CANTAR DE MÃE ALEMÃ
Meu filho, esse par de botas
E essa camisa marrom eu te dei
Mas teria antes me matado
Se soubesse o que hoje sei.
Meu filho, ao te ver erguer
A mão pra Hitler em saudação
Não sabia que o teu destino
Seria a própria danação.
Meu filho, ao te ver marchar
Atrás do Hitler em coorte
Não sabia que quem com ele partia
Nada acharia senão a morte.
Meu filho, tu dizias: a Alemanha
Em breve será motivo de assombro.
Eu não sabia que ela se tornaria
Um monte de cinzas e escombros.
Vi a camisa marrom te vestir
Não me opor foi minha falha
Pois não sabia o que hoje sei:
Que ela era a tua mortalha.
AS NOVAS ERAS
As novas eras não começam de uma vez
Meu avô já vivia no novo tempo
Meu neto viverá talvez ainda no velho.
A nova carne é comida com os velhos garfos.
Os carros automotores não havia
Nem os tanques
Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia
Nem os bombardeiros.
Das novas antenas vêm as velhas tolices.
A sabedoria é transmitida de boca em boca.
REGRESSO
A cidade natal, como a encontrei ainda?
Seguindo os enxames de bombardeiros
Volto para casa.
Mas onde está ela? Lá onde sobem
Imensos montes de fumaça.
Aquilo no meio do fogo
É ela.
A cidade natal, coo me receberá?
À minha frente vão os bombardeiros. Enxames mortais
Vos anunciam meu regresso. Incêndios
Precedem o filho.
REGAR O JARDIM
Regar o jardim, para animar o verde!
Dar água às plantas sedentas! Dê mais que o bastante.
E não esqueça os arbustos, também
Os sem frutos, os exaustos
E avaros! E não negligencie
As ervas entre as flores, que também
Têm sede. Nem molhe apenas
A relva fresca ou somente a ressecada:
Refresque também o solo nu.
ROMPER DO DIA
Não em vão
O romper de cada novo dia
É introduzido pelo cantar do galo
Anunciando desde sempre
Uma traição.
NA MANHÃ DO NOVO DIA
Na manhã do novo dia, ainda na aurora
Os abutres se levantarão em negras nuvens
Em costas distantes
Em voo silente
Em nome da ordem.
SOBRE COISAS LIDAS
(Horácio. Epístolas, II, 1)
1
Cuidado, vocês
Que catam o Hitler! Eu
Que vi os desfiles de Maio e Outubro
Na Praça Vermelha, e as inscrições
Nas faixas, e na costa do Pacífico
Na bigway Roosevelt, os trovejantes
Comboios de petróleo, e as carretas com
Tantos carros amontoados, sei
Que ele logo morrerá, e ao morrer
Terá sobrevivido à sua fama, mas
Tivesse mesmo tornado a terra
Inabitável, ao conquistá-la
Canção alguma que o celebrasse
Permaneceria. É verdade que
O grito de dor, também dos continentes
Morre depressa demais para sufocar
O elogio do carrasco. É verdade que
Também os que cantam a iniquidade
Têm vozes melodiosas. No entanto
O canto do cisne que morre é o mais belo: ele
Canta sem medo.
No pequeno jardim de Santa Mônica
Leio sob a pimenteira
Leio em Horácio sobre um certo Vário
Que celebrava Augusto, isto é, o que a sorte seus generais
E a corrupção dos romanos por ele fizeram. Apenas fragmentos
Copiados na obra de um outro, atestam
Grande arte do verso. Ela não compensava
O esforço de copiar longamente.
2
Com prazer leio
Como Horácio ligou a origem do verso saturnino
Àquelas farsas camponesas que
Não poupavam as grandes famílias, até que
A polícia proibiu canções maldosas,
Obrigando assim os insultadores
A desenvolver arte mais nobre
A insultar com versos mais sutis. Ao menos assim
Compreendo esta passagem.

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