O “eterno retorno” é a forma fundamental da consciência histórica primeva, mítica. (É uma consciência mítica porque não reflete.)
[D 10, 3]
[...]
Quanto mais a vida é submetida a normas administrativas, mais as pessoas precisam aprender a esperar. O jogo de azar tem o grande fascínio de liberar as pessoas da espera.
[D 10a, 2]
[...]
A crença no progresso, em sua infinita perfectibilidade - uma tarefa infinita da moral e a representação do eterno retorno são complementares. São as antinomias indissolúveis a partir das quais deve ser desenvolvido o conceito dialético do tempo histórico. Diante disso, a idéia do eterno retorno aparece como o “racionalismo raso”, que a crença no progresso tem a má fama de representar, sendo que esta crença pertence à maneira de pensar mítica tanto quanto a representação do eterno retorno.
[D 10a, 5]
Em Paris... elas se extinguem, cheirando a mofo, as passagens que estiveram tanto tempo na moda. As passagens morrem. (...)
[E 1, 5]
[...]
Desapropriações sob Haussmann: “Alguns advogados criaram uma espécie de especialização nesse gênero de negócios... Pleiteou-se a expropriação imobiliária, a expropriação industrial, a expropriação locativa, a expropriação sentimental; falou-se do teto dos pais e do berço dos filhos... ‘Como você fez fortuna?’ perguntava-se a um novo-rico, o qual respondeu: ‘Fui expropriado’... Uma indústria nova se criou que, sob o pretexto de ter em mãos os interesses dos expropriados, não recuou diante de nenhuma fraude... Ela se dirigia de preferência aos pequenos industriais e estava preparada de maneira a lhes fornecer livros de contabilidade detalhados, falsos inventários, supostas mercadorias que, muitas vezes, eram apenas pedaços de madeira embrulhados em papel. Conseguia até mesmo numerosos clientes que atravancavam sua boutique no dia em que o júri vinha fazer a visita regulamentar; inventava aluguéis exagerados, prolongados, previamente datados sobre folhas de velho papel timbrado, do qual conseguira se munir; mandava repintar os magazines como novos e ali instalava calicots improvisados, aos quais pagava três francos por dia. Era uma espécie de gangue que esvaziava o caixa da Cidade.” Du Camp, Paris, VI, pp. 255-256.
[E la, 4]
Crítica de Engels à tática das barricadas: “O máximo que a insurreição pode realizar numa ação realmente tática é o estabelecimento e a defesa de uma única barricada. Todavia, “mesmo na época clássica dos combates de rua, a barricada tinha um efeito ... mais moral do que material. Era um meio de abalar a firmeza dos soldados. Se ela resistisse ate se atingir esse objetivo, estava assegurada a vitória; caso contrario, era a derrota. Friedrich Engels na introdução a Karl Marx, Die Klassenkãmpfe in Frankreich 1848 bis 1850, Berlim, 1895, pp. 13 e 14.
[E 1a, 5]
Tão retrógrada quanto a tática da guerra civil era a ideologia da luta de classes. Marx sobre a revolução de Fevereiro: “Na idéia dos proletários ... que confundiam a aristocracia financeira com a burguesia em geral; na imaginação de comportados cidadãos que negavam ate mesmo a existência de classes ou a admitiam quando muito como uma conseqüência da monarquia constitucional; nas frases hipócritas das frações burguesas excluídas até agora do podei, o domínio da burguesia fora abolido com a proclamação da república. Todos os monarquistas transformaram-se na época em republicanos e todos os milionários de Paris tornaram-se operários. A palavra que melhor correspondia a esta supressão imaginária das relações de classe era fratemité.” Karl Marx, Die Klassenkãmpfe in Frankreich, Berlim, 1895, p. 29.
[E 1a, 6]
[...]
“A reconstrução da cidade ... obrigando o operário a morar em bairros de periferia havia rompido o laço de vizinhança que o ligava ao burguês.” Levasseur, Histoire des Classes Ouvrières et de l’Industrie en France, II, Paris, 1904, p. 775.
