• tacet: 05/2008

    14.5.08

    PRELÚDIO, TOCCATA E FUGA

    I. Andantino, sognando
    Quando me encontrei onde nasci, pela primeira vez, de uma vez que deslembro, a ânsia de beleza em mim era anterior a mim. Poucos, aos poucos, vi aqui ali outros ansiando pela beleza. Há no homem ânsia de beleza; como há estâncias do mal. Instâncias de feiúra em ouro: desdouros.

    E no princípio era o ondear das mulheres, sinuosas melodias das curvas, canções, cabelos soltos, perfumes, melancolias.
    E no princípio eram os contos de fadas, de fados, e as imaginações.
    E no princípio era o instante que um encanto visiona guardado (imenso) na relembrança, fixado pela música que se desse pelo ar. A música não tinha que ser bela, ela se alava à beleza pelo que haveria de ser o mimo da memória.

    Como cantares de fundo de quintal de pequeninas casas nos confins das cidades em manhãs de domingo. Como sobejos de rádios remotos. Como cantoria de alto-falantes de parques de diversões. Como realejos. Como cantos de rua. Sinos dobrando. Chiados de velhos discos de cantigas longínquas. A polonaise de Chopin, o concerto de Rachmaninov, Noches de Ronda aconteciam na obscuridade do cinema. Le lac de Côme. A vendedora de flores, e pianos antigos, escuros esguios olorosos.

    II. Agitato molto rubato
    Atrás dos princípios vieram os anos de aprendizado, de educação sentimental – o romance de formação.
    Tal Colombo, qual Cabral, há quinhentos anos: em trajetos de descobertas do novo mundo, eu singrava “velhos mares há muito navegados” em percursos de descobertas do velho mundo. Zingro, ainda. “Dez caravelas e três navios redondos”.
    — Como um navio redondo?

    A educação — ao mesmo tempo alambica memórias e estrutura preconceitos. A beleza existia — em parte antes de mim — em parte enquanto me disseram dela. Gostava que a beleza tivesse sempre existido. Talvez que a beleza tenha sempre existido, mas sabemos tão pouco dela: duas ou três coisas: e mais não compreenderíamos quanto de eternidades e infinitos. “Essas coisas não são segredos, mas mistérios”. Sem acordos nem certezas. “Pergunte a um sapo se ele acha Sharon Stone mais bela que uma sapa?”

    “Alcandorou-se em seu saber” (Laudelino Freire)

    Hoje me sublimo em pensar nos tempos de aprendizado; não, certamente, em saberes que alcandoram. Alcândoras. Ai de mim, os falcoeiros! Em francês: LEURRER (voir a ce mot).
    “A arte burguesa não é eterna, como se pensa, é apenas arte de uma classe, da classe dominante”. (Eisler)
    “A ideologia pode não explicar tudo, mas impregna tudo”. (Girard)

    III. Precipitato, senza affretare
    “A produção capitalista é hostil a determinados aspectos da produção intelectual, como a arte, a poesia”. (Marx)
    E não há uma língua musical erudita falada no capitalismo. Mesmo que existam pessoas falando. Muitos dão a impressão de loucos que falam sozinhos. Mas não existe língua que assegure entendimento entre as partes: nem de quem fala, nem de quem escuta. E a beleza se torna difícil, muito difícil.
    “No equilíbrio do homem não cabe a exploração capitalista. Um estômago com fome não é um corpo com fome mas um espírito humilhado”.
    E a beleza se torna difícil, muito difícil. Como trabalharia Bach entre nós, hoje? Cantatas já não se cantam, Toccatas não se tocam, Suítes (de rocks?). E Mozart, Schubert, como haveriam de organizar as alturas? E se Monteverdi estivesse desempregado na atual economia de mercado global — sem brilhos evidentes de inteligência emocional — que Gonzaga avaliaria, entre tantas, a beleza de sua música?
    “Dom Quixote já expiou o erro de acreditar que a cavalaria andante era compatível com todas as formas econômicas da sociedade”.
    “O meio de produção na vida material determina os processos da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência moral dos homens que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social que lhes determina a consciência moral”.
    Tudo o que tinha solidez e permanência extingue-se em fumaça, todo o sagrado é profanado, e os homens vêem-se finalmente obrigados a encarar as suas condições de existência e relações recíprocas com expressões de desilusão.

