Recital com o pianista Mauricio De Bonis e a soprano Caroline De Comi executando obras de Willy Corrêa de Oliveira. Junto acontecerá o lançamento de seu ultimo livro: 5 advertências sobre a Voragem
Projeto Música para Todos – Ciclo de Música Erudita
Concerto: Canções e peças para piano de Willy Corrêa de Oliveira
Repertório:
Lluvia, para canto e piano - versos de Manoel Altolaguirre
Song, para canto e piano - versos de Seamus Heaney
Miserere, ciclo de peças para piano
Infância (1ª versão) para canto e piano - versos de João Cabral de Melo Neto
Infância (2ª versão) para canto e piano - versos de João Cabral de Melo Neto
Infância (3ª versão) para canto e piano - versos de João Cabral de Melo Neto
Teatro Coletivo Rua da Consolação, 1623
Dia 06 de agosto (sexta-feira), 21h
Entrada Franca
Informações: (11) 3255 5922
sobre o livro:
título:
Cinco advertências sobre a Voragem
autor: Willy Corrêa de Oliveira
revisão: Alexandre Barbosa de Souza
projeto gráfico: Paulo Vidal de Castro & Thais Vilanova
colaboradores: André de Cillo Rodrigues, Lauren Couto Fernandes, Thiago Senna, João Daniel, Luis Felipe S. Corrêa, Carlos Zeron, Marcelo Martorelli Vessoni e Jorge de Almerida
editora:
Luzes no Asfalto
tipos: Minion Pro
& Meta
número de páginas: 224
Retrato do artista em movimento
Ao longo de aulas reunidas em Cinco
Advertências Sobre a Voragem, o compositor Willy Corrêa de Oliveira
relembra a sua trajetória - dos anos de comunismo até a retomada do
''anseio pela arte''
João Marcos Coelho,
O Estado de S.Paulo
23 Outubro 2010 | 00h00
Escrever música, para mim, tornou-se algo semelhante a um
louco que aplacasse sua loucura escrevendo cartas; como não dispõe de
destinatário, não tem para quem escrever, com quem se corresponder,
escreve para si mesmo. Vai ao correio, como todo mundo que tem cartas
para enviar, sela, e manda para seu próprio endereço. E aguarda. E
continua a escrever outras.
Mandar cartas sonoras para si mesmo é como esperar Godot,
"rien à faire". "E agora, José?", não há mais por que lutar após a Queda
do Muro de Berlim; não há sentido mais em fazer música nas portas de
fábricas. E muito menos em reassumir o posto de compositor contemporâneo
burguês. O que fazer? Escrever música, apesar de tudo. Música como
"muleta, a arte como consolação, como um meio de escapar da morte. Isso!
Escrever músicas tornou-se pra mim, ao mesmo tempo que um lenitivo, um
diálogo de vida ou morte com a criação".
Há um sentimento claro de desesperança e resignação no
núcleo mais profundo do novo livro do compositor Willy Corrêa de
Oliveira, Cinco Advertências sobre a Voragem. Willy é um dos mais
importantes criadores e pensadores musicais brasileiros do último meio
século. Sua ideia-mestra nas cinco aulas no Departamento de História da
USP transcritas no livro é dupla: aos historiadores, recomenda que
pensem a música como sinal do mundo; e aos músicos, que escutem a
História como um sinal que perpassa a música.
Mas, aos 72 anos, ele as acaba transformando em mais uma
entre várias recriações obsessivas de seu trajeto como compositor. As
duas primeiras - Como me tornei um compositor e O artista incompreendido
- já são de há muito conhecidas. Entretanto, sua leitura entusiasma.
Mesmo para quem sabe de cor as passagens de Hanns Eisler e Bertolt
Brecht que ele não se cansa de repetir (com notável verve,
reconheça-se).
Vocábulos bíblicos pululam nas páginas da surpreendente
terceira advertência, intitulada O artista comunista. Dúvidas atrozes
rondavam seu dia a dia. Treze páginas, sobretudo, são antológicas. Qual
Saulo de Tarso, o perseguidor dos cristãos na Roma antiga que ajudou a
apedrejar Estevão e converteu-se no apóstolo Paulo ao ter uma visão a
caminho de Damasco, Willy converteu-se assistindo a uma encenação do
Moteto dos Passos de Cristo na Sexta-Feira Santa de 1982 em Prados,
Minas Gerais. "Foi estranhíssimo, me veio assim uma certeza assim
avassaladora mesmo, alucinante: Deus existe (...) uma certeza tão
irredutível que, puxa vida, assustei-me a princípio (...) Mas como: mas
como é que é? E a dialética?... (...) Falei com um grande amigo do
partido que eu estava com todos estes problemas e ele perguntou: "você
deixou de ser comunista por isso?" Respondi: "Em nenhum momento" (...)
Ele disse: "Então não levanta esse problema, deixa isso pra lá e
continua a sua vida." Impossível não lembrar dos dilemas de Don Peppone,
o folclórico prefeito comunista e católico às voltas com o pároco Don
Camillo nas historietas de Giovanni Guareschi. A comicidade aumenta
quando lembra uma aula sobre a série dodecafônica de Schoenberg na USP.
