22.3.23

O Abismo


Pascal em si tinha um abismo se movendo.

— Ai!, tudo é abismo! — sonho, ação, desejo intenso,

Palavra! E sobre mim, num calafrio, eu penso

Sentir do Medo o vento às vezes se estendendo.

 

Em volta, do alto, embaixo, a profundeza, o denso

Silêncio, a tumba, o espaço cativante e horrendo...

Em minhas noites, Deus, o sábio dedo erguendo,

Desenha um pesadelo multiforme e imenso.

 

Tenho medo do sono, o túnel que me esconde,

Cheio de vago horror, levando não sei aonde;

Do infinito, à janela, eu gozo os cruéis prazeres,

 

E meu espírito, ébrio afeito ao desvario,

Ao nada inveja a insensibilidade e o frio.

— Ah, não sair jamais dos Números e Seres!

 

BAUDELAIRE, Charles. 1821-1867. O abismo (em) Poesia e prosa: volume único / Charles Baudelaire. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.
 
Na leitura de:
MUTARELLI, Lourenço. Capa Preta / Lourenço Mutarelli. Revisão: Alexandre Barbosa de Souza & Thiago Ferreira. -- São Paulo: Comix Zone!, 2019.

 
foto:
CARJAT, E. Baudelaire. ca 1866.

 

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