Marx sobre a Segunda República: “Paixões sem verdade, verdades sem paixão, heróis sem feitos heróicos, história sem acontecimentos; desenvolvimento cuja única força motora parece ser o calendário, monótono pela constante repetição das mesmas tensões e distensões... Se existe um período histórico pintado de cinzento sobre cinzento, foi bem este.” Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, ed. Rjazanov, Viena-Berlim, 1927, pp. 45-46.
[J 72a, 4]
[...]
Carta de Engels a Marx em 3 de dezembro de 1851: “Pelo menos por hoje este asno está tão solto ... quanto o velho na noite do 18 Brumário; está tão completamente sem escrúpulos que não pode deixar de exibir o seu ser asnal em todas as direções. Terrível perspectiva a ausência de oposição!”62 Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, ed. Rjazanov, Viena-Berlim, p. 9.
[J 73, 1]
Engels a Marx, em 11 de dezembro de 1851: “Se o proletariado desta vez não lutou em massa”, isto se deu “por estar completamente consciente de sua impotência e se resignou com fatalismo ao círculo repetitivo de República, Império, Restauração, e nova Revolução, até ... poder renovar suas forças.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 10.
[J 73, 2]
“Como se sabe, o 15 de maio [1848] não teve outro resultado senão o de afastar da cena pública, e pelo tempo inteiro do ciclo, Blanqui e companheiros, ou seja, os verdadeiros líderes do partido proletário, os comunistas revolucionários.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, ed. Rjazanov, p. 28.
[J 73, 3]
O mundo dos espíritos da América desempenha um papel na descrição da multidão em Poe. Matx fala da república que na Europa “significa, de maneira geral, apenas a forma política de transformação da sociedade burguesa, e não a sua forma de vida conservadora, como, por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte, onde ... classes ... ainda não se fixaram..., onde os modernos meios de produção ... compensam... a falta relativa de cabeças e braços, e onde, finalmente, o movimento jovem e febril da produção material ... não deixou nem tempo, nem oportunidade para se abolir o antigo mundo dos espíritos”. Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 30. E curioso que Marx lance mão do mundo dos espíritos para explicar a República americana.
[J 73, 4]
[...]
As eleições revolucionárias suplementares de 10 de março de 1850, em Paris, conduziram ao parlamento apenas representantes social-democratas. Mas elas deveriam encontrar “na eleição posterior de abril, quando foi eleito Eugène Sue, um comentário sentimental atenuante”. Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 68.
[J 73, 6]
A propósito do “Crépuscule du matin”: Marx vê em Napoleão III “não um homem que decide à noite para executar durante o dia, e sim um homem que decide durante o dia para executar à noite.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, ed. Rjazanov, p. 79.
[J 73a, 1]
A propósito do “Crépuscule du matin”: “Rumores de golpe de Estado assolam Paris. Dizse que a capital será ocupada por tropas durante a noite e que no dia seguinte serão publicados decretos.” Citado segundo a imprensa diária européia de setembro e outubro de 1851. Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 105.
[J 73a, 2]
Marx chama os líderes do proletariado parisiense de “chefes de barricadas”. Der achtzehnte Brumaire, p. 113.
[J 73a, 3]
A observação de Sainte-Beuve sobre Lamartine, cujos poemas representariam o céu das paisagens de André Chénier (J 51a, 3), deve ser comparada com esta formulação de Marx: “Se a parcela recém-constituída, em seu acordo com a sociedade, em sua dependência das forças da natureza e sua submissão à autoridade que a protegia do alto, era naturalmente religiosa, a parcela endividada, em conflito com a sociedade e a autoridade, impelida para além de suas próprias limitações, torna-se naturalmente irreligiosa. O céu foi um agradável suplemento ao estreito e recém-adquirido pedaço de terra, ainda mais que é ele que faz o bom e o mau tempo; mas ele se torna um insulto tão logo se queira impô-lo como substituto para a parcela.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 122. A observação de Sainte-Beuve, combinada com esta passagem de Marx, fornece a chave para a natureza e a duração da influência política que Lamartine derivou de sua poesia. Cf., sobre isso, suas negociações com o embaixador da Rússia, tal como relatadas por Pokrowski. <Cf. d 12, 2>.
[J 73a, 4]
[...]
Marx sobre os parasitas do Segundo Império: “Para não se atrapalhar com o cálculo dos anos, eles contam por minutos.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 126.
[J 73a, 6]
Ambigüidade da concepção do heróico oculta na imagem baudelaireana do poeta: O ponto culminante das ‘idéias napoleônicas’... é a preponderância do exército. O exército foi o ponto de honra’ dos pequenos camponeses parcelares, eles mesmos transformados em heróis... Porém, os inimigos contra os quais o camponês francês precisa agora defender sua propriedade ... são os cobradores de impostos. A parcela de terra não se situa mais na assim chamada pátria, e sim no registro de hipotecas. O próprio exército não é mais a fina flor da juventude camponesa, é a flor de lodo do lumpemproletariado rural. Ele se compõe em boa parte dc substitutos assim como o segundo Bonaparte foi, ele também, apenas o substituto, o sucedâneo de Napoleão... Como se vê: todas as ‘idéias napoleônicas’ são idéias afins aos interesses da parcela ainda não desenvolvida, tendo ainda o frescor da juventude. Mas são um contrasenso em relação à parcela que envelheceu.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, ed. Rjazanov, pp 122-123.
