A figura do “moderno” e a da “alegoria” devem ser relacionadas entre si. “Ai daquele que
estuda na Antiguidade outra coisa senão a arte pura, a lógica, o método geral! Por mergulhar
demais nela ... ele abdica ... dos privilégios fornecidos pela circunstância; pois quase toda a
nossa originalidade vem da marca que o tempo imprime em nossas sensações.” Baudelaire,
LArt Romantique, p. 72 (“Le peintre de la vie moderne”). O privilégio do qual fala Baudelaire entra em vigor, porém, de forma mediata, também com respeito à
Antigüidade: o cunho do tempo que se imprime nela faz surgir a sua configuração alegórica.
[J 6a, 2]
[...]
Nouveauté: “A criança vê tudo como novidade; está sempre embriagada. Nada se parece
mais ao que se chama inspiração que a alegria com a qual a criança absorve a forma e a cor...
É a essa curiosidade profunda e alegre que se deve atribuir o olhar fixo e extático, como o de
um animal, das crianças diante do novo” Baudelaire, L’Art Romantique, Paris, p. 62
(“Le peintre de la vie moderne”). Talvez isto explique a observação sombria
em “Lœuvre et la vie d’Eugène Delacroix”: “Pode-se dizer que a criança, em geral, é,
relarivamente ao homem, em geral, muito mais próxima do pecado original.” (L’Art
Romantique, p. 41 <OC II, p. 767>)
[J 7, 1]
[...]
Seria importante investigar a relação de Poe com a latinidade. O interesse de Baudelaire
pela técnica de composição deveria - em última instância - tê-lo vinculado de maneira tão
duradoura ao mundo latino quanto seu interesse pelo artificial o direcionou para a cultura
anglo-saxã. Este círculo cultural determina, através de Poe, em primeira instância, também
a teoria baudelairiana da composição. Tanto mais premente a questão se esta teoria, em
última instância, não possui uma marca latina.
[J 7, 7]
As Lésbicas - um quadro de Courbet.
[J 7, 8]
[...]
Carta extremamente notável de Baudelaire a Toussenel: “Segunda-feira, 21 de janeiro de
1856. Meu caro Toussenel. Quero muito lhe agradecer o presente que me enviou. Não
aochecia a qualidade de seu livro; confesso-o ingenuamente e abertamente... Ha muito tempo que rejeito quase todos os livros com desgosto. — Há muito tempo também nao ia
aisuma coisa tão absolutamente instrutiva e divertida. — O capítulo sobre o falcão e os passaros que caçam para o homem é, por si só, uma obra. — Há palavras que fazem lembrar os
grandes mestres, gritos de verdade, toques filosóficos irresistíveis, tais como: ‘Todo animal
e uma esfinge’, e a propósito dessa analogia: ‘como o espírito se repousa numa doce quietude
ao abrigo de uma doutrina tão fecunda e tão simples para a qual nada é mistério nas obras
de Deus!...’ O positivo é que você é poeta. Há muito tempo digo que o poeta e soberanamente
inteligente ... e que a imaginação é a mais científica das faculdades, porque só ela compreende
a analogia universal, ou aquilo que uma religião mística denomina correspondance. Mas
quando quero imprimir essas coisas, dizem-me que sou louco... O que há de ceito, entretanto,
é que tenho um espírito filosófico que me faz ver claramente o que é verdade, mesmo em
zoologia, embora eu não seja nem caçador nem naturalista... Uma idéia me preocupa
desde início deste livro — porque você é um verdadeiro espírito perdido numa seita; em
resumo — o que você deve a Fourier? Nada ou bem pouca coisa. — Sem Fourier, você teria
sido o que você é. O homem sensato não esperou que Fourier viesse à terra para compreender
sue a natureza é um verbo, uma alegoria, um molde, um relevo, se você quiser... Seu livro
desperta em mim muitas idéias adormecidas - e a respeito do pecado original, e da forma
moldada segundo a idéia, pensei muitas vezes que os insetos nocivos e nojentos não seriam
talvez a vivificação, a corporificação ... dos maus pensamentos do homem — Assim, a
natureza inteira participa do pecado original. Nao me queira mal por minha audacia e
minha liberdade, e creia-me seu devoto Ch. Baudelaire.” Henri Cordier, Notules sur
Baudelaire, Paris, 1900, pp. 5-7. A parte central da carta polemiza contra a crença no
progresso de Toussenel e sua difamação de De Maistre.
