Ludwig van. Sonate pour piano no23 en fa mineur, Op57 “Appassionata”. Ludwig van Beethoven. Eric Heldsieck piano. — France: EMI, 1968.
HAMMETT, Dashiell (1894-1961) & RAYMOND, Alex (1909-1956). Agente Secreto X-9 / Secret Anger X-9 / As Histórias Clássicas de Dashiell Hammett & Alex Raymond; 1934-35; prefácio Leandro Luigi Del Manto; texto 4a capa Raymond Chandler e George Lucas; tradutor Marquito Maia. — São Paulo: Devir, 2010.
Beethoven, Ludwig van. Sonata Op27 - No2 (Claire de Lune). Ludwig van Beethoven. Revista e analisada com introdução pelo Prof. N.Assis Ribeiro [diretor do Departamento Cultural Mackenzie, docente do Curso Superior de Música do Conservatório Dramático e Musical de S.Paulo, Lente do Ginasio Mackenzie]. Pareceres de: Souza Lima, Francisco Mignone, João Itiberê da Cunha, Mario de Andrade, José Wancolle e Armando j.da Silveira. — São Paulo: Casa Wagner Editora, 1939.
KHUSRU, Amir (1253-1325 d.C.). O jardim e a primavera: a história dos quatro dervixes / The Tale of the Four Dervishes / قصۀ چهار درویش / Qissa-ye Chahār Darvēsh / The Story of Four Dervishes / Bāgh-o Bahār / باغ و بہار, / Garden and Spring / Amir Khusru (Abu'l Hasan Yamīn ud-Dīn Khusrau, Amīr Khusrau, Amir Khusrow ou Amir Khusro); compilação Amina Shah, 1978; tradução Mônica Cavalcanti e Sérgio Rizek; traduzido do persa para o urdu; apresentação Doris Lessing; prefácio da presente edição Regina Machado; ilustração da capa Rubens Matuck. – São Paulo: Attar, 1993.
SOLANO LÓPEZ, Francisco (1928-2011); SAMPAYO, Carlos (1943-). Evaristo “El vengador” / Francisco Solano López; Carlos Sampayo; FIERRO a fierro; año 1 No 11. — Buenos Aires: Ediciones de la Urraca, 1985.
ANDRADE, Mario Drummond de. 1902-1987. Poesia Completa. / Carlos Drummond de Andrade. (conforme as disposições do autor) Fixação de textos e notas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Silviano Santiago. Biblioteca Luso-brasileira / Série Brasileira. / Boitempo, 1968 • 1973 • 1979 / Repertório Urbano. — 1a tiragem da primeira edição, 2002 — Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 2003.
As Contradições do Corpo
Meu corpo não é meu corpo,
é ilusão de outro ser.
Sabe a arte de esconder-me
e é de tal modo sagaz
que a mim de mim ele oculta.
Meu corpo, não meu agente,
meu envelope selado,
meu revólver de assustar,
tornou-se meu carcereiro,
me sabe mais que me sei.
Meu corpo apaga a lembrança
que eu tinha de minha mente.
Inocula-me seu patos,
me ataca, fere e condena
por crimes não cometidos.
O seu ardil mais diabólico
está em fazer-se doente.
Joga-me o peso dos males
que ele tece a cada instante
e me passa em revulsão.
Meu corpo inventou a dor
a fim de torná-la interna,
integrante do meu Id,
ofuscadora da luz
que aí tentava espalhar-se.
Outras vezes se diverte
sem que eu saiba ou que deseje,
e nesse prazer maligno,
que suas células impregna,
do meu mutismo escarnece.
Meu corpo ordena que eu saia
em busca do que não quero,
e me nega, ao se afirmar
como senhor do meu Eu
convertido em cão servil.
Meu prazer mais refinado,
não sou eu quem vai senti-lo.
É ele por mim, rapace,
e dá mastigados restos
à minha fome absoluta.
Se tento dele afastar-me,
por abstração ignorá-lo,
volta a mim, com todo o peso
de sua carne poluída,
seu tédio, seu desconforto.
Quero romper com meu corpo,
quero enfrentá-lo, acusá-lo,
por abolir minha essência,
mas ele sequer me escuta
e vai pelo rumo oposto.
Já premido por seu pulso
de inquebrantável rigor,
não sou mais quem dantes era:
com volúpia dirigida,
saio a bailar com meu corpo.
[...]
O Amor e Seus Contratos
Voltas a um mote de Joaquim-Francisco Coelho
Nos contratos que tu lavras
não vi, Amor, valimento.
Só palavras e palavras
feitas de sonho e de vento
Tanto nas juras mais vivas
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas,
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
da enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.
Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a perdurar
até o mundo acabar
e mesmo depois — diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.
Experiências de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, Londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.
As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provém de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez teu retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recompomho.
São todas — digo tristonho —
feitas de sonho e de vento.
Dezembro
Oiti: a cigarra Zine:
convite a praia. Tine
o sol no quadril, e o míni
véu, dissolve, do biquíni.
[...]
Maternidade
Seu desejo não era desejo
corporal.
Era desejo de ter filho,
de sentir, de saber que tinha filho,
um só filho que fosse, mas um filho.
Procurou, procurou pai para seu filho.
Ninguém se interessava por ser pai.
O filho desejado, concebido
longo tempo na mente, e era tão lindo,
nasceu do acaso, o pai era o acaso.
O acaso nem é pai, isso que importa?
O filho, obra materna,
é sua criação, de mais ninguém.
Mas lhe falta um detalhe,
o detalhe do pai.
Então ela é mãe e pai de seu garoto,
a quem, por acaso,
falta um lobo de orelha, a orelha esquerda.
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
[...]
Verdade
A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
[...]
O Pleno e o Vazio
Oh se me lembro e quanto.
E se não me lembrasse?
Outra seria minh'alma,
bem diversa minha face.
Oh como esqueço e quanto.
E se não me esquecesse?
Seria homem-espanto,
ambulando sem cabeça.
Oh como esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correntezas iguais
e simultâneos enlaces.
Mas como posso, no fim,
recompor meus disfarces?
Que caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?
[...]
Canção de Itabira
A Zoraida Diniz
Mesmo a essa altura do tempo,
um tempo que já se estira,
continua em mim ressoando
uma canção de Itabira.
Ouvi-a na voz materna
que de noite me embalava
ecoando ainda no sono,
sem que faltasse uma oitava.
No bambuzal bem no extremo
da casa de minha infância,
parecia que o som vinha
da mais distante distância.
No sino maior da igreja,
A dez passos do sobrado,
A infiltrada melodia
Emoldurava o passado.
Por entre as lajes de Penha,
os lábios das lavadeiras
o mesmo verso entoavam
ao longo da tarde inteira.
Pelos caminhos em torno
da cidade, a qualquer hora,
ciciava cada coqueiro,
essa música de outrora.
Subindo ao alto da serra
(serra que hoje é lembrança)
na ventania chegava-me
essa canção de bonança.
Canção que este nome encerra
e em volta do nome gira.
Mesmo o silêncio a repete,
doce canção de Itabira.
Mudança
O que muda na mudança,
se tudo em volta é uma dança
no trajeto da esperança,
junto ao que nunca se alcança?
O ano passado
O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.
As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.
Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.
E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.
[...]
Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.
Canções de Alinhavo
(...)
II
Stéphane Mallarmé esgotou a taça do incognoscível.
Nada sobrou para nós senão o cotidiano
que avilta, deprime. (...)
(...)
[...]
Balanço
A pobreza do eu
a opulência do mundo.
A opulência do eu
A pobreza do mundo.
A pobreza de tudo
a opulência de tudo.
A incerteza de tudo
na certeza de nada.

Beethoven, Ludwig van. Sonata Op13 (Patética). Ludwig van Beethoven. Revista e analisada com introdução pelo Prof. N.Assis Ribeiro [diretor do Departamento Cultural Mackenzie, docente do Curso Superior de Música do Conservatório Dramático e Musical de S.Paulo, Lente do Ginasio Mackenzie]. Pareceres de: Souza Lima, Francisco Mignone, João Itiberê da Cunha, Mario de Andrade, José Wancolle e Armando j.da Silveira. São Paulo: Casa Wagner Editora, 1939.
Beethoven, Ludwig van. Sonate pour piano no8 en ut mineur, Op13 “Pathétique”. Ludwig van Beethoven. Eric Heldsieck piano. France: EMI, 1969.

ANDRADE, Mario Drummond de. 1902-1987. Poesia Completa. / Carlos Drummond de Andrade. (conforme as disposições do autor) Fixação de textos e notas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Silviano Santiago. Biblioteca Luso-brasileira / Série Brasileira. / Boitempo, 1968 • 1973 • 1979 / Repertório Urbano. — 1a tiragem da primeira edição, 2002 — Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 2003.
Canção de Itabira
A Zoraida Diniz
Mesmo a essa altura do tempo,
um tempo que já se estira,
continua em mim ressoando
uma canção de Itabira.
Ouvi-a na voz materna
que de noite me embalava
ecoando ainda no sono,
sem que faltasse uma oitava.
No bambuzal bem no extremo
da casa de minha infância,
parecia que o som vinha
da mais distante distância.
