“— [...] Frio, fome, medo, escuridão! [...]
— [...] Só que a gente morre vivendo!”
“eu tinha a
impressão de que elas moravam numa prisão! Para entrar na casa, tínhamos
que atravessar uma primeira porta com vigilância eletrônica, depois
digitar um código, havia barras nas janelas (...)!”
“De um diabo a outro, de Françonnette a Nassera, do século XVI ao XXI, os mesmos medos da morte, da doença, do
estrangeiro e do outro fabricam as mesmas vítimas. Françonnette e
Nassera se tornam uma só pessoa. Só o apoio da fantasia destrutiva que
as envolve mudou, mas os efeitos são tristemente os mesmos”
Chantal Montellier
“O esforço de possuir obriga o homem a identificar-se com os objetos de
posse. O que ele possui faz parte de si, a tal ponto que, se alguma
coisa lhe for tirada, ou for perdida, parecerá que lhe arrancaram uma
parte de si. É uma verdadeira escravidão: quando o homem imagina possuir
as coisas, na realidade são elas que o possuem.”
Van der Leeuw
“Na
realidade, não existe um único instante que não traga consigo sua
chance revolucionária [...]. Para o pensador revolucionário, confirma-se
a chance revolucionária de cada instante histórico pela situação
política. Porém, ela se confirma também pelo poder deste instante que
lhe
fornece a chave para entrar em um aposento bem determinado do passado,
até então mantido fechado.”
(GS I, 1231)
“[...] através das ruínas de grandes construções, a idéia de seu
plano arquitetural fala de maneira mais expressiva do que através de construções menos
grandiosas, porém, ainda bem preservadas” (GS I, 409)
“Paris, a Capital do Século XIX
[...]
IV. Luís Filipe ou o intérieur
(...)
(...) Com a revolução de julho [de 1830],22 a burguesia alcança os objetivos de 1789 (Marx).
Para o homem privado, o espaço em que vive se opõe pela primeira vez ao local de trabalho. O primeiro constitui-se com o intérieur. O escritório é seu complemento. O homem privado, que no escritório presta contas à realidade, exige que o intérieur
o sustente em suas ilusões. Esta necessidade é tanto mais urgente
quanto menos ele cogita estender suas reflexões relativas aos negócios
em forma de reflexões sociais. Na configuração de seu mundo privado,
reprime ambas. Disso originam-se as fantasmagorias do intérieur. Este representa para o homem privado o universo.(...)
(...)
Na verdade, de acordo com sua ideologia, ele parece acarretar o aperfeiçoamento do intérieur.
A transfiguração da alma solitária parece ser seu objetivo. O
individualismo é sua teoria. Em Van de Velde, a casa aparece como
expressão da personalidade. O ornamento é, para esta casa, o que a
assinatura representa para um quadro. O verdadeiro significado do Jugendstil23
não encontra sua expressão nessa ideologia. (...) Por volta dessa
época, o escritório torna-se o verdadeiro centro de gravidade do espaço
de vida. O homem desrealizado constrói um refúgio no seu domicílio.
(...)
(...)
Sobre ele recai a tarefa de Sísifo de despir as coisas de seu caráter
de mercadoria, uma vez que as possui. No entanto, ele lhes confere
apenas um valor afetivo, em vez do valor de uso. (...)
O intérieur não apenas é o universo, mas também o invólucro do homem privado. Habitar significa deixar rastros. No intérieur
esses rastros são acentuados. Inventam-se colchas e protetores, caixas e
estojos em profusão, nos quais se imprimem os rastros dos objetos de
uso mais cotidiano. Também os rastros do morador ficam impressos no intérieur. Surge a história de detetive que investiga esses rastros. A Filosofia do Mobiliário, assim como suas novelas de detetive, apontam Poe como o primeiro fisiognomonista do intérieur. Os criminosos dos primeiros romances policiais não são gentlemen nem apaches, e sim pessoas privadas pertencentes à burguesia.
V. Baudelaire ou as ruas de Paris
‘Tudo para mim torna-se alegoria.’