[J 8]
“Origem do nome de Baudelaire. Eis o que escreveu a esse respeito o Sr Georges Barrai, na
Revue des Curiosités Révolutionnaires: Baudelaire me expôs a etimologia de seu nome, que
não veio absolutamente de bel ou beau, mas de band ou bald, ‘Meu nome é terrível,
continuou ele. Na verdade, o badelaire era um sabre de lâmina curta e larga, de corte
convexo, a ponta voltada para o dorso da arma... Introduzido na França depois das Cruzadas,
foi empregado em Paris até aproximadamente 1560, como arma de execução. Ha alguns
anos, em 1861, encontrou-se, durante as escavações feitas perto da Pont-au-Change, o
badelaire que serviu ao carrasco do Grand Châtelet, ao longo do século XII. Ele foi consigna o
no museu Cluny. Veja-o. Seu aspecto é terrível. Estremeço ao pensar que o perfil de meu
rosto aproxima-se do perfil do badelaire. — Mas seu nome é Baudelaire, repliquei, e não Badelaire. — Badelaire, Baudelaire é uma corruptela. É a mesma coisa. — De modo algum,
disse, seu nome vem de Baud (alegre), Baudiment (alegremente), s’ébaudir (alegrar-se).
Você é bom e alegre. — Não, não, eu sou do mal e triste.” Louis Thomas, Curiosités sur
Baudelaire, Paris, 1912, pp. 23-24.
[J8a, 1]
[...]
“Quando eu ficar absolutamente só, escrevia em 1864, procurarei uma religião (tibetana ou
japonesa), porque desprezo demais o Corão, e, no momento da morte, abjurarei esta última
religião para mostrar bem meu nojo da tolice universal.” Louis Thomas, Curiosités sur
Baudelaire, Paris, 1912, PP- 57-58.
[J 8a, 5]
Á produção de Baudelaire se estabelece de maneira magistral e determinada desde o início.
(J 9, 1]
Datas: Les Fleurs du Mal, 1857, 1861, 1866; Poe, 1809-1849; descoberta de Poe, em fins
de 1846.
[J 9, 2]
[...]
“Baudelaire gato, hindu, ianque, episcopal, alquimista. — Gato: sua maneira de dizer ‘minha
querida, nesta passagem solene que se abre com ‘Seja sensata, ó minha dor’”. — Ianque:
seus ‘muito’, diante de um adjetivo; suas paisagens abruptas - e este verso: ‘Meu espírito,
tu te moves com agilidade’, que os iniciados escandem com uma voz metálica; seu ódio da
eloqüência e das confidências poéticas; ‘O prazer efêmero fugirá para o horizonte! Assim
como...’ O quê? Antes dele, Hugo, Gautier etc. ... teriam feito uma comparação francesa,
oratória; ele a fez ianque, sem tomar posição firme, mantendo-se aéreo: Assim como uma
sílfide no fundo dos bastidores’. Yêem-se os fios dos andaimes e toda a parafernália teatral...
— Hindu: ele tem essa poesia mais que Leconte de Lisle com toda sua erudição e seus
poemas carregados e ofuscantes. ‘Jardins, fontes chorando nos alabastros, / Beijos, pássaros
cantando noite e dia’. Nem coração grande nem grande espírito, mas que nervos lastimosos!
Que narinas abertas a tudo! Que voz mágica!” Jules Laforgue, Mélanges Posthumes, Paris,
1903, pp. 118-119 (“Notes sur Baudelaire”).
[J 9a, 1]
[...]
“O dândi, disse Baudelaire, deve aspirar a ser sublime ininterruptamente. Deve viver e
dormir em frente a um espelho.” Louis Thomas, Curiosités sur Baudelaire, Paris, 1912,
pp. 33-34.
[J 10, 8]
Duas estrofes de Baudelaire que teriam sido encontradas na folha de um álbum:
“Nobre mulher de braço forte, que durante os longos dias,
Sem pensar bem nem mal dormes ou sonhas sempre,
Altivamente vestida à moda antiga,
Tu que há dez anos, lentos para mim
Minha boca experiente em beijos suculentos
Acalentou com um amor monástico.
Sacerdotisa de orgia e minha irmã no prazer,
Que sempre desprezou carregar e nutrir
Um homem em tuas cavidades santas.
Tanto temes e foges o estigma alarmante
Que a virtude cavou com seu arado infamante
No ventre das matronas grávidas. ”
Louis Thomas, Curiosités sur Baudelaire , Paris, 1912, p. 37.
[J 10, 9]
“Ele foi o primeiro a falar de si de forma moderada, como num confessionário, c não
representou o papel de poeta inspirado. O primeiro que falou de Paris como um condenado
coddiano da capital (os bicos de gás, que sc acendem nas ruas e que atormenta o vento da
Prostituição, os restaurantes e suas clarabóias, os hospitais, o jogo, a madeira serrada em
tmh a que recai no calçamento dos pátios, e a lareira, e os gatos, cantas, meias, bêbedos e
perfumes de fabricação moderna), mas isso de maneira nobre, longínqua, superior... O
primeiro que não se faz triunfante, mas se acusa, mostra suas chagas, sua preguiça, sua
inutilidade entediada, no meio deste século trabalhador e devoto. O primeiro que trouxe
a nossa literatura o tédio na volúpia e seu cenário bizarro: a alcova triste ... e nela se
compraz ... a Maquilagem que se prolonga até os céus, aos crepúsculos ... o spleen e a doença (não a Tísica poética, mas a neurose), sexn ter escrito este termo uma só vez.”
