• tacet: 04/2017

    26.4.17

    Lulu – Frank Wedekind


    Benjamin Franklin Wedekind (Hanover, 1864 – Munique, 1918) foi ator, dramaturgo e romancista. Seu pai era um alemão que emigrou para a América, voltando mais tarde para sua terra natal, depois de passar algum tempo praticando medicina em São Francisco. Insatisfeito com a política prussiana de Otto von Bismarck, o velho Wedekind partiu novamente e estabeleceu-se na Suíça, onde seu filho cresceu e trabalhou como jornalista freelancer, redator de publicidade e como secretário em um circo.
        Frank Wedekind também trabalhou para o jornal satírico Simplicimuss. Em 1898, durante sua visita à Palestina, Wilhem II se opôs a uma publicação feita neste jornal, na qual aparece, cujo artigo tinha Wedekind como autor. Uma ação judicial foi movida contra Wedekind, a editora e o cartunista. A editora fugiu e permaneceu no exílio por cinco anos; Wedekind e o cartunista foram condenados a seis e sete meses de prisão, respectivamente.
        Em sua juventude, manteve um diário que sua filha lançou com o pertinente título Diário de uma vida erótica. É sabido que o jovem Frank, especialmente durante seus anos parisienses, era um grande mulherengo. Só em 1906, quando se casou com a jovem atriz austríaca Tilly Newes, se tornou monogâmico e ciumento. Foi esse ciúme que o matou, pois ele sentia que tinha que ser, criativa e sexualmente, sempre ativo para preservar a devoção de sua esposa. Assim, ainda insuficientemente recuperado de uma apendicectomia, voltou de forma vigorosa à atividade sexual, desenvolvendo uma hérnia que um especialista se recusou a operar de imediato. Wedekind morreu de consequentes complicações.
        Sua ampla visão artística fez com que sua obra se antecipasse à ascensão do expressionismo em várias décadas. Em Munique, centro da literatura de vanguarda e dos precursores do drama naturalista, Wedekind se diferenciou, sentindo que o artista não deve ser “cientificamente objetivo” acerca da sociedade que descreve, senão totalmente envolvido nela. Considerado um moralista que desgastava a máscara da imoralidade, foi o terror da burguesia alemã. Suas peças foram perseguidas e a encenação permitida somente em versões censuradas, já que consideradas pornográficas porque ousavam tratar as questões da liberdade, da liberação sexual, dos enganos e da violência. Sua linguagem é brilhante e poética, construída principalmente de sentenças curtas, com uma ou duas palavras, desrespeitando todos os clichês do teatro de seu tempo. É autor de Frühlings Erwachen (O despertar da primavera), sua peça teatral mais conhecida.
        Karl Kraus, em Literatur und Lüge (Literatura e fraude), diz: “Frank Wedekind é o primeiro dramaturgo alemão que abriu ao pensamento um acesso ao cenário tão largamente inutilizado. Todas as extravagâncias acerca da naturalidade foram dissipadas como um sopro. O que há dentro dos seres humanos e atrás deles volta a ser mais importante que o dialeto que falem”. John Willet nos lembra que Artur Kutscher, amigo e biógrafo de Wedekind, descreve o seu estilo de representação como um realçar da apresentação teatral onde (Wedekind) não desejava que as pessoas esquecessem estar no teatro”, conservando sempre o público e suas reações em mente. Willet considera que sua obra antecipa o teatro épico brechtiano e aponta para o que veio a se chamar teatro do absurdo.
    Bertolt Brecht o considera “um dos grandes educadores da Europa moderna”, como Tolstoi e Strindberg.
        Em Paris, Frank Wedekind escreveu a trilogia Lulu, composta por O espírito da terra, A caixa de Pandora e Morte e diabo. Lá, ele assistiu a uma performance chamada Lulu, o Clown Dancer – um cruzamento entre pantomima e ato de circo  –, que pode ter gerado ideias para a construção da trilogia; além disso, conheceu Lou Andreas-Salomé, amiga de Freud, Nietzsche, Rilke, que alguns dizem ser a inspiração para Lulu.
        Wedekind trabalhou muito para escrever as peças. Seu editor previu que a história de uma jovem mulher à deriva na Alemanha do fim do século xix , que deixa evidente seu êxtase sexual e ocasiona a morte para seus muitos amantes, enfrentaria dificuldades legais para ser publicada. Por isso, Wedekind foi obrigado a revisar incansavelmente  as peças, um processo que continuaria até que existissem várias versões, de acordo com as diversas necessidades.
      As duas primeiras peças serviram como modelo para a ópera Lulu, de Alban Berg e para o filme Pandora’s Box, de G. W. Pabst, cujo desempenho de Louise Brooks transformou-a no primeiro grande ícone do cinema, a eterna mulher-criança.
        Segundo Karl Kraus, o grande crítico de Wedekind, quando Alwa,  escritor e amante, oscilando entre o amor e a criação artística da beleza feminina  segura a mão de Lulu na sua, diz que ela é “uma alma que se desperta esfregando o sono de seus olhos”, enuncia as palavras que são a chave para esse labirinto da feminilidade, no qual, às vezes, o homem perde o sinal de sua razão. É assim no último ato de O espírito da terra, quando a dona do amor reúne ao seu redor todos os tipos masculinos para que eles a sirvam, na medida em que aceitem o que ela tem a oferecer. É, ainda, Alwa, o filho de seu marido, quem no último ato de A caixa de Pandora faz a revelação, ao se inebriar totalmente na doce fonte da perdição, quando seu destino quer se concretizar. Ele dirá, delirando diante do quadro de Lulu, as seguintes palavras: “‘Diante deste quadro recobro meu amor-próprio. Ele torna meu destino mais compreensível. Tudo o que vivemos se torna tão natural, tão evidente, tão claro quanto o sol. Quem se sentir seguro em sua posição burguesa diante desses lábios voluptuosos, carnudos, desses olhos inocentes de criança, desse corpo rosado, exuberante, que atire a primeira pedra’. Essas palavras, ditas diante do quadro da mulher que se tornou a destruidora de tudo, porque tinha sido destruída por todos, deixam clara a ideia marcante que envolve o mundo do escritor Frank Wedekind: um mundo no qual a mulher que tenha alcançado a maturidade estética não esteja condenada a livrar o homem da cruz da sua responsabilidade moral”.

    Lulu
    O espírito da terra ● A caixa de Pandora ● Morte e diabo
    ErdgeistDie Büchse Der PandoraTod Und TeufelAus Der Vorrede Zur Dritten Auflage

    Frank Wedekind

    Die Büchse Der Pandora
    Karl Kraus

    tradução ● Claudia Abeling
    revisão ● Alexandre Barbosa de Souza & M. Silvia Mourão Netto
    projeto gráfico ● Paulo Vidal de Castro & Thais Vilanova
    www.acigarraebooks.com.br
    isbn: 978-85-93709-00-5