Baudelaire, Le Cygne. 25
O
engenho de Baudelaire, que se alimenta da melancolia, é um engenho
alegórico. Com Baudelaire, pela primeira vez, Paris se torna objeto da
poesia lírica. Não é uma poesia que canta a cidade natal, ao contrário, é
o olhar que o alegórico lança sobre a cidade, o olhar do homem que se
sente ali como um estranho. Trata-se do olhar do flâneur, cujo modo de
vida dissimula ainda com um halo conciliador o futuro modo de vida
sombrio dos habitantes da grande cidade. O flâneur encontra-se ainda no
limiar tanto da grande cidade quanto da classe burguesa. Nenhuma delas
ainda o subjugou. Em nenhuma delas sente-se em casa. Ele busca um asilo
na multidão. Em Engels e Poe, encontram-se as primeiras contribuições
relativas à fisionomia da multidão. A multidão é o véu através do qual a
cidade familiar acena para o flâneur como fantasmagoria. Nela, a cidade
é ora paisagem, ora sala acolhedora. Ambas são aproveitadas na
configuração das lojas de departamentos, que tornam o próprio flanar
proveitoso para a circulação das mercadorias. A loja de departamentos é a
última passarela do flâneur.
Com o flâneur, a intelectualidade encaminha-se para o mercado. Como ela
pensa, é para olhá-lo, mas na verdade já o faz para encontrar um
comprador. Nesse estágio intermediário no qual ela ainda tem um mecenas,
porém já começa a familiarizar-se com o mercado, ela aparece como
bohème. À indefinição de sua posição econômica corresponde a indefinição
de sua função política. Esta se expressa de modo mais palpável entre os
conspiradores profissionais, que pertencem de maneira geral à bohème.
Seu campo de trabalho inicial é o exército, mais tarde, será a
pequena-burguesia, ocasionalmente, o proletariado. Aquela camada social,
todavia, considera os líderes autênticos do proletariado como seus
adversários. O Manifesto Comunista põe fim à sua existência política. A
poesia de Baudelaire extrai sua força do páthos rebelde dessa camada
social. Ele pende para o lado dos elementos associais. (...)
(...)
(...) ‘Ao fundo do desconhecido para encontrar o Novo!’
O novo é uma qualidade independente do valor de uso da mercadoria. É a
origem da aparência que pertence de modo inalienável às imagens
produzidas pelo inconsciente coletivo. É a quintessência da falsa
consciência cujo agente infatigável é a moda. Essa aparência do novo se
reflete, como um espelho no outro, na aparência da repetição do
sempre-igual. O produto dessa reflexão é a fantasmagoria da ‘história cultural’, em que a burguesia saboreia sua falsa consciência. A arte, que começa a duvidar de sua tarefa e deixa de ser ‘inseparável da utilidade’ (Baudelaire ),27
precisa fazer do novo o seu valor supremo. O arbiter novarum rerum ls
torna-se para a arte o esnobe. Ele é para a arte o que o dândi é para a
moda. Assim como no século XVII a alegoria se torna o cânone das imagens
dialéticas, assim acontece no século XIX com a nouveauté. Os jornais aliam-se aos magasins de nouveautés.
A imprensa organiza o mercado de valores espirituais provocando no
primeiro momento uma alta. Os inconformados rebelam-se contra a entrega
da arte ao mercado. Agrupam-se sob a bandeira da ‘arte pela arte’.
Deste lema origina-se a concepção da obra de arte total, que tenta
proteger a arte contra o desenvolvimento da técnica. A solenidade com a
qual esse culto é celebrado encontra sua correspondência no divertimento
que transfigura a mercadoria. Ambos fazem abstração da existência
social do ser humano. Baudelaire sucumbe à sedução de Wagner.