Laíoreue, Mélanges Posthumes, Paris, 1903, pp. 111-112.
[J 1Oa, 1]
[...]
Apollinaire: “Baudelaire é filho de Laclos e de Edgar Poe." Cir. em Roger Allard, Baudelaire et “L’Esprit Nouveau”, Paris, 1918, p. 8.
[J 11 , 6 ]
O texto “Choix de maximes consolantes sur l’amour” traz um excurso sobre a feiúra (3 de
março de 1846, no Corsaire-Satan). A amada teria sido acometida de varíola, da qual
ficaram cicatrizes que, a partir de então, constituíram a felicidade do amante. “Você corre
um grande risco, se sua amante que tem varíola o trai, de só poder se consolar com uma
mulher que tem varíola. Para alguns espíritos mais curiosos e blasés, o prazer da feiúra
provém de um sentimento ainda mais misterioso, que é a sede do desconhecido, o gosto do
horrível. É esse sentimento ... que leva certos poetas às clínicas e às salas de cirurgia, e certas
mulheres às execuções públicas. Eu lamentaria muito quem não o compreendesse; — uma
harpa à qual faltaria uma corda grave!” Baudelaire, Œuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec,
vol. II, p. 612 <OC I, pp. 548-549>.
[J 11, 7]
[...]
“Ele usa uma gravata vermelho-sangue e luvas cor-de-rosa. Sim, estamos em 1840... Em
certos anos, tivemos até luvas verdes. Foi somente a contragosto que a cor desapareceu da
roupa. Ora, Baudelaire não era o único a usar essa gravata púrpura ou brique. Nem o único
a se enluvar de rosa. Sua marca está na combinação desses dois efeitos sobre o preto da
roupa.” Eugène Marsan, Les Cannes de M. Paul Bourget et le Bon Choix de Philinte, Paris,
1923, pp. 236-237.
[J 11a, 2]
[...]
Sobre a estréia de Baudelaire em Bruxelas existem duas versões diferentes, sendo que Georges
Rency, que reproduz ambas, dá preferência à do cronista Tardieu. “Baudelaire”, escreve
este, “tomado de um medo terrível, lia e gaguejava, tremendo e batendo os dentes, com 0
nariz no manuscrito. Foi um desastre.” Camille Lemonnier, ao contrario, fala da impressão
de um magnífico conversador”. Georges Rency, Physionomies Littéraires, Bruxelas, 1907,
pp. 267-268 (“Charles Baudelaire”).
[J 12, 1]
“Ele ... nunca se esforçou seriamente em compreender o que lhe era exterior”.
Rency, Physionomies Littéraires, Bruxelas, 1907, p. 274 (“Charles Baudelaire”).
[J 12, 2]
“Baudelaire é tão impotente para o amor quanto para o trabalho. Ele ama como escreve,
aos trancos, depois recai no seu egoísmo flâneur e debochado. Nunca teve curiosidade pelo
homem ou o sentido da evolução humana... Sua arte devia, pois, ... pecar por sua estreiteza
e singularidade: e são exatamente esses defeitos que afastam dele os espíritos sadios e retos,
que amam as obras claras e de alcance universal.” Georges Rency, Physionomies Littéraires,
Bruxelas, 1907, p. 288 (“Charles Baudelaire”).
[J 12, 3]
[...]
“Somente sessenta pessoas seguiram o carro fúnebre debaixo de um calor sufocante; Banville,
Asselineau pronunciaram, sob a ameaça de uma tempestade, belos discursos que não foram
ouvidos. A imprensa, exceto Veuillot no L’Univers, foi cruel. Tudo se encarniçava sobre seu
cadáver; uma tromba d’ água dispersava seus amigos; seus inimigos ... o trataram de ‘louco’.”
U.-V. Chatelain, Baudelaire, l’Homme et le Poète, Paris, p. 16.
[J 12a, 4]
Com respeito à experiência das correspondances, Baudelaire remete ocasionalmente a
Swedenborg e também ao haxixe.
[J 12a, 5]
Baudelaire no concerto: “Dois olhos negros agudos, penetrantes, cintilavam com um brilho
particular, animando, só eles, o personagem que parecia paralisado em sua concha.” Lorédan
Larchey, Fragments et Souvenirs, Paris, 1901, p. 6 (“Le boa de Baudelaire — L’impeccable
Banville”).
[J 12a, 6]
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

Nenhum comentário:
Postar um comentário