• tacet: Entrevista com Gilberto Mendes

    14.8.07

    Entrevista com Gilberto Mendes


    40° Festival Música Nova – Gilberto Mendes


    Entrevista que fiz com o compositor santista Gilberto Mendes (1922) – fundador e diretor artístico do Festival Música Nova na época do 40º Festival.

    Paulo Vidal de Castro

    Já ouvi o senhor falar que tentou acabar com o Festival várias vezes, mas sempre te impedem e falam para continuar. Sempre cobraram muito do senhor, e o senhor sempre diz ser um compositor e não um empresário. Mas agora com o Lorenzo Mammì cuidando da parte administrativa, e o Luiz Gustavo Petri, o senhor fica só na direção artística. Ainda pensa em desistir?
    Agora é como eu sempre desejei que tivesse sido, e aconteceu porque há dois, três anos, eu encerrei um deles, e até fico pensando que eu poderia ter encerrado há mais tempo porque assim apareceriam as pessoas interessadas (risos), como aconteceu agora. Eu me acostumei com a idéia de ter acabado o Festival, e não pretendia, realmente, fazer mais. Mas como é um espaço para músicos, há uma pressão grande para que continue. E o Lorenzo Mammì lá do Centro Maria Antônia, que é da USP (e eu também sou professor aposentado da USP, somos colegas), ele propôs fazer lá. Eu disse: –Tudo bem, mas vocês fazem. Eu não quero mais mexer nessas coisas, correr atrás de verba, nada disso. E eles se encarregariam disso, eu ficaria simplesmente como diretor de honra, diretor artístico. Opinar, dizer sim, não, está bem, está legal, dar o molde da coisa, mas sem precisar entrar em contato com o dinheiro. Mas em Santos acharam ruim, porque o pessoal de Santos e outras Sociedades aqui, Aplauso (que é uma associação da Orquestra Sinfônica Municipal, maestro Luiz Gustavo Petri), também quiseram fazer em Santos. Eu falei a mesma coisa, que tudo bem que eles fizessem, eu ficaria muito contente. Agora eles estão no terceiro ano.

    No debate que ocorreu no auditório da Folha, o senhor estava comentando a falta de divulgação da música de nosso tempo e da música de alto repertório em geral. Falam que o povo não quer saber dessas coisas, e o senhor disse que a situação atual é, na verdade, responsabilidade das pessoas que cuidam disso, dos responsáveis que são ignorantes...
    Não há a menor dúvida. Ninguém dá dinheiro para o Festival. Mas embora eu consiga geralmente verbas pequenas para ele, ele é super bem sucedido. A função dele não é ser um Festival como Campos do Jordão, esse tipo de coisa, é um Festival de compositores que se reuniram para mostrar a sua própria música e, posteriormente, conforme foi continuando, daqueles que aderiram à nossa linha de programa. Depois começam os contatos, primeiro latino-americano, depois mundial, internacional, virou um movimento realmente grande. Eu não queria ir atrás de bastante dinheiro. Eu não sou nem empresário e nem produtor. Na verdade eu preferiria um Festival de porte pequeno, mas que não desse trabalho. Se tivesse muito dinheiro na minha mão eu teria que alugar umas duas salas, ter secretárias e ficar trabalhando o tempo todo com a organização do Festival, mas não é o meu campo esse aí (risos), eu sou compositor.

    E até perderia a liberdade do Festival...
    E o caráter também não é esse.

    O Festival sempre traz coisas interessantes, como nesta edição que tem o Dieter Schnebel e o Ensemble Orchestral Contemporain...
    O Festival este ano é muito pequeno porque entrou muito pouco dinheiro. No ano passado, por exemplo, foi maior. Então muita coisa a gente cortou. É muito pequeno, com sete eventos no total. Mas está muito bom, não é?

    Sim, está pequeno, mas está muito bom...
    O Dieter Schnebel, que é uma das figuras maiores deste movimento da Neue Musik – Música Nova – aqui presente. Figura histórica, uma das maiores figuras da Música Nova, um dos maiores compositores da Alemanha, e a Alemanha foi a comandante deste movimento. Tem também o Ensemble Orchestral Contemporain que vai ser muito bom. Tem uma obra até do Pierre Boulez no meio...

    Edgard Varèse...
    Varèse também, e um compositor da nova geração que é muito interessante. Uma pianista inglesa muito curiosa também que vai tocar um programa com composições da Renascença, Bach, Ligeti...

