Em uma passagem significativa de Joseph de Maistre, não apenas aparece a alegoria, expressando sua proveniência satânica, de acordo com a perspectiva posterior de Baudelaire, como também aparecem as correspondances — inspiradas pelo misticismo de Saint- Martin ou de Svedenborg. Elas constituem, de maneira reveladora, uma oposição à alegoria. O texto encontra-se no oitavo diálogo das Soirées e diz o seguinte: “Pode-se formar uma idéia perfeitamente justa do universo, vendo-o sob o aspecto de um vasto gabinete de história natural abalado por um terremoto. A porta está aberta e quebrada; não há mais janelas; armários inteiros estão por terra, outros pendurados ainda em travas prestes a se soltar. Conchas rolaram na sala dos minerais, e o ninho de um colibri repousa na cabeça de um crocodilo. Entretanto, que insensato poderia duvidar da intenção primitiva, ou pensar que o edifício fosse construído nesse estado?... A ordem é tão visível quanto a desordem; e o olhar, passeando por esse vasto templo da natureza, reconstitui, sem dificuldade, tudo o que um agente funesto quebrou, ou falseou, ou sujou, ou deslocou. Há mais: olhai de perto e logo reconhecereis a presença de uma mão reparadora. Algumas vigas estão reforçadas; abriram-se caminhos entre os escombros; e, em meio à confusão geral, uma quantidade de análogos já retomaram seu lugar e se tocam.”76
[J 86, 2]
[...]
O conspirador profissional e o dândi encontram-se na noção do herói moderno. Este herói representa, para si mesmo e em sua própria pessoa, toda uma sociedade secreta.
[J 87, 2]
[...]
A propósito do “estudo”: “A carne é triste, ai! e já li todos os livros.” Mallarmé, Poésies, Paris, 1917, p. 43 (“Brise marine”).
[J 87 , 5]
[...]
Baudelaire menciona [onde?] “o hábito de deixar passar os anos, deixando sempre as coisas para depois”.
[J 87, 7]
[...]
Sobre o ócio. “Hércules ... também trabalhou..., mas o objetivo de sua carreira sempre foi um nobre ócio e por isso chegou ao Olimpo. Não foi o caso de Prometeu, o inventor da educaçáo e do Iluminismo... Por ter induzido os homens ao trabalho, ele também tem que trabalhar, queira ou não. Ele ainda sentirá muito tédio e nunca se libertará de suas correntes.” Friedrich Schlegel, Lucinde, Lripzig, pp. 34-35 (“Idylle über den Müßiggang” (“Idílio sobre o ócio”))
[J 87a, 1]
[...]
“Entretanto, demônios doentios na atmosfera
Despertam pesadamente, como homens de negócio” <OC I, p. 94>
Despertam pesadamente, como homens de negócio” <OC I, p. 94>
— Deve ser permitido reconhecer, aqui, uma reminiscência da descrição da multidão por Poe.
[J 87a, 5]
[...]
Diferentemente de Cabet, de Fourier e dos fantasiosos utopistas saint-simonianos, só se pode imaginar Blanqui em Paris. Também ele só vê a si mesmo e à sua obra em Paris, lado oposto, a concepção de Proudhon relativa às grandes cidades (A 11a, 2).
