• tacet: 05/2019

    16.5.19

    Almanhaque de 2019

    “O Brasil foi descoberto, por acaso, em 1500, e ficou sendo colônia de Portugal até 1822, mas não por acaso. Nesse ano, um príncipe português proclamou a Independência do Brasil e o país, desde então, passou a fazer dívidas por conta própria, ficando cada vêz mais dependente de seus credores. Em 1889 foi proclamada a Republica, a qual foi passando por muitos estados de evolução, entre os quais podemos citar o estado de sitio, o estado de emergência, o estado de guerra, o Estado Novo, que culminou, afinal, no estado a que chegamos.
    (...)
    Segundo Nossoptôlo (um tolo – letra P) a Terra devia pairar no meio do Universo, enquanto o Sol, os planetas e as estrelas descreveriam círculos perfeitos, girando em torno do nosso planeta.
    (...)
    PINHEIRO – Antigo político mineiro, deputado federal e ex-presidente da Companhia do Vale do Rio Doce. Seus inimigos dizem que, neste ponto, comeu o “doce”, bebeu o “rio” e deixou o “vale” na “caixa”.
    (...)
    Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato
    (...)
    Bôa Memória
    O homem cumprimentou o outro no café:
    – Creio que fomos apresentados na casa do Olavo.
    – Não me recordo.
    – Pois eu tenho certeza. Faz um mês e meio, mais ou menos.
    – Como me reconheceu?
    – Pelo guarda-chuva.
    – Mas naquela época eu não tinha guarda-chuva.
    – Realmente, mas eu tinha.
    (...)
    Num governo sem razão todos gritam e ninguem tem pão
    (...)
    ANISTIA é um ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente as injustiças que ele mesmo cometeu.
    (...)
    Como ia dizendo, meus senhores, o banco é uma instituição que empresta dinheiro á gente, mas se a gente apresentar prova de que não precisa de dinheiro...
    (...)
    Os armazenistas também querem “pás”, porque são coveiros
    (...)
    (…) falando com mais desembaraço, cofessou que, se tentasse concluir qualquer tratado pacífico, perderia o seu emprego de ministro e, então, seria ele quem já não poderia viver em paz, acossado pelos credores, nem teria recurso para comprar camisas azuis e usar chapéu-de-côco. E sentenciou gravemente: – Tratado de paz significa desarmamento, isto é, a cessação dos grandes negócios de armas, a falência da prospera industria da defesa nacional da qual vivem honradamente as pessoas mais decentes e distintas (…). Um tratado de paz seria a ruína desses bons patriotas. Por esse motivo, é indispensável criar e tratar carinhosamente um monstruoso e traiçoeiro inimigo, ao qual, entretanto, devemos amar, conforme mandam os Evangelhos.”

    Torelly, Aparício, 1895-1971
    Almanhaque para 1949, Primeiro Semestre, ou, “Almanhaque d'A Manha”/ Aparício Torelly, o Barão de Itararé. -- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado, 2002. -- (Coleção Almanhaques do Barão de Itararé).- fac-símile da primeira edição


    14.5.19

    Sobre o conceito de História – Lucio Mauro: 1927/2019


    10.5.19

    Cadernos, de Willy Corrêa de Oliveira: Livro aborda o drama da música erudita no capitalismo

