Caríssimo Brasil,
Estamos exaurindo rapidamente nossas chances derradeiras de salvar o
planeta e seus povos. Nosso mundo está mudando mais rápido que nunca e
forçando-nos a adaptar mais rapidamente se quisermos sobreviver. De uma
sociedade caçadora-coletora à agricultura, da agricultura à indústria,
da indústria ao que quer esteja tomando forma agora – um novo estado
para o qual sequer há nome ainda – a humanidade já se deparou com esse
tipo de mudança de grandes proporções antes, embora não seja frequente.
Tais transições não são causadas por forças políticas, mas pelos
irrefreáveis movimentos da maré da história e da tecnologia, uma maré em
que podemos guiar nossas embarcações para nosso proveito, ou sermos
varridos por ela. A Terra está mudando, mudando pela necessidade de se
tornar um lugar novo, e apenas nos resta mudar com ela ou então abrir
mão para sempre da biosfera que nos mantém. Acredito que a maioria das
pessoas sabe disso bem dentro de seus corações e sente isso em seus
estômagos.
Ainda assim, aproximadamente ao longo dos últimos 5 anos nós vimos
por todo o planeta o ressurgimento voraz exatamente das ideias
político-econômicas que nos colocaram nessa situação obviamente
desastrosa desde o princípio. A escancarada agressividade desse avanço
da extrema-direita me parece tão violenta, e ainda assim desconectada de
qualquer realidade, que ela somente pode ser originária do desespero; o
medo histérico sentido por aqueles que estão mais bem-posicionados nas
estruturas de poder do mundo, que sabem que o novo mundo pode, em última
instância, não ter mais lugar para eles. Temerosos por suas próprias
existências e pela existência da visão de mundo do qual se beneficiam,
ao longo deste último quinquênio eles encheram o palco mundial com
personagens de pantomima cada vez mais barulhentos, exagerados e
fanfarrões, para os quais nenhum ato é corrompido ou desumano em excesso
e nenhuma linha de argumentação é descaradamente absurda.
Desavergonhadamente monstruosos, eles têm perseguido minorias raciais
e religiosas, ou seus povos nativos, ou os pobres, ou as mulheres, ou
pessoas de outras sexualidades, ou todos estes juntos. Enquanto a
pandemia ainda se desenvolvia, eles colocaram seus posicionamentos
políticos e suas doutrinas financeiras acima da segurança de suas
populações, capitaneando centenas de milhares de mortes potencialmente
desnecessárias; centenas de milhares de famílias devastadas, e de
comunidades devastadas. Com suas nações em chamas, ou inundadas, ou
desidratadas pela seca, eles insistiram que as mudanças climáticas eram
uma falsidade da esquerda para incomodar a indústria e rotularam como
terroristas os ativistas ambientais e sociais. Adotando o estilo
circense-fascista do italiano Silvio Berlusconi, nós tivemos o perigoso
teatro de insurreição de Donald Trump na América e as desgraças
destrutivas de Boris Johnson e (atualmente) seus substitutos no Reino
Unido. E, é claro, o Brasil vem tendo Jair Bolsonaro.
Apesar de nós do Hemisfério Norte obviamente contribuirmos muito além
da nossa cota de figuras políticas horrendas para a situação do mundo,
eu não conheço ninguém com um pingo de consciência e compaixão que não
se choque com o que Bolsonaro, ao assumir o cargo na marola de Trump,
fez com seu grande e lindo país, junto com o que continua a fazer com o
nosso relativamente pequeno e ainda belo planeta. Nós assistimos com
desespero enquanto, rezando pela mesma cartilha de sua inspiração
americana, Bolsonaro atacou os povos indígenas do Brasil, os seus
homossexuais e os direitos de suas mulheres de interromper de forma
segura a gravidez, alimentando um incontrolável incêndio de ódio como
cortina de fumaça para suas agendas sociais e econômicas, enquanto ao
mesmo tempo inundava sua cultura com armas. Vimos ele tentar se gabar de
seu jeito de lidar com a pandemia jorrando sua idiotice anti-vacinal, e
também observamos a expansão territorial dos cemitérios feitos às
pressas; covas lado a lado no solo cinza com flores mortas dispersas e
lápides improvisadas trazendo cor.