    CODA I.
    Uma reticência...
    Musicalmente, duas verdades são possíveis de serem expressas: uma estrutural e outra passional; mas é na estrutural que todo o pensamento musical encontra sua unidade.
    De um lado temos, pois, a verdade passional, interpretando a “outra área do discurso”: as sensações. E qualquer definição e/ou explicação que se proponha nesta área desembocaria inevitavelmente numa aporia.
    O conjunto de nossos sentimentos integra nossa linguagem privada (uma e uma só para cada indivíduo) e qualquer esforço de verbalização deve ser estimado como uma tentativa (prenhe de “sugestões” mas ineficaz ao nível de definição) e que ainda será submetida a uma outra apreensão (modulada pela linguagem privada de um ou outro indivíduo) à qual eu não tenho pleno acesso.
    Assim, recordemos Wittgenstein: “o que não se pode falar deve-se calar”. O silêncio consentido, o silêncio com sentido. E ainda: a paixão prescinde da razão para se impor, e revela-se por isso mesmo ineficiente para nos conduzir até a ontologia da linguagem; e muito menos como ferramenta de análise para um juízo de valor. A paixão é do domínio da “sugestão”, da ambigüidade, do inefável.
    A verdade estrutural é apodíctica [incontestável]. Move-se pela consistência dos relacionamentos entre os elementos (factuais) que compõem os discursos. A Sintaxe.

    II. ... entre parênteses
    Estão no modo como os elementos se organizam, os dados para a decodificação semântica: signos que não apontam para fora — não simbolizam — se auto-denotam expressando funções (“vigiando/ duvidando/ rolando/ brilhando e meditando/ antes de se deter/ em algum ponto último que o sagre”): as significações se estabelecendo em função do contexto.

    Cada obra lançando seus dados, emitindo seu próprio código! E, quanto mais estreitas as relações; quanto mais numerosas sejam as trocas de informações entre os elementos; quanto mais orgânico se manifesta o todo, uno.

    A verdade estrutural é humana (sensível) porquanto se mostra como metáfora da vida orgânica e não como se pretende (partindo-se de quantas direções filosóficas!), formalista e desvinculada do Homem: como se o Homem fosse só paixão: como se o pensamento lógico não fosse (de resto) o elemento distintivo entre o Homem e o animal.
    A verdade estrutural alia o conhecimento das operações (lúdicas) à capacidade criativa (imponderável) o que torna possível novas operações, e só então se revela a ontologia de linguagem musical. O jogo estrutural manifesta no máximo uma capacidade imaginativa atada à mimeses; a verdade estrutural é o testemunho da capacidade criativa (e transformadora; o domínio do Homem sobre a Natureza).
    Se a verdade estrutural exclui o jogo estrutural porque o ultrapassa, não exclui a verdade passional porque não a alcança. Mas a verdade passional só é efetiva quando se apropria da verdade estrutural para se tornar transparente. A verdade estrutural é uma manifestação da “paixão” do pensamento lógico.
    Aquilo que não se pode falar, deve-se silenciar. Aqui não é o resto que é silêncio, é tudo.

    (Willy Corrêa de Oliveira)
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    Quatro recitais do Willy, com o próprio Willy falando.
    CPFL Cultura — Rua Jorge Figueiredo Corrêa, 1.632
    Chácara Primavera Campinas SP (Ao lado da estrada São Pedro)
    Grátis

    Sáb 10 de Mai 20h (já foi)
    Discurso do Método

    Dois Prelúdios para Piano (1971-1975)
    Piano: Horácio Gouveia
    Três Instantes para Piano (1977)
    Piano: Horácio Gouveia

    Miserere (15 miniaturas, 1999)
    Piano: Maurício De Bonis

    Canções:
    - Song (poema: Seamus Heaney, 2003)
    - 4 Canções sobre poemas de Jorge Koshiyama (2001)
    - Infância (poema: João Cabral de Melo Neto, 2002-2003)
    - Rua Colômbia, 20 (poema: Rainer Maria Rilke, 2001)
    Soprano: Caroline De Comi
    Piano: Maurício De Bonis

    Cicatristeza (1973) (poema de Augusto de Campos)
    Mezzo-soprano: Anna Maria Kieffer

    Sáb 17 de Mai 20h
    Retrato do Artista Quando Só

    In Memoriam Philadelpho Menezes (2000)
    Flauta doce: Cesar Villavicencio

    Gesang des Abends (1973)
    Flauta: Rogério Wolf

    Viola Azul (1999)
    Viola: Marcelo Jaffé

    Aria prima,
    Aria seconda,
    Aria terza
    ed Aria quarta, per clarinetto basso (2005)
    Clarone: Paulo Passos