"Eu ria tanto, dizia para os alunos "mas isto é uma estupidez tão
grande". O mundo nesta situação e eu falando aqui que não posso repetir
uma nota antes das outras doze"..."
A questão fundamental era conciliar sua condição de
comunista com a prática de uma "arte burguesa" como a música
contemporânea. "Essa é outra das mudanças que causaram na minha vida
aquele caminho de Damasco, aquele momento de dizer: como é que posso ser
comunista e fazer uma música tão... tão não comunista." Passou a testar
cada composição junto aos trabalhadores do ABC. Mas, em 1989, aquele
mundo ruiu. Assistimos a uma dolorosa autoanálise em O artista comunista
após a Queda do Muro de Berlim. "De certo modo, o meu mundo caiu, como
cantava a Maísa. (...) O trabalho simplesmente não teve continuação."
Necessidade. Willy é preciso. Foi dramática sua recaída na
música burguesa, depois de assistir a O Sacrifício, de Tarkovski. "Eu
sentia aquela necessidade (de novo) de arte... e o pior de tudo, arte no
velho sentido burguês da palavra; (...) Meu Deus, que desgraça! O mundo
como está, tudo isso acontecendo e eu ainda agora quero voltar a ser
artista! Não acredito!" (...) Então comecei a ter uma necessidade, não
nostalgia, uma necessidade exasperante de arte."
A questão passou a ser que tipo de material usar para
compor. Tarkovski levou-o ao universo da cultura japonesa e ao fascínio
pela ikebana, a arte de compor vasos de flores. "Cada ikebana é uma
expressão, manifestação das relações do homem com a terra e com o cosmo
(...) e me propus a escrever peças musicais como se estivesse compondo
um vaso de ikebana." Sua filha Susana cantarolou uma canção infantil que
ouvira em Belém, onde Willy morou, e ele completou-a ao piano. Foi seu
primeiro ikebana musical. "Foi a primeira satisfação que tive ao voltar
a... trabalhar com arte... (uma maneira velha de lidar com a arte), um
regozijo interior diante de algo que se concretizava assustadoramente, e
amenizava algumas mazelas que eu andava sofrendo com o mundo."
Naquele momento - e esta é sua fase atual -, Willy reconhece
"as coisas ruins do mundo acontecendo mais e mais", porém confessa que
"cada vez eu fui... tendo vontade de fazer arte, e arte naquele velho,
decrépito sentido... Arte consoladora, expressão do "eu", lirismo
cansativo. De qualquer modo, havia, agora, uma novidade (...); eu não
fazia mais uma arte nem para o homem do futuro, nem para o homem do
passado, "pra homem nenhum botar defeito"... Eu fazia porque precisava
dela."
Recupera até o estilo, conceito que usara anteriormente para
esculhambar Stravinsky, argumentando que "escrevo pra mim mesmo, e para
aplacar as necessidades inquestionáveis de arte; consciente, também, de
que não tem nada desse negócio de "artista", "personalidade", "estilo".
Mas no fundo, o estilo, sempre ele está aí, quer dizer... mas muito
mais solto, porque... não estou tão preso a todos aqueles conceitos que a
gente trabalhou durante tanto tempo no passado, acriticamente".
Chegamos a 2008 - e à longa entrevista concedida ao Estado e
ao artigo sobre as Cirandas em que reabilitou Villa-Lobos. "Foi nesse
momento, em meio à catástrofe do socialismo e à mais imediata e fétida
decomposição final do cadáver capitalista, que voltei a ler Joyce e
ouvir Chopin. (...) Mas acho que se tudo continuar como está, os dias
que me restam, haverei de vivê-los ouvindo Chopin. Chopin, Joyce, o
inconfundível e súbito anseio pela arte, no fundo são parte de mim, no
fundo. Sou isto também."
"E no entanto é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso
cantar." O verso de Carlos Lyra tem a ver com o estado de espírito de
Willy hoje. É preciso cantar, mas cantar a memória. A partir da leitura
dos escritos do português Vergílio Ferreira surgiu o Willy memorialista.
"É uma literatura feita do sentimento que você tem... na memória (...) E
isto foi me dando novamente essa satisfação no campo da arte: de...
trabalhar a memória, de... falar de coisas que tinha vivido. Porque eu
estava escrevendo sobretudo pra mim mesmo. (...) Não tenho mais uma
comunidade com a qual me identifique a ponto de pôr minha arte a serviço
dela."
Willy não é de desistir. A descrição de seu itinerário pode
parecer um gasto videoteipe dos anos 80. Até os autores-âncora e os
textos são os mesmos. Mas é instrutivo observar um criador na sua
maturidade reconhecendo que termina seu ciclo virtuoso como começou:
"Hoje, no auge do capitalismo (e por causa disso, da inexistência de uma
linguagem musical e erudita comum, falada por todo mundo), tudo que
ouço não responde às indagações e necessidades que reclamo e necessito
da arte. (...) Escrever músicas também me faz um grande bem: é aí que me
entretenho (e também me angustio, outro tanto) em confeccionar
respostas concretas para os anseios, para as perguntas que me ocupam.
Pode ser que não satisfaçam a ninguém além de mim, mas, nesta hora do
mundo, foi assim que encontrei jeito de sobreviver..."