25.6.25

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I
[0 Intérieur, o Rastro]
“Em 1830, o Romantismo triunfava na literatura. Invadiu a arquitetura e exibiu na fachada das casas um gótico de fantasia, exibição muitas vezes moldada em gesso. Impôs-se à ebanisteria. ‘De repente’, diz o relator da exposição de 1834, ‘surge um entusiasmo pelo mobiliário de formas estranhas: foram copiadas dos velhos castelos, dos antigos guarda- móveis e dos depósitos de móveis usados, a fim de decorar salões, modernos quanto a todo o resto...’ Os fabricantes seguiam essa inspiração e eram pródigos em utilizar em seus móveis ‘ogivas e balestreiros’: viam-se camas e armários guarnecidos de ameias, como fortalezas do século XIII.” E. Levasseur, Histoire des Classes Ouvrières et de L’Industrie en France de 1780 à 1870, Paris, 1904, vol. II, pp. 206-207.
[I 1, 1]
Em Behne, esta boa observação a propósito de um armário medieval: “O mobiliário desenvolveu-se muito claramente a partir do imobiliário.” Além disso, o armário é comparado a uma “fortificação medieval. Da mesma forma em que nesta um diminuto compartimento habitável é circundado por muros, valas e fossos, que se ampliam em anéis cada vez mais largos ao seu redor, como uma poderosa obra exterior, também aqui o conteúdo de gavetas e prateleiras está comprimido sob uma forte obra exterior.” Adolf Behne, Neues Wohnen, Neues Bauen, Leipzig, 1927, pp. 59, 61-62.
[I 1, 2 ]
[...]
O confronto com o mobiliário em Poe. Luta pelo despertar do sonho coletivo.
[I 1, 4]
[...]
Hessel fala da “época sonhadora do mau gosto”. Sim, esta época estava decorada para o sonho, estava mobiliada de sonho. A alternância de estilos - gótico, persa, renascença etc. - significava: ao intérieur da sala de jantar burguesa sobrepunha-se uma sala de banquetes de César Bórgia, do boudoir da dona da casa emerge uma capela gótica, o escritório do dono da casa transmuda-se de forma irisante no aposento de um sheik persa. A fotomontagem que fixa tais imagens para nós corresponde à forma de intuição mais primitiva destas gerações. Apenas gradualmente as imagens sob as quais elas viviam desligaram-se e depuseram-se em anúncios, etiquetas, cartazes, como as figuras da publicidade.
[I 1, 6]
[...] 
“Vimos o que nunca acontecera antes: o casamento de estilos que podíamos pensar que jamais ‘se casariam’: chapéus do Primeiro Império ou da Restauração com jaquetas Luís XV; vestidos no estilo Diretório com botas de salto alto - melhor ainda, redingotes de cintura baixa enfiados sobre vestidos de cintura alta.” John Grand-Carteret, Les Elégances de la Toilette, Paris, p. XVI.
[I 1a, 1]
Nome de diferentes tipos de vagões de trem dos primórdios da estrada de ferro: berlindas (fechadas ou abertas), diligências, vagões decorados, vagões não decorados. ■ Construção em ferro ■
[1 1a, 2]
[...]
Sobre o intérieur sonhador, se possível, oriental: “Todos aqui sonham com a felicidade repentina, todos querem obter de uma só vez tudo aquilo que se conquistaria, em tempos de paz e de trabalho, com o esforço de toda uma vida. As invenções dos poetas estão cheias de súbitas metamorfoses de existências domésticas; todos vibram por marquesas, princesas, pelos milagres das mil e uma noites. Há uma embriaguez de ópio que acometeu o povo inteiro. A indústria fez mais estragos nesse sentido do que a poesia. A indústria produziu o logro das ações da Bolsa, a exploração de todas as coisas que se queira transformar em necessidades artificiais, e os ... dividendos.” Gutzkow, Briefe aus Paris, Leipzig, 1842, vol. I, p. 93.
[I 1a, 5]
[...] 
O caráter de fortificação permanece tanto nos móveis quanto nas cidades sob a burguesia: “A cidade fortificada foi até aqui o empecilho que sempre paralisou o urbanismo.” Le Corbusier, Urbanisme, Paris, 1925, p. 249.
[I 1a, 8]
[...]
O intérieur do século XIX. O espaço se disfarça, assumindo a roupagem dos estados de ânimo como um ser sedutor. O pequeno-burguês satisfeito consigo mesmo deve experimentar algo da sensação de que no aposento ao lado pudessem ter ocorrido tanto a coroação do imperador Carlos Magno como o assassinato de Henrique IV, a assinatura do Tratado de Verdun ou o casamento de Otto e de Teófano. Ao final, as coisas são apenas manequins, e mesmo os grandes momentos da história universal são apenas roupagens sob as quais elas trocam olhares de conivência com o nada, com o trivial e o banal. Semelhante niilismo é o cerne do aconchego burguês; um estado de espírito que se condensa na embriaguez do haxixe em satisfações satânicas, em saber satânico, em quietude satanica, mas que assim revela como o intérieur dessa época é, ele mesmo, um estimulante da embriaguez e do sonho. Aliás, este estado de espírito implica uma aversão contra o espaço aberto, por assim dizer, uraniano, que lança uma nova luz sobre a extravagante arte decorativa dos espaços interiores da época. Viver dentro deles era como ter se enredado numa teia de aranha espessa, urdida por nós mesmos, na qual os acontecimentos do mundo ficam suspensos, esparsos, como corpos de insetos ressecados. Esta é a toca que não queremos abandonar.
[I 2, 6]
[...] 
“As golas pontudas e os enchimentos nas mangas ... que se imaginava erroneamente ser o traje das antigas damas medievais.” Jacob Falke, Geschichte des modernen Geschmacks, Leipzig, 1866, p. 347.
[I 2a, 2]
[...]
“Como uma odalisca em um divã de bronze reluzente, a orgulhosa cidade alonga-se pelas tépidas colinas do vale sinuoso do Sena, cobertas de vinhedos.” Friedrich Engels, “Von Paris nach Bem”, Die Neue Zeit, XVII, n° 1, Stuttgart, 1899, p. 10.
[I 4, 3]
[...] 

BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-WerkWalter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

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