Bouncer é o distinto proprietário do Infierno, um
dos saloons de Barro City, mais uma dessas áridas cidades do Velho
Oeste, onde é mais fácil encontrar uísque adulterado do que água, e onde
é mais provável encontrar a morte do que um filão de ouro.
Seja com seu revólver, sua faca ou seu punho, Bouncer não se defende
nada mal para um homem com um braço só. Ele não é particularmente
violento, mas não hesita em matar para defender o que lhe parece justo. E
mais uma vez, para vingar aqueles que ama, Bouncer terá que fazer uma
jornada ao Inferno e de volta.
A Comix Zone! tem a honra de apresentar ao público brasileiro as
incríveis aventuras de Bouncer, criado por Alejandro Jodorowsky e
François Boucq, dois autores tão cultuados quanto seu personagem. A
edição tem formato grande, capa dura, 128 páginas em cores, impressas em
papel offset de alta gramatura.
Sempre tive uma linha de pensamento
criativo drasticamente estrutural. Um dia (2000 e pouco) descobri Peter
Kubelka. Ele tinha ido muito além do que eu tinha medo de fazer. Fiz um
trabalho em sua homenagem. Depois, continuei, até um dia em que o Carlos
Reichenbach (Carlão) começou a Seção Dupla do Comodoro.Conheço
Carlão por várias variantes; desde o cara que frequento a sua casa
desde pequeno (minha irmã é amiga de sua filha, eu tenho a idade do
filho do meio); entre os seus mais variados tipos de filmes, prefiro
Filme Demência; Olhar e Sensação; e, acima de tudo, Alma Corsária; e o
cara que encontrava na rua de São Paulo.
Na primeira Seção, dois filmes: Prelúdio para Matar, de Dario Argento, me fez balançar a minha lógica.
Intervalo.
Santa Sangre, de Jodorowsky, com roteiro dele e do Claudio Argento.
Daí mudou tudo. Sempre que conseguia eu assistia as suas películas, ou no Comodoro — que eu sempre ia —, ou na Cinemateca.
Um
dia, no CCBB, teve uma mostra de todos os seus filmes, com a presença
do próprio e palestras. Vi todos, realizados até então (Santa Sangre),
sentado do lado dele. No dia do encontro tarólogo, várias pessoas que eu
via em São Paulo acabavam entrando em um ponto tão estremo, que nunca
mais vi nenhuma delas.
Em uma das palestras, alguém pergunta sobre o quadrinho — que tinha saído no século passado no Brasil — dele com o Mœbius. Cheguei em casa e fui ver. Lá estava, sempre conheci o cara: Os Olhos do Gato.
Na sequencia (2007-8?), comecei a procurar os quadrinhos.
Alejandro Jodorowsky
viveu tantas vidas que um livro não bastaria para resumi-las todas.
Chegando a Paris de seu país natal, o Chile, em 1953, foi sucessivamente
marionetista, artista de circo, dramaturgo, diretor, poeta, romancista e
ensaísta. Apaixonado por filosofia, psicanálise e esoterismo,
acompanhou o movimento surrealista, depois fundou o grupo Panique com
Arrabal e Topor. Criou igualmente o Cabaret Mystique, uma espécie de
ágora moderna e itinerante onde se misturam zen, artes marciais,
misticismo transcendental, psicanálise e tradição chilena. Apaixonado
por imagens e pela escrita, é quase lógico que seu caminho cruzasse o
das histórias em quadrinhos. Faz uma primeira incursão em 1966 (Anibal 5,
produzida com Moro), mas é o encontro com Mœbius, em 1975, que
estimula de modo mais duradouro seu interesse pelos quadros e balões.
Jodorowsky conhece o desenhista durante um projeto de adaptação
cinematográfica de Duna, de Frank Herbert, que jamais veria a luz
do dia. Paradoxalmente, da interrupção dessa criação nascerá uma obra
única no gênero, que mistura ficção científica, esoterismo e simbolismo
alquímico. O Incal irá por sua vez engendrar um universo que contribuiu para a era de ouro da Métal Hurlant, da (À Suivre) e da Humanoïdes Associés, e cujo sucesso iria consolidar definitivamente o lugar de Jodorowsky entre os grandes quadrinistas.
François Boucq iniciou sua carreira como ilustrador editorial, fazendo caricaturas para revistas renomadas como Le Point, L’Expansion ou Privé,
mas foi nos quadrinhos que ele realmente explodiu. De sua experiência
prévia, traz um gosto acentuado por rostos expressivos e pelo desenho
detalhado, aprimorado por um senso incomum de enquadramento e encenação.
Torna-se conhecido por suas histórias de humor, nas quais o absurdo
frequentemente concorre com a paródia. Cria o personagem Jérôme
Moucherot, um agente de seguros diferente dos demais, que percorre a
selva da existência em trajes de leopardo. Dotado
de uma capacidade incomum de trabalho (já aconteceu de desenhar até
duas pranchas por dia, sem jamais abrir mão da qualidade que construiu
sua reputação), François Boucq renuncia de bom grado ao humor para se
dedicar a narrativas mais realistas. Adapta assim o romancista americano
Jerome Charyn (Boca do Diabo, A Mulher do Mágico, Little Tulip), cria Cara de Lua na revista (À Suivre) com Alejandro Jodorowsky – com quem em seguida desbravaria o Velho Oeste nas páginas de Bouncer – e explora o serviço secreto do Vaticano com Yves Sente (Le Janitor).
Herdeiro de Franquin e Mœbius, Boucq abriu portas no desenho realista.
Ao longo dos anos, sua síntese de caricatura e rigor, legibilidade e
precisão do desenho, originou um estilo único, que lhe permite dar vida a
qualquer gênero de narrativa com o mesmo brio.