15.7.25

Bertolt Brecht/Poemas 1913-1956/Paulo César de Souza/continua

BRECHT, Bertolt. 1898-1956. Poemas 1913-1956 / Bertolt Brecht (Eugen Bertholt Friedrich Brecht); seleção, tradução e comentário de Paulo César de Souza; texto de 2a e 3a capa Willi Bolle.  São Paulo: Editora 34, 2012.
1938-1941

AO PEQUENO APARELHO DE RÁDIO

Você, pequena caixa que trouxe comigo
Cuidando que suas válvulas não quebrassem
Ao correr do barco ao trem, do trem ao abrigo
Para ouvir o que meus inimigos falassem

Junto a meu leito, para minha dor atroz
No fim da noite, de manhã bem cedo
Lembrando as suas vitórias e o medo:
Prometera jamais perder a voz! 

1941-1947

O TUFÃO

Fugindo do pintor, rumo aos Estados Unidos
Notamos de repente que nosso pequeno navio não se movia.
Toda uma noite e um dia inteiro

Permaneceu na altura de Luzon, no Mar da China.
Alguns diziam ser devido a um tufão que rugia no norte
Outros temiam barcos piratas alemães.
Todos
Preferiam o tufão aos alemães.

APÓS A MORTE DE MINHA COLABORADORA M.S.

1
No nono ano da fuga de Hitler

Exausta das viagens
Do frio e da fome na Finlândia invernal
E da espera por um passaporte para outro continente

Morreu nossa camarada Steffin
Na vermelha cidade de Moscou.

2

Meu general caiu
Meu soldado caiu

Meu aluno partiu
Meu mestre partiu

Meu protetor se foi
Meu protegido se foi.

3

A situação estando pior, a morte não muito inflexível
Mostrando-me indiferente os cinco lóbulos destruídos do pulmão
Incapaz de lhe imaginar uma vida somente com o sexto

Juntei rapidamente 500 afazeres
Coisas a serem resolvidas imediatamente e amanhã, no ano que vem
E em sete anos a partir de agora

Fiz incontáveis perguntas, decisivas
Somente por ela respondíveis
E assim solicitada
Mais fácil lhe foi morrer.

4

Pensando em minha pequenina mestra
Nos seus olhos, no irado fogo azul
E na sua velha túnica com o grande capuz
E a larga bainha, batizei
Órion, no céu, de constelação Steffin.
Ao levantar a vista e observá-la, balançando a cabeça

Ouço por vezes uma leve tosse.

5

Os Destroços

Aí está a caixa de madeira com as notas para a construção das peças
Aí estão as facas bávaras, e a escrivaninha
Aí está o quadro negro, aí estão as máscaras
Aí está o pequeno emissor e a maleta de soldado

Aí está a resposta, mas ninguém que pergunta
Bem alta sobre o jardim
A constelação Steffin.

6

Após a morte de minha colaboradora M.S.

Desde que você morreu, pequena professora
Ando a esmo, sem descanso e sem visão
Pasmo, num mundo cinza
Sem ocupação, como alguém dispensado.

Proibida
É minha entrada na oficina, como

A todos os estrangeiros.

As ruas e os passeios
Agora vejo em horas diferentes, e assim
Mal os reconheço.

Para casa
Não posso ir: envergonho-me

De estar dispensado e
Em desgraça.

SOBRE O SUICÍDIO DO REFUGIADO W.B

Soube que você levantou a mão contra si mesmo
Antecipando assim o algoz.
Oito anos banido, vendo a ascensão do inimigo
Por fim acuado numa fronteira intransponível
Você transpôs a que pareceu transponível.

Reinos desmoronam. Chefes de bandos
Andam como estadistas. Já não enxergamos
Os povos sob os armamentos.

O futuro está em trevas, e as forças boas
São fracas. Tudo isso você viu
Ao destruir o corpo sofrido. 

(N.V.P: Walter Benjamin e seu suicídio fugindo, já na Catalunya) 

CRUZADA DE CRIANÇAS

Na Polônia, no ano de trinta e Nove
Houve uma luta cruel
Que transformou cidades em cinzas

Em cor de chumbo o azul do céu.

A mulher perdeu o marido
A irmã despediu-se do irmão

Os pais deram falta dos filhos
Em meio ao fogo e à destruição.

Da Polônia nada mais veio
Nem carta nem relatório.
Mas nos países vizinhos
Corre uma estranha estória.

A neve caía quando contaram
Numa cidade do leste europeu
Sobre uma cruzada de crianças
Que na Polônia aconteceu.

Por lá vagavam meninos
Famintos pelas calçadas
E a eles juntavam-se outros

Vindos de aldeias arrasadas.

Queriam escapar à chacina
A todo aquele pesadelo
E alcançar um dia um lugar
Onde a vida não fosse um flagelo.

E logo um pequeno líder
Entre eles aparecia.
Para ele o grande problema

Era o caminho, que não sabia.