[J74, 1]
A propósito do satanismo: “Quando os puritanos queixaram-se, no concílio de Constança, da vida dissoluta dos papas..., o cardeal Pierre d’Ailly vociferou contra eles: ‘Só o diabo em pessoa pode salvar a Igreja católica e vós exigis anjos.’ Assim clamou a burguesia francesa após o golpe de Estado: Só o chefe da Sociedade do 10 de Dezembro pode salvar a sociedade burguesa! Só o roubo pode ainda salvar a propriedade, só o perjúrio pode salvar a religião; a bastardia, a família; a desordem, a ordem.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, ed. Rjazanov, p 124.
[J 74, 2]
“Pode-se ter uma idéia concreta desta camada superior da Sociedade do 10 de Dezembro, se considerarmos que seu moralista é Véron-Crevel, e seu pensador: Granier de Cassagnac.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 127.
[J 74, 3]
Os “paralelepípedos mágicos erguidos em fortalezas , do Projet d’un épilogue” <OC I, p 92>, indicam o limite da poesia de Baudelaire no tratamento direto dos temas sociais. O poeta não diz uma palavra sequer das mãos que manusearam estes paralelepípedos. Em “Le vin des chiffonniers”, Baudelaire conseguiu ultrapassar este limite.
[J 74, 4]
[...]
Nietzsche sobre o inverno de 1882-1883, na baía de Rapallo: “Pela manhã segui em direção ao sul pela estrada magnífica subindo até Zoagli, em meio aos pinheiros e contemplando o vasto mar; à tarde ... fiz a volta de toda a baía ... até ... Porto Fino. Este lugar e esta paisagem tocaram-me o coração mais de perto pelo grande amor que nutria por eles o Imperador Frederico III... Nestes dois caminhos veio-me à mente o primeiro Zaratustra, sobretudo o próprio Zaratustra, como dpo: mais precisamente, ele me tomou de assalto.” Friedrich Nietzsche, Also sprach Zarathustra, Leipzig: Kröner, pp. XX-XXI. Confrontar com uma descrição do Forte do Taureau.
[J 74a, 4]
Nietzsche distingue sua “filosofia do meio-dia” — a doutrina do Eterno Retorno — dos primeiros estágios de seu pensamento: a filosofia da aurora e da manhã. Também ele conhece o “seccionamento do tempo” e suas grandes divisões. É legítimo perguntar se esta apercepção do tempo não foi um elemento do Jugendstil. Se assim fosse, talvez compreendêssemos melhor que o Jugendstil fez nascer, com Ibsen, um dos maiores técnicos do gênero dramático.
[J 74a, 4]
[...]
A moda fixa a cada instante o último padrão da empatia.
[J 75, 3]
O desdobramento do trabalho no jogo pressupõe forças produtivas altamente desenvolvidas, como aquelas de que a humanidade dispõe apenas hoje, mas que são empregadas em sentido oposto ao de suas possibilidades, a saber: para o caso de emergência. Todavia, também em tempos de forças produtivas pouco desenvolvidas, a concepção criminosa da exploração da natureza, dominante desde o século XIX, não foi de forma alguma decisiva. Certamente ela não teve espaço enquanto a imagem predominante da natureza foi aquela da mãe dadivosa, de que Bachofen mostrou a importância para as sociedades matriarcais.64 Esta imagem sobreviveu, na figura da mãe, a todas as outras transformações da história. Porém, é evidente que esta imagem é mais confusa em épocas nas quais muitas mães se transformam, diante do filho, em agentes da classe social que dispõe da vida deste por interesses comerciais. Vários indícios sugerem que o segundo casamento da mãe de Baudelaire não se tornou mais aceitável a ele pelo fato de ela ter optado por um general. Este casamento provavelmente desempenhou um papel na evolução da vida pulsional do poeta e no fato de o modelo dele ter-se tornado a prostituta. Evidentemente, a prostituta é, por essência, a encarnação de uma natureza impregnada pela aparência de mercadoria. Ela até mesmo intensificou sua força de ofuscamento, porque no comércio com ela está incluído o prazer sempre fictício que deve corresponder àquele de seu parceiro. Em outras palavras: neste comércio, a própria capacidade de sentir prazer figura como valor — como o objeto de uma exploração tanto por ela quanto por seu cliente. Por outro lado, porém, coloca-se aqui, distorcida, mas em proporções desmedidas, a imagem de uma solicitude que se oferece a todos e não se deixa desencorajar por ninguém. Esta imagem foi captada pela luxúria idealizada e abstrata do poeta barroco Lohenstein em um sentido bastante próximo de Baudelaire: “Uma bela mulher feita de mil encantos, / Uma mesa farta que satisfaz a muitos. / Uma fonte inesgotável sempre a distribuir água a mão-cheia, / Até mesmo o doce leite do amor; ainda que, por cem condutos / Escoe a suave doçura.” (Daniel Caspers von Lohenstein, Agrippina, Leipzig, 1724, p. 33). O além da escolha, vigente entre mãe e filho, e o aquém da escolha entre a prostituta e seu cliente, encontram-se num único ponto. Este ponto caracteriza a situação pulsional de Baudelaire. (Cf. X 2, 1, Marx sobre a prostituição).