[E 2, 1]
“Paris cheira a mofo.” Louis Veuillot, Les Odeurs de Paris, Paris, 1914, p. 14.
[E 2, 2]
[...]
Aberturas no Faubourg St. Antoine: Boulevard Prince Eugène, Mazas, Richard Lenoir como linhas estratégicas.
[E 2, 4]
[...]
Utilização dos ônibus na construção das barricadas. Desatrelavam-se os cavalos, solicitava-se aos passageiros que descessem, os ônibus eram tombados e içava-se no timão a bandeira.
[E 2, 7]
[...]
As Câmaras e Haussmann. “E um dia, nos limites do terror, elas o acusaram de haver criado, em pleno centro de Paris, um deserto! O Boulevard Sébastopol...” Le Corbusier, Urbanisme, Paris, 1925, p. 149.
[E 2, 9]
Muito importante: “Os meios de Haussmann” Ilustrações em Le Corbusier, Urbanisme, p. 150. Os diferentes tipos de pás, enxadas, carroças etc.
[E 2, 10]
Jules Ferry, Comptes Fantastiques d’Haussmann,5 Paris, 1868, panfleto contra o autocrático comportamento financeiro de Haussmann.
[E 2, 11]
“Os traçados de Haussmann eram inteiramente arbitrários; não eram soluções rigorosas de urbanismo, mas medidas de ordem financeira e militar.” Le Corbusier, Urbanisme, Paris, 1925, p. 250.
[E 2a, 1]
“...a impossibilidade de obter autorização para fotografar uma adorável figura de cera que se pode ver no Museu Grévin, à esquerda, quando se passa da sala das celebridades políticas modernas à sala ao fundo da qual, atrás de uma cortina, é apresentada uma soirée no teatro: é uma mulher prendendo, na sombra, sua liga, e que é a única estátua que conheço que tem olhos, olhos de provocação.” André Breton, Nadja, Paris, 1928, pp. 199-200. Associação muito pertinente do motivo da moda com o da perspectiva. ■ Moda ■
[E 2a, 1]
[...]
A preferência de Haussmann por perspectivas representa uma tentativa de impor formas artísticas à técnica (urbanística). Isso sempre leva ao kitsch.
[E 2a, 7]
[...]
“Era preciso, a maior parte do tempo, recorrer ao júri de expropriação. Seus membros, belicosos de nascença, opositores por princípio, mostravam-se generosos em relação a um dinheiro que, pensavam, não lhes custava nada, e do qual cada um esperava beneficiar-se um dia. Numa só audiência, quando a cidade oferecia um milhão e meio, o júri exigia perto de três. Belo campo da especulação! Quem não gostaria de ter sua parte? Havia advogados especialistas na matéria; agência assegurando, por meio de comissão, um bom lucro; procedimentos para simular um aluguel ou uma indústria, para falsificar livros de contabilidade.” Georges Laronze, Le Baron Haussmann, Paris, 1932, pp. 190-191.
[E 4, 1]
Extraído das “Lamentações” contra Haussmann: “Tu viverás para ver a cidade desolada e morna. / Tua glória será grande para aqueles do futuro que chamamos arqueólogos, mas os últimos dias de tua vida serão tristes e envenenados. /.../ E o coração da cidade se endurecera lentamente.7 /.../ Os lagartos, os cães errantes, os ratos reinarão como senhores sobre essas pompas. Os estragos do tempo se acumularão sobre o ouro das sacadas, sobre as pinturas murais. /.../ E a Solidão, a grande deusa dos desertos, virá assentar-se sobre este império novo que tu lhe terás construído graças a um formidável labor.” Paris Désert: Lamentations d’un férémie Haussmannisé, Paris, 1868, pp. 7-8.
[E4, 2]
[...]