    Sete Valsas para piano
    - Valsa no fim do ano (2002)
    - Anna A.:para piano, uma valsa: lendo Hamlet (1990, rev. 1995)
    - Giz Negro e Gouache: Egon Schiele (1993)
    - Valse: desde um quadro de Orlando Marcucci (1991)
    - Waltz: ouvida através da neblina (1993)
    - Rua do Padre Inglês nº 154: estampa recifense (1996)
    - Valsa da Eterna Primavera (1995)
    Piano: Lilian Tonella
    *Lilian Tonella excursiona com apoio da Universidade Anadolu, da Turquia

    Solitude, per tromba(do) solo (2001)
    Trompete: Bruno Lourensetto, em performance cênica
    [orientação: Sérgio Cascapera]

    Sáb 24 de Mai 20h
    In memoriam

    Recife, Infância: Espelhos... (peças infantis, 1988)
    Piano: Beatriz Roman* a confirmar

    Ciclo Zen (1988)
    - Pequena Peça Zen
    - In memoriam Blás de Otero
    - In memoriam Andrei Tarkovsky
    - 11 de dezembro de 1988: um cântico antigo
    Piano: Beatriz Roman * a confirmar

    Solos I, II e III, per violoncello (2002)
    Violoncelo: Adriana Holtz

    Elegia (1999)
    J’enfonce dans leus feuilles mortes (1999)
    Pizzicato Xote (1999-2000)
    Violoncelo: Adriana Holtz
    Contrabaixo: Pedro Gadelha

    - Trini llorando en el film de Aranda
    - Marién
    - Rilke en Noches de Ronda
    - Intensidad
    - Al Sueño (para Flávio Apro)
    Violão: Flávio Apro

    Canções (dedicadas a Caroline De Comi)
    - Lluvia (poema: Manoel Altolaguirre) (2003)
    - Cristal (poema: Paul Celan) (2001)
    - Canções de Celan (poemas: Paul Celan) (2002)
    - In memoriam Mompou (texto anônimo, circa 1000 d.C.) (2007)
    Soprano: Caroline De Comi
    Piano: Maurício De Bonis

    Sáb 31 de Mai 20h
    Prosa ao Anverso

    Prelúdio – Langsam und zart (dedicado a Sonia Rubinsky, 2007)
    Piano: Sonia Rubinsky

    Je vous salue, Marie (2000)
    (texto litúrgico)
    Sopranos: Andrea Kaiser e Heloísa Petri

    Stein und Shaften (2004)
    (poema: Paul Celan)
    Soprano: Andrea Kaiser
    Percussão: Joaquim Abreu

    A Voz do Canavial (2001)
    (poema: João Cabral de Melo Neto)
    Soprano: Andrea Kaiser
    Percussão: Joaquim Abreu

    Um Kit para Keats (teatro musical, 2004)
    (poema: Florivaldo Menezes)
    Soprano: Heloísa Petri
    Percussão: Joaquim Abreu

    Madrigale: In my craft or sullen art (dedicado ao Núcleo Hespérides, 2003)
    (poema: Dylan Thomas)
    Interpretação: Núcleo Hespérides

    Lendo Hamlet (1990)
    (poema: Ana Akhmatova)
    Soprano: Martha Herr
    Piano: André Rangel

    Ophelia: In defense of the Queen (dedicado a Martha Herr, 1998)
    (poema: Marina Tsvetaeva)
    Soprano: Martha Herr
    Piano: André Rangel

    Ophelia (dedicado a Martha Herr, 2006)
    (colaborações poéticas de Ana Akhmatova e Marina Tsvetaeva)
    Soprano: Martha Herr, em performance cênica

    10.5.08

    Willy Manifesto

    Estou para escrever sobre isso faz tempo (mas estou somente agora): mais do que vale a pena ver os 4 concertos do Willy Correa de Oliveira que vão ter no Espaço Cultural CPFL (agora é CPFL Cultura). Todas as obras serão tocadas por instrumentistas muito bons, a maioria para quem as obras foram dedicadas.
    Todos os sábados de maio (a partir de hoje), às 20h, grátis.
    Vejam todas as informações no site.
    A curadoria da Regina Porto para concertos na CPFL é excelente (eu fui a todos), mas esta será a melhor.

    5.5.08

    quarta-feira,7 de maio de 2008

    coisas legais na quarta desta semana:
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    Dimos Goudaroulis

    Violoncelista toca obras do dramático holandês Kox; do grego Theodorakis, que também compõe trilhas para filmes (como Zorba, o Grego); do grande belga Pousser, professor de importantes compositores brasileiros de várias gerações; do Sílvio Ferraz e uma própria.