[J 75a]
[...]
A fórmula de L’Éternité par les Astres — “É o novo sempre velho e o velho sempre novo”66 — corresponde rigorosamente à experiência do spleen tal qual descrita em Baudelaire.
[J 76, 2]
[...]
Com amarga ironia, Blanqui demonstra o que seria uma “humanidade melhor” em uma natureza que não pode ser melhorada.
[J 76,5]
[...]
No processo histórico que o proletariado impõe à classe burguesa, Baudelaire é uma testemunha, mas Blanqui é o perito.
[J 76a, 1]
Se Baudelaire for citado diante do tribunal da história, ele precisaria tolerar várias interrupções, pois o que motiva os questionamentos deste tribunal é determinado por interesses que lhe são, por diversos motivos, estranhos e incompreensíveis. Blanqui, ao contrário, se pronuncia sobre uma causa que sempre foi a sua. Por isso ele comparece como perito onde quer que ela seja debatida. Portanto, não e no mesmo sentido que Baudelaire e Blanqui são citados diante do tribunal da história.
[J 76a, 2]
Abandono do momento épico: um tribunal não é uma sala de fiandeiras. Ou melhor: a audiência acontece, mas nada é relatado.
[J 76a, 3]
O interesse que o historiador materialista nutre pelo ocorrido é, por um lado, sempre um interesse apaixonado pelo que já passou, pelo que está terminado e pelo totalmente morto. O pré-requisito indispensável para qualquer citação (vivificação) de partes deste fenômeno e de estar seguro, em geral e por inteiro, de seu caráter encerrado. Em uma palavra: para o interesse histórico específico — cuja legitimidade o historiógrafo materialista tem a incumbência de provar — precisa ser demonstrado, com sucesso, que se trata de um objeto eue. de forma inteira, efetiva e irrevogável, “pertence à história”.
[J 76a, 4]
A comparação com Dante pode tanto servir de exemplo para a perplexidade dos primeiros comentadores de Baudelaire quanto como ilustração da formula atribuída a De Maistre, segundo a qual os primeiros julgamentos sobre um autor se perpetuam nas interpretações posteriores.
[J 76a, 5]
Aiem da comparação com Dante, a noção de decadência é a palavra-chave da recepção de Baudelaire. Ela se encontra em Barbey d’Aurevilly, Pontmartin, Brunetière, Bourget.
[J 76a, 6]
Para o dialético materialista, a descontinuidade é a idéia reguladora da tradição das classes dominantes (portanto, em primeiro lugar, da burguesia), a continuidade é a idéia reguladora da tradição dos oprimidos (portanto, principalmente, do proletariado). O proletariado vive mais lentamente do que a classe burguesa. Os exemplos de seus combatentes, os conhecimentos de seus líderes não envelhecem. Em todo caso, envelhecem muito mais lentamente do que as épocas e as grandes figuras da classe burguesa. As ondas da moda arrebentam-se na massa compacta dos oprimidos. Os movimentos da classe dominante, ao contrário, uma vez que chegou ao poder, possuem algo que tem a ver com a moda. As ideologias dos poderosos, em particular, sáo por natureza mais mutáveis que as idéias dos oprimidos. Pois elas não apenas têm que se adaptar, como as idéias destes últimos, a cada situação específica de conflito social, mas ainda tem que transfigurar essa situação como sendo, no fundo, harmoniosa. Neste negócio é preciso proceder de forma excêntrica e aos saltos — um procedimento que é, no sentido pleno da palavra, próprio da moda. “Salvar” as grandes figuras da burguesia, consiste principalmente em compreendê-las nesta parte mais débil e caduca de sua ação para, justamente extrair e citar aquilo que jazia discretamente sepultado sob ela, porque servia muito pouco aos poderosos. Confrontar Baudelaire e Blanqui significa retirar a venda que cobria a sua luz.
[J 77, 1]
62 O “asno” em questão é Luís Bonaparte, que acabou então de dissolver a Assembléia Nacional e o Conselho de Estado, fazendo-se proclamar o Imperador Napoleão III. O 18 Brumário (9 de novembro de 1799) é a data do golpe de Estado de Napoleão I, que extinguiu o Diretório e dissolveu o Conselho dos Quinhentos. (E/M)
64 J. J. Bachofen, Das Mutterrecht (1861). (J.L.)
66 Auguste Blanqui, L’Éternité par les Astres, Paris, 1872, p. 74. (R.T.)
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

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