“Bonaparte considerava que sua tarefa era a de assegurar a ordem burguesa... Indústria e comércio, os negócios da burguesia, deveriam florescer. Um grande numero de concessões de estradas de ferro foi distribuído, subvenções concedidas, o crédito organizado. A riqueza e o luxo da burguesia aumentam. Nos anos cinqüenta, começam a surgir ... os primeiros magazines parisienses, o ‘Bon Marché’, o ‘Louvre’, a Belle Jardinière . A movimentação financeira do ‘Bon Marché’, que em 1852 era de apenas 450.000 francos, subiu para 21 milhões em 1869.” Gisela Freund, Entwicklungder Photographie in Frankreich, [manuscrito].8
[E 4a, 4]
Por volta de 1830: “As ruas Saint-Denis e Saint-Martin são as grandes artérias desse bairro, abençoadas pelos agitadores. A guerra das ruas era aí de uma facilidade deplorável, bastava arrancar o calçamento, amontoar os móveis das casas vizinhas, as caixas do merceeiro; se necessário, um coche que passava era detido, oferecendo-se galantemente a mão às damas: foi preciso demolir as casas para dar fim a essas Termópilas9. A linha de frente avançava a descoberto, pesadamente equipada e carregada. Um punhado de insurrectos atrás de uma barricada mantinha em xeque um regimento.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, pp. 365-366.
[E 4a, 5]
[...]
“Por mais que se construísse, os edifícios novos não bastavam para receber os expropriados. Daí resultou uma grave crise de aluguéis: eles dobraram. A população, que era de 1.053.000 almas em 1851, passou, depois da anexação, a 1.825.000, em 1866. No fim do Império, Paris contava com 60.000 casas, 612.000 alojamentos, dos quais 481.000 tinham um aluguel inferior a 500 francos. Tinham elevado as casas, abaixado o pé-direito: uma lei teve que fixar um mínimo de 2m 60.” Dubech e D’Espezel, pp. 420-421.
[E 5, 3]
“Os que cercavam o prefeito fizeram fortunas escandalosas. Uma lenda atribui à Sra Haussmann, num salão, uma reflexão ingênua: ‘É curioso, todas as vezes que compramos um imóvel, ali passa um boulevard. Dubech e D’Espezel, p. 423.
[E 5, 4]
“No fim das vastas avenidas, Haussmann construiu monumentos, tendo em vista a perspectiva: o Tribunal do Comércio no fim do Boulevard Sébastopol; igrejas bastardas de todos os estilos, Saint-Augustin, onde Baltard copia o bizantino, um novo Saint-Ambroise, Saint-François-Xavier. No fim da Chaussée-dAntin, a igreja La Trinité imita a Renascença. Sainte-Clotilde imitava o gótico; Saint-Jean de Belleville, Saint-Marcel, Saint-Bernard, Saint-Eugène nascem dos horríveis enlaces do falso gótico com a construção em ferro... Quando Haussmann teve boas idéias, ele as realizou mal. Ateve-se muito às perspectivas; teve o cuidado de edificar monumentos no fim de suas vias retilíneas; a idéia era excelente, mas quanta inépcia na execução: o Boulevard Strasbourg enquadra a enorme escadaria do Tribunal de Comércio e a Avenue de 1’Opéra termina no cubículo do porteiro do Hôtel do Louvre.” Dubech e D’Espezel, pp. 416, 425.
[E 5, 5]
22 Em alemão Gründerjahre, literalmente os “anos dos fundadores”. Este período, que se iniciou com a unificação da Alemanha, em 1871, é caracterizado por um intenso ritmo de industrialização e das atividades económico-financeiras em geral, (w.b.)
5 Cf. "Passagens Parisienses ", <0 70=""> e nota.0>
<0 70="" style="font-family: georgia;">7 Cf . Velho Testamento, Lamentações 3. (w.b.) 0>
<0 70="" style="font-family: georgia;">8 Ver agora Gisèle Freund, Photographie und bürgerliche Gesellschaft: Eine kunstsoziologische Studie, Munique, 1968 (Passagen), p. 67. (R.T.)0>
<0 70="" style="font-family: georgia;">9 Desfiladeiro na Grécia, celebrizado pela resistência heróica, em 480 a. C, de trezentos guerreiros espartanos, sob o comando de Leónidas, contra o exército persa de Xerxes. (w.b.)0>
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

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