    Hans Kox Sonate (1959)
    — ———Allegro moderato enérgico
    — ———Adagio cantabile
    — ———Allegro molto
    — ——— Allegro ma non troppo
    — ——— Largo
    Henri POUSSEUR La ligne des toits (1967)
    Mikis THEODORAKIS Choros Asíkikos (1989)
    — ———— I Allegro
    — ————II Allegro
    — ————III Presto
    — ————IV Recitativo, Andante
    — ————V Lento
    — ————VI Allegro moderato
    — ————VII Allegro moderato
    — ————VIII Grave
    — ————IX Vivace
    — ————Andante
    — ————Largo
    Dimos Goudaroulis Simorg (1994)
    Silvio Ferraz luna, mujer y toro (1999)


    CAIXA Cultural — Grande Salão
    Dimos Goudaroulis, (violoncelo)
    Praça da Sé, 111 — Centro. Tel.: (11) 3321—4400.
    $ Grátis
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    MACARTISMO NA SESSÃO DO COMODORO

    a> “OS DEZ DE HOLLYWOOD
    The Hollywood Ten (EUA - 1950)
    Legendas em português
    Diretor: John Berry
    Duração: 15 minutos
    INFORMAÇÕES (Fórum MAKING-OF)
    Grupo de profissionais da indústria cinematográfica que, em 1947, recusaram testemunhar perante o Comitê de Investigação de Atividades Anti-Americanas, alegando proteção da Constituição Norte-Americana. Estes profissionais eram suspeitos de atividades comunistas e por causa da sua recusa foram acusados de desrespeito e presos. Após a sua libertação os seus nomes passaram a constar da lista negra e foram impedidos de trabalhar na indústria cinematográfica, embora alguns tenham trabalhado sob o disfarce de pseudônimos. Os Dez de Hollywood eram: os realizadores Herbert Biberman e Edward Dmytryk, o produtor Adrian Scott e os argumentistas Lester Cole, Albert Maltz, Samuel Ornitz, Dalton Trumbo, Ring Lardner Jr., John Howard Lawson e Alvah Bessie.
    NOTA
    Dirigido por John Berry (que entrou na "lista negra" por ter feito este filme), este documentário didático mostra uma pequena biografia de cada um dos dez acusados e permite ao grupo explicar a razão de se recusarem a responder as perguntas da comissão macartista.
    OS FILHOS DE HITLER
    Hitler's Children (EUA - 1943)
    Legendas em espanhol
    Diretor: Edward Dmytryk e Irving Reis (não acreditado)
    Roteiro: Emmet Lavery, baseado em livro de Gregor Ziemer ("Education for Death")
    Produtor: Edward A. Golden
    Música Original: Roy Webb
    Fotografia: Russell Metty
    Montagem: Joseph Noriega
    Elenco: Tim Holt, Bonita Granville, Kent Smith, Otto Kruger e Peter van Eyck.
    SINOPSE
    O professor Nichols (Kent Smith), da American Colony School,em Berlim, é vizinho de uma escola da juventude hitlerista. Ele testemunha a crescente histeria que assola a Alemanha, espelhada nas atitudes do Dr. Schmidt (Erford Gage), que encoraja seus alunos a dedicarem a vida a Adolf Hitler e se atracarem com os americanos. O professor testemunha também o dilema do estudante nazista Karl (Tim Holt), que foi - no passado - atraído por Anna (Bonita Granville), uma americana de origem germânica. Karl se torna oficial da Gestapo e é instado a afastar Anna, que perdeu a cidadania alemã, da American Colony School.
    ...às 21.30, no CineSesc, e as senhas gratuitas estarão disponíveis a partir das 21.00 horas na bilheteria do cinema.” Leiam mais no Reduto.

    p.s.- E hoje assistirei o Nelson Freire abrindo a temporada do Cultura Artística, tocando:
    Mozart - Sonata em lá maior K 331
    Beethoven - Sonata em lá bemol maior, Op.110
    Chopin - Barcarola em fá sustenido maior Op. 60
    Debussy - Oito prelúdios (1° caderno)
    Ele iria tocar todos os prelúdios de Debussy, mas acabou voltando atrás. È uma pena, mas provavelmente não para o público conservador do Teatro Cultura Artística (mas o repertório é muito bom, assim como o das outras apresentações que terão Bach, Schumann, Shostakovich e Scriábin).

    p.s.2- É engraçado, mas um dos membros desta quarta irá hoje neste concerto, e eu encontrei com ele ontem na Barcelona.


    p.s.3- E outro membro desta quarta eu encontrei anteontem na Barcelona.

    p.s.4- Estou escrevendo, Otacílio.