    Paul Badura-Skoda, pianista austríaco notável por suas interpretações de Mozart, foi surpreendido, certa vez, com a mais calorosa recepção de sua vida ao desembarcar no Aeroporto de Guarulhos para realizar um recital em São Paulo. Depois de minutos de ovações, deu-se conta de que os aplausos eram para atletas de um time de vôlei que vinham no mesmo voo. Sua presença pouco importou.
    Essa historieta ilustra a situação complicada em que a música erudita se encontra. Do ponto de vista do mercado, observa-se que, no auge da globalização do CD, no começo da década de 90, a venda de discos de música erudita correspondia a apenas 3,8% do mercado mundial de CDs. Atualmente a situação se agravou e, nos Estados Unidos, país que concentra a maior venda de discos, a música erudita representa 1,6% do total de vendas de CDs, mesmo com seus ouvintes preferindo os discos físicos aos produtos virtuais.
    Em 1998 essa conjuntura da música erudita foi antevista pelo professor Willy Corrêa de Oliveira, do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em sua tese de livre-docência intitulada Cadernos. É essa tese que a Editora da USP (Edusp) vai lançar no dia 23 de abril, terça-feira, às 17 horas, na Livraria João Alexandre Barbosa, na Cidade Universitária, em São Paulo.
    O argumento central do trabalho de Willy é que, pelo fato de a música erudita ser uma linguagem milenar e – em razão disso – fazer muitas exigências para seu cultivo e apreensão, ela encontra muitas dificuldades para se tornar uma mercadoria no capitalismo. Isso ocorreria porque toda a estrutura desse sistema econômico está erigida para o lucro, o qual é necessariamente redirecionado para a ampliação constante da acumulação e da base de reprodução do capital. Nessa ordem de coisas que dá primazia a uma produção mais material, a música erudita constitui um investimento de alto custo e baixíssimo retorno, o que torna inviável, aos olhos do Estado, sua ampla generalização como política de ensino a largo prazo. Na prática, isso equivale a dizer que, no Brasil, enquanto mais de 350 mil pessoas se matriculam anualmente em cursos de Engenharia Civil, a cada ano pouco mais de 3 mil começam um curso de Música.
    Por ser um tema algo complicado e espinhoso, poderia se pensar que a tese de Willy é um trabalho volumoso, da cepa dos livros do sociólogo alemão Theodor Adorno, que podem parar em pé sozinhos, ou um escrito repleto de estatísticas de produção e consumo, elaborado a partir de um estruturalismo à la Althusser. E todavia não. Antes, saibamos que Willy é um apreciador de haikais e da arte breve dos prelúdios de Chopin, um adepto do dichten = condensare de Ezra Pound. Recordemo-nos que Willy Corrêa de Oliveira é compositor, que integrou o Música Nova junto de Gilberto Mendes e foi colega de trabalho de Haroldo e Augusto de Campos. Acima de tudo: que a tese de Willy a ser lançada pela Edusp no dia 23 é também o testemunho de um artista que esteve fundamentalmente comprometido com o projeto vanguardista de renovação da linguagem musical e que se apercebeu, em um segundo momento, da fantasia que é levar a cabo tal projeto dentro do sistema capitalista. Mais: em seu texto, Willy defende que a própria vanguarda estética, por mais que se proponha revolucionária, integra a ideologia do capitalismo devido ao seu acirrado individualismo; e que, nesse sistema, a música erudita não subsiste como prática musical possível e universalizável, mas sim como propaganda.

    O livro Cadernos, de Willy Corrêa de Oliveira – Foto: Reprodução/Edusp
    A tese de Willy é, portanto, de uma feitura muito particular. É um texto altamente condensado e direto, formalizado no aparente descompromisso de quatro cadernos: um é uma autobiografia fantasiada que ilustra as diversas vidas que os compositores podem levar dentro do capitalismo; outro são recortes de jornais, revistas, “notícias que manifestassem – de modo o mais transparente – o atual estado de coisas”; um terceiro é um caderno de ensaios, “uma série de reflexões para demonstrar o drama da música erudita no capitalismo” e evidenciar a insuficiência da argumentação da parte contrária; e o quarto é a tese propriamente dita, o cerne da argumentação. Um quinto caderno, ausente na tese original de 1998, foi acrescentado a fim de incluir reflexões recentes de Willy sobre arte, diferenças entre música erudita, popular e folclórica e as relações entre música e prática política.
    Cadernos, de Willy Corrêa de Oliveira, Editora da USP (Edusp), 524 páginas, R$ 92,00.
    VITOR RAMIREZ