Presenciamos como ele respondeu à proposta de novas leis ambientais
internacionais pela simples intensificação de sua devastação suicida das
florestas tropicais, asfixiando nossa atmosfera com a queima de
florestas, desalojando ou executando pessoas que viveram nestas regiões
por gerações, supostamente em conluio ou fazendo vistas grossas para o
assassinato de jornalistas que investigavam a brutalidade dessa limpeza
étnica. Uma respeitada revista científica britânica da qual sou
assinante, New Scientist, recentemente descreveu as próximas eleições
como possivelmente o ponto crítico sem retorno na batalha de vida ou
morte de nossa espécie contra a catástrofe climática que nós mesmos
causamos. Em poucas palavras, ou Jair Bolsonaro continuará,
lucrativamente, satisfazendo os interesses corporativos que o apoiam, ou
nossos netos terão o que comer e respirar. É uma coisa ou outra.
Na qualidade de anarquista, existem pouquíssimos líderes políticos
que eu seria completamente capaz de tolerar, e menos ainda os que eu
poderia endossar, mas por tudo que soube e li a respeito, Luiz da Silva,
o Lula, parece ser um indivíduo tão raro. Suas políticas parecem ser
justas, humanas e concretizáveis e, da forma como entendo, ele se
comprometeu a reverter muitas das decisões tão desastrosas de Bolsonaro.
Reparar o estrago destes últimos 5 anos certamente não será fácil e nem
será barato, e [Luiz Inácio Lula] da Silva estará herdando um cenário
político terrivelmente desfigurado. Mas pelo menos já dá pra ver que ele
parece ser um candidato que reconhece que a humanidade está
atravessando uma das mais incomuns transformações sísmicas e percebe que
precisamos mudar a forma como vivemos se efetivamente quisermos
sobreviver. Ele parece ser um político comprometido com o futuro, com
seu trabalho honesto e com suas possibilidades justas e maravilhosas, e é
melhor que a flagelante e devastadora agonia fatal de um passado sem
sustentabilidade.
A próxima eleição no Brasil se encontra equilibrada sobre o fio de
uma faca. E, por tudo que eu disse acima, o mundo inteiro depende dela.
Se você alguma vez apreciou alguma das minhas obras ou sentiu alguma
empatia pelas inclinações humanitárias delas, então, por favor, saia e
vote por um futuro apropriado para seres humanos, por um mundo que seja
mais que as latrinas de ouro de suas corporações e de suas marionetes.
Vamos colocar as injustiças dos últimos 5 anos, ou talvez dos últimos 500 anos, no passado.
Com amor e com confiança,
De seu amigo,
Alan Moore – bjs
Rata Cruel
Do Gigante Carlos Trillo e desenho de Felix Saborido.
El Libro de Fierro. Ediciones de la Urraca. Buenos Aires. Enero, 1987.
Squeak The Mouse
Squeak The Mouse está de volta! Estrelada pela mais escandalosa dupla de gato e rato da história da cultura pop mundial, Squeak the Mouse
retorna em uma edição de luxo, em capa dura, que reúne tudo o que foi
publicado e também dezenas de páginas inéditas até hoje. Em um
lançamento simultâneo com a Europa.
A HQ é uma sarcástica paródia que leva a
extremo a violência
típica dos desenhos animados norte-americanos,
misturando isso com clichês de filmes de terror e pornôs. Lançada
originalmente nos anos 1980, na legendária revista italiana
Frigidaire
(a mesma do Ranxerox e de autores como Andrea Pazienza e Tanino
Liberatore), Squeak the Mouse tornou-se um fenômeno mundial. Nos Estados
Unidos foi a inspiração para Matt Groening criar a dupla Comichão e
Coçadinha, astros do desenho animado favorito do Bart Simpson. No
Brasil,
Squeak the Mouse foi publicada na revista
Animal, e tornou-se imediatamente um dos maiores sucessos da revista.
Autor:
Massimo Mattioli estreou como quadrinista em 1967, na revista católica Il Vittorioso. Nos anos 70, criou a série M le Magicien para a Pif, revista infanto-juvenil ligada ao Partido Comunista Francês, mas também a série Pinky, para a revista católica Il Giornalino. Então, em 1977, junto com Stefano Tamburini, criou a revista Cannibale, que revolucionou os quadrinhos italianos. Logo depois, Matiolli foi um dos fundadores da revista Frigidaire, que é onde estreia a série Squeak the Mouse. De
lá para cá, Mattioli recebeu alguns dos principais prêmios dos
quadrinhos europeus, tem publicado nos melhores gibis da Europa, e
também em revistas como a Vogue e Vanity Fair.
editora Veneta