Uma garota levava um bebê
De dois ou três anos, não mais
Tinha o carinho de uma mãe
Faltava uma terra onde houvesse paz.

Um pequeno judeu num bonito
Casaco com gola de veludo
Habituado a comer pão do mais branco

Marchava junto, aguentando tudo.

E um magro, de cabelos louros
Ficava pra trás, não dava na vista
Carregava uma culpa bem grande:
Vinha de uma embaixada nazista.

Havia também um cachorro
Levado para servir de jantar
Que passou a ser mais uma boca:

Não tinha coragem de matar.

E uma escola chegaram a criar
A professora sendo a mais crescida

No flanco de um tanque arruinado
Um aluno escreveu a palavra vida.

Houve também um romance
Ela com doze, ele quinze.
Num sítio abandonado
Eles se amam não fingem.

Mas o amor não podia ser.
Inverno não é tempo de amora.
Como podem os brotos florescer
Com a neve caindo lá fora?

Houve também, um enterro
De um garoto bem-trajado.
Por alemães e poloneses
Seu caixão foi carregado.

Protestantes, nazistas, católicos
Juntos o entregaram à terra
E um pequeno comunista falou

Rezando pelo fim da guerra.

Ele tinham fé e esperança
Só não tinham o que pôr na barriga

E ninguém censure, se roubaram
De quem não lhes dava abrigo.

E ninguém censure o pobre homem
Que não os convidou para a mesa.
Para alimentar cinquenta é preciso
Mais que coração, riqueza.

Eles buscavam rumar para o sul
Onde o sol brilha duradouro
E fica no meio do céu
Como uma bola de ouro.

Acharam um dia um soldado
Ferido no bosque, sozinho.
Dele cuidaram uma semana
Dele aprenderam o caminho.

Vão para Bilgoray, disse ele.
A febre o fazia delirar

Deixou-os no oitavo dia
Também ele foi preciso enterrar.

E viram placas nas estradas
Embora de neve cobertas
Mas estavam todas trocadas
As direções não eram certas.

Não era por simples brincadeira
Que os homens do exército as trocavam.
Mas os meninos nada sabiam
E Bilgoray não encontravam.

Pararam em volta do líder
Que sondava o horizonte
E apontando com o dedo falou:

Deve ser além do monte.

Uma noite viram fogos
Luzindo ao pé de um rochedo
E viram tanques passando:
Afastaram-se com medo.

Ao deparar com uma cidade
Fizeram uma grande curva.
Até que ficasse para trás

Andaram somente na noite turva.

Onde fora o sul da Polônia
Sob uma tempestade forte
Foram vistos pela última vez
Abandonados à própria sorte.

Se fecho os olhos um instante
Já os tenho na imagem
De uma devastação a outra

Errando pela paisagem.

Acima deles, nas nuvens
Vejo outros cortejos, monstruosos!

Arrastando-se no vento frio
Pequenos seres desterrados, andrajosos.

Buscando um país de paz
Sem trovão, sem chuva de fogo

Diferente do que ficara pra trás
Nele esperam chegar dentro em pouco.

Essas hostes não param de crescer
E me parecem mudar, na luz do poente:

Outros rostos creio reconhecer
Franceses, espanhóis, orientais: gente.

Na polônia, naquele ano
Um cão foi encontrado
Que no pescoço magro trazia

Um pedaço de couro amarrado.

Nele se lia: Socorro, por favor!
Estamos perdidos, sem esperanças.
O cachorro mostrará o caminho
Somos cinquenta e cinco crianças.

Se não puderem vir
Não lhes façam mal
Não o matem, pois
Só ele sabe o local.

Camponeses leram a mensagem.
O escrito não tinha nome.
Desde então dois anos passaram
O cachorro morreu de fome.

REFLETINDO SOBRE O INFERNO

Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno
Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar
Mais ou menos semelhante a Londres. Eu
Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles

Acho, refletindo sobre o inferno. que ele deve
Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles.

Também no inferno
Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes

Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem
Sem demora, se não são molhadas com água muito cara. E mercados de frutas
Com verdadeiros montes de frutos, no entanto
Sem cheiro nem sabor. E intermináveis filas de carros

Mais leves que suas próprias sombras, mais rápidos
Que pensamentos tolos, automóveis reluzentes, nos quais
Gente rosada, vindo de lugar nenhum, vai a nenhum lugar.
E casas construídas para pessoas felizes, portanto vazias

Mesmo quando habitadas.
Também as casas do inferno não são todas feias.
Mas a preocupação de serem lançados na rua
Consome os moradores das mansões não menos que
Os moradores dos barracos.

AMIGOS EM TODA PARTE

Os trabalhadores filandeses
Deram-lhe cama e uma escrivaninha
Os escritores da União Soviética levaram-no ao navio

E um tintureiro judeu de Los Angeles
Enviou-lhe um terno: o inimigo dos algozes

Encontrou amigos.

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