[J 87a, 7]
Extratos do prefácio escrito por Pyat para a edição de 1884 do Chijfonnier de Paris (O trapeiro de Paris). São importantes como referência indireta às relações entre a obra de Baudelaire e o socialismo radical. “Esse drama penoso, mas salutar ... não foi, aliás, senão a evolução lógica de meu pensamento, precedendo... a própria evolução do povo... É o pensamento republicano na minha primeira peça. Une révolution d’autrefois (Uma revolução de outrora); republicano democrático em Ango, le marin (Ango, o marinheiro); democrático e social em Les deux serruriers (Os dois serralheiros), Diogène e Le chiffonnier: pensamento sempre progressivo em direção ao ideal, tendendo ... a completar a obra de 89... Sem dúvida, a unidade nacional foi realizada...! a unidade política também...! Mas a unidade social resta por fazer. Há ainda duas classes não tendo em comum senão o ar natal ... e não podendo estar unidas senão pela estima e pelo amor. Quantos franceses ricos esposam francesas pobres? Aí está o problema... Voltemos a Jean... Concebi esse drama na prisão, onde estava condenado em 44, por ter vingado a República contra a Monarquia. Sim, é um produto da prisão, como esses outros protestos populares: Dom Quixote e Robinson. Jean tem pelo menos isso em comum com essas obras-primas que não envelhecem. Eu concebi essa peça na mesma noite da representação da peça anterior, Diogène, que foi encenada enquanto eu estava atrás das grades. Por uma seqüência direta de idéias, o Cínico me sugeriu Le chiffonnier; a lanterna do filósofo, a vela do pária; o barril, o cesto de vime; o desinteresse por Atenas, o devotamento por Paris. Jean era o Diógenes de Paris, como Diógenes, o Jean de Atenas. A inclinação natural de meu espírito me levava ao povo; sou atraído pela massa; minha poética, sempre de acordo com minha política, nunca separou o autor do cidadão. A arte, a meu ver ... não a arte pela arte, mas a arte para a humanidade, devia ... culminar no povo. A arte, na verdade, segue o soberano, começando pelos deuses, continuando pelos reis, os nobres e os burgueses, e terminando no povo. E a iniciativa para esse fim, em Les serruriers, devia chegar, em princípio, em seu próprio centro de gravidade, no Chiffonnier. Logo, enquanto a arte burguesa ... brilhava em Hernani, Ruy Blas e outros enamorados de rainhas..., a arte republicana ... anunciava uma outra dinastia, a dos trapeiros... E em 24 de fevereiro, ao meio-dia, depois da vitória, o drama dos “trapos” foi representado gratuitamente diante do povo vencedor e armado. E nessa representação memorável que o ator ... reencontrou a coroa no cesto de vime. Que dia! Efeito indescritível! Autor, atores, diretor e espectadores, todos juntos, de pé, aplaudindo ao som da Marselhesa, ao som dos canhões... Falei do nascimento e da vida de Jean. Eis sua morte. Jean caiu como a República sob o golpe de dezembro. O drama teve a honra de ser condenado, assim como o autor, que pôde vê-lo aplaudido em Londres, em Bruxelas, por toda pane, exceto em Paris. Assim, numa sociedade baseada na família — quando tinham campo livre ... o direito ao incesto, em René, o direito ao adultério, em Antony, o direito ao bordel, em Rola —, o direito à família era proscrito pelos salvadores da família e da Sociedade.” Félix Pyat, Le Chiffonnier de Paris: Drame en Cinq Actes, Paris, 1884, pp. IV-VIII.
[J 88 / J 88a, 1]
[...]
Retrato de Blanqui por Cassou: “Blanqui era feito para agir sem declamação nem sentimentalismo, apreendendo em cada circunstância o que é estritamente real e autêntico. Mas a obscuridade, a pobreza e a fraqueza da circunstância obrigaram-no a agir apenas à força, por golpes estéreis e a se confinar na prisão. Ele se sabe condenado a uma postura puramente preparatória e simbólica, uma atitude de paciência nas trevas e nos grilhões. E toda sua vida se passará assim. Ele se tornará um velho amarelado e desvairado. Mas não será vencido. Ele não pode ser vencido.” Jean Cassou, Quarante-huit, Paris, 1939, p. 24.
[J 89, 1]
A propósito de Hugo, mas também de “Les petites vieilles” (ambos não citados por Cassou): “Pois esta é mesmo a novidade do século romântico: a aparição escandalosa do Sátiro à mesa dos deuses, a manifestação pública dos seres sem nome, sem possibilidade de existência, os escravos, os negros, os monstros, a aranha, a urtiga.” Jean Cassou, Quarante-huit, Paris, 9. p. 27. (Pode-se pensar aqui também na descrição de Marx do trabalho infantil na Inglaterra.)
[J 89,2]
76 Joseph De Maistre, Œuvres Complètes, vol. V, Lyon, 1884, pp. 102-103. (R.T.)
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

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