No sino maior da igreja,
A dez passos do sobrado,
A infiltrada melodia
Emoldurava o passado.
Por entre as lajes de Penha,
os lábios das lavadeiras
o mesmo verso entoavam
ao longo da tarde inteira.
Pelos caminhos em torno
da cidade, a qualquer hora,
ciciava cada coqueiro,
essa música de outrora.
Subindo ao alto da serra
(serra que hoje é lembrança)
na ventania chegava-me
essa canção de bonança.
Canção que este nome encerra
e em volta do nome gira.
Mesmo o silêncio a repete,
doce canção de Itabira.
Mudança
O que muda na mudança,
se tudo em volta é uma dança
no trajeto da esperança,
junto ao que nunca se alcança?
O ano passado
O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.
As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.
Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.
E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.
[...]

ANDRADE, Mario Drummond de. 1902-1987. Poesia Completa. / Carlos Drummond de Andrade. (conforme as disposições do autor) Fixação de textos e notas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Silviano Santiago. Biblioteca Luso-brasileira / Série Brasileira. / Boitempo, 1968 • 1973 • 1979 / Repertório Urbano. — 1a tiragem da primeira edição, 2002 — Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 2003.
As Contradições do Corpo
Meu corpo não é meu corpo,
é ilusão de outro ser.
Sabe a arte de esconder-me
e é de tal modo sagaz
que a mim de mim ele oculta.
Meu corpo, não meu agente,
meu envelope selado,
meu revólver de assustar,
tornou-se meu carcereiro,
me sabe mais que me sei.
Meu corpo apaga a lembrança
que eu tinha de minha mente.
Inocula-me seu patos,
me ataca, fere e condena
por crimes não cometidos.
O seu ardil mais diabólico
está em fazer-se doente.
Joga-me o peso dos males
que ele tece a cada instante
e me passa em revulsão.
Meu corpo inventou a dor
a fim de torná-la interna,
integrante do meu Id,
ofuscadora da luz
que aí tentava espalhar-se.
Outras vezes se diverte
sem que eu saiba ou que deseje,
e nesse prazer maligno,
que suas células impregna,
do meu mutismo escarnece.
Meu corpo ordena que eu saia
em busca do que não quero,
e me nega, ao se afirmar
como senhor do meu Eu
convertido em cão servil.
Meu prazer mais refinado,
não sou eu quem vai senti-lo.
É ele por mim, rapace,
e dá mastigados restos
à minha fome absoluta.
Se tento dele afastar-me,
por abstração ignorá-lo,
volta a mim, com todo o peso
de sua carne poluída,
seu tédio, seu desconforto.
Quero romper com meu corpo,
quero enfrentá-lo, acusá-lo,
por abolir minha essência,
mas ele sequer me escuta
e vai pelo rumo oposto.
Já premido por seu pulso
de inquebrantável rigor,
não sou mais quem dantes era:
com volúpia dirigida,
saio a bailar com meu corpo.
[...]
O Amor e Seus Contratos
Voltas a um mote de Joaquim-Francisco Coelho
Nos contratos que tu lavras
não vi, Amor, valimento.
Só palavras e palavras
feitas de sonho e de vento
Tanto nas juras mais vivas
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas,
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
da enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.
Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a perdurar
até o mundo acabar
e mesmo depois — diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.
Experiências de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, Londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.
As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provém de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez teu retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recompomho.
São todas — digo tristonho —
feitas de sonho e de vento.
Dezembro
Oiti: a cigarra Zine:
convite a praia. Tine
o sol no quadril, e o míni
véu, dissolve, do biquíni.
[...]
Maternidade
Seu desejo não era desejo
corporal.
Era desejo de ter filho,
de sentir, de saber que tinha filho,
um só filho que fosse, mas um filho.
Procurou, procurou pai para seu filho.
Ninguém se interessava por ser pai.
O filho desejado, concebido
longo tempo na mente, e era tão lindo,
nasceu do acaso, o pai era o acaso.
O acaso nem é pai, isso que importa?
O filho, obra materna,
é sua criação, de mais ninguém.
Mas lhe falta um detalhe,
o detalhe do pai.
Então ela é mãe e pai de seu garoto,
a quem, por acaso,
falta um lobo de orelha, a orelha esquerda.
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
[...]
Verdade
A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
[...]
O Pleno e o Vazio
Oh se me lembro e quanto.
E se não me lembrasse?
Outra seria minh'alma,
bem diversa minha face.
Oh como esqueço e quanto.
E se não me esquecesse?
Seria homem-espanto,
ambulando sem cabeça.
Oh como esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correntezas iguais
e simultâneos enlaces.
Mas como posso, no fim,
recompor meus disfarces?
Que caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?