    E música pop também...
    Pop, músicas dela mesma, muito interessante. E também uma flautista holandesa muito boa vai tocar com a Orquestra Sinfônica de Santos um concerto para flauta e orquestra que é do próprio marido dela, que é compositor também, ele é norte-americano, mas é radicado na Holanda. Além das presenças estrangeiras boas, grupos brasileiros também. Desta vez não deu para formar grupos de câmara – trios, quintetos, etc. Não é possível fazer milagres. A Orquestra de Câmara do departamento de música da Usp e a Banda Sinfônica têm muita música brasileira. O Festival sempre apresenta música brasileira...

    E agora não tem mais a Sinfonia Cultura.
    É, tivemos esta perda lamentável que se deve a esses fatos de que falava aqui. As pessoas que às vezes ocupam certos cargos de direção de TV e de rádio, elas levam para ali a sua ignorância. Acham: (fazendo outra voz) “Não! O povo não quer ouvir isso.” Mas não consultaram ninguém. É isso. Na verdade, eles é que não gostam. Porque o cara que gosta da alta cultura e que está em um cargo de direção artística, um cara que ama a alta cultura, aí ele vai repugnar essas coisas. Como agora a TV Cultura abaixou o nível da programação, não é?

    Muito, e a Rádio também.
    É, a Rádio e a TV. Para quê? Para atingir o grande público. E é inclusive burrice, porque não atinge. Quem ouve a Cultura não vai ver a televisão e ouvir, por causa dessa mudança, e vai perder o público que tinha. Quem gosta da alta cultura, não tem mais rádio, não liga mais para lá. Não existe com essa finalidade. A direção, eles é que não gostam. O que precisa, o fundamental de todo projeto cultural, mesmo educacional, o fundamento dessa mecânica é dar chance de escolha. Porque ficar com esse preconceito – porque isso é um preconceito, preconceito de ignorante: “Não! Esses caras não querem.” O cara que está dizendo isso. Eles não gostam e não toleram esse tipo de coisa. E não é nada disso, tem que mostrar tudo, para a pessoa optar. Eu, que peguei os anos antigos, tenho bastante idade e ouvi rádio nos anos 30 e tal, tinha uma opção incrível naquela época. Só na área popular, você ouvia grupos da Hungria, grupos da Tchecoslováquia, grupos dos Estados Unidos, música francesa, ouvia de tudo. Rádio é popular, ainda mais naquele tempo. Então eu fui formado pela melhor música, a mais variada possível. A geração de hoje não tem opção, você liga o rádio e é tudo rock. Só tem a música ruim e não a boa. Então não há mais a chance da opção. Opção é fundamental. Colocar tudo e é o público que deve decidir. Eles só mostram uma coisa. E a TV Cultura agora faz coisas como o programa da Silvia Poppovic (risos). Eles têm que perceber que deviam deixar essa vulgaridade para as outras...

    Que fazem melhor isso...
    Que fazem melhor, não é? E ninguém vai deixar de ver a outra para ver essa aí. Vai perder o público que já tinha para alguma concorrente.

    O senhor já disse que compõe para poder escutar os grandes mestres. O Festival Música Nova acabou chegando em um ponto que estréia no Brasil muitas obras, tanto de compositores brasileiros quanto estrangeiros. O senhor não acha que com o Festival o senhor também acabou conseguindo pagar um tributo, tanto aos mestres quanto aos contemporâneos?
    Essa frase que eu disse uma vez, na verdade eu escrevi. É que volta e meia perguntam para a gente: “Por que você compõe?” E a gente tem umas respostas meio padronizadas, nós, os compositores. Mas no fim eu pensei bem, e o porquê de eu compor é estar como que a merecer ouvir a grande música de Bach, Beethoven, Renascença, Idade Média, grandes contemporâneos... Merecer. Acho que tem que merecer ouvir essa gente. Não precisa se tornar um grande compositor. Grandes compositores são poucos no mundo, na história da humanidade. Eu quero apenas ser um compositor, aí eu me sinto como que no direito a poder ouvir. Uma vez eu li aquele escritor, um escritor russo, que escreveu o Doutor Jivago, Pasternak. Uma vez ele declarou que quando ele foi criança, ouviu Scriabin ou alguma coisa assim, e ele quis ser músico. Engraçado... E tentou, estudou, tal e tal, mas parece que não foi adiante, não tinha talento. E aí ele desistiu, se interessou pela literatura, e disse que nunca mais quis ouvir música... Engraçado. E ele gostava muito a ponto de querer ser compositor, ele queria ser músico. Pelo menos não sei se a vida toda, mas em um dado momento ele se desinteressou. Eu pensei bem – eu passei por uma fase um pouco assim, quando eu estudava música, ainda não era ninguém na música, na década de 40, eu às vezes pensava um pouco assim. Mas felizmente hoje eu posso ouvir música com muito prazer. Ruim ou não, eu me tornei um compositor.

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