VI. Haussmann ou as barricadas
—
A eficiência de Haussmann insere-se no imperialismo napoleônico. Este
favorece o capital financeiro. Paris vive o auge da especulação. A
atividade especulativa nas bolsas supera as formas do jogo de azar
herdadas da sociedade feudal. As fantasmagorias do espaço, às quais se
rende o flâneur, correspondem as fantasmagorias do tempo, às quais se
entrega o jogador. O jogo transforma o tempo em narcótico. Lafargue
explica o jogo como uma reprodução em miniatura dos mistérios da
conjuntura.30 As expropriações feitas por Haussmann fazem surgir uma especulação fraudulenta. (...)
Haussmann
tenta reforçar sua ditadura, colocando Paris sob um regime de exceção.
Em 1864, em um discurso na Câmara, expressa seu ódio pela população
desenraizada da grande cidade. Esta cresce constantemente devido aos
próprios empreendimentos de Haussmann. O aumento dos aluguéis impele o
proletariado para os subúrbios. Com isso, os bairros de Paris perdem sua
fisionomia própria. Surge o ‘cinturão vermelho’ operário. Haussmann denomina a si mesmo de ‘artista demolidor’.
Sentia-se predestinado à sua obra, fato que enfatiza em suas memórias.
Entretanto, provoca nos parisienses estranhamento em relação à sua
cidade. Nela não se sentem mais em casa. Começam a tomar consciência do
caráter desumano da grande cidade. (...)
A
verdadeira finalidade dos trabalhos de Haussmann era proteger a cidade
contra a guerra civil. Queria tornar impossível para sempre a construção
de barricadas em Paris. Com a mesma intenção, Luís Filipe já
introduzira o calçamento de madeira. Mesmo assim, as barricadas
desempenharam seu papel na revolução de fevereiro [de 1848].33 Engels trata dos problemas de tática nas lutas de barricadas.34
Haussmann pretende impedi-las de duas maneiras. A largura das ruas deve
impossibilitar que sejam erguidas barricadas, e novas ruas devem
estabelecer o caminho mais curto entre os quartéis e os bairros
operários. Os contemporâneos batizam o empreendimento de ‘embelezamento estratégico’.
(...)
A barricada ressurge na Comuna, mais forte e mais protegida do que nunca. Estende-se pelos grandes boulevards, atingindo muitas vezes a altura do primeiro andar e escondendo trincheiras situadas atrás dela. Assim como o Manifesto Comunista
encerra a época dos conspiradores profissionais, também a Comuna põe
fim à fantasmagoria que domina o primeiro período do proletariado. (...)
A burguesia nunca compartilhou desse erro. Sua luta contra os direitos
sociais do proletariado inicia-se já na Grande Revolução e coincide com o
movimento filantrópico que a encobre e que experimenta sua máxima
expansão sob Napoleão III. Durante seu reinado, surge a obra monumental
deste movimento: Les Ouvriers Européens, de Le Play.36
Ao lado da posição encoberta da filantropia, a burguesia sempre assumiu
a posição aberta da luta de classes. Já em 1831, ela reconhece no Journal des Débats: ‘Cada fabricante vive em sua fábrica como os donos de plantações entre seus escravos.’
Se foi a desgraça dos antigos levantes operários o fato de nenhuma
teoria lhes indicar o caminho, por outro lado, foi também a condição da
força imediata e do entusiasmo com que assumem a construção de uma
sociedade nova. Este entusiasmo, que atinge seu auge na Comuna,
conquista temporariamente para o operariado os melhores elementos da
burguesia, mas no fim leva-o a sujeitar-se a seus piores elementos.
Rimbaud e Courbet posicionam-se a favor da Comuna. O incêndio de Paris é
o digno desfecho da obra de destruição de Haussmann.
(...)
Balzac foi o primeiro a falar das ruínas da burguesia.37
Mas apenas o Surrealismo permitiu vê-las com os olhos livres. O
desenvolvimento das torças produtivas fez cair em ruínas os símbolos do
desejo do século anterior, antes mesmo que desmoronassem os monumentos
que os representavam. (...) A utilização dos elementos do sonho no
despertar é o caso exemplar do pensamento dialético. Por isso, o
pensamento dialético é o órgão do despertar histórico. Cada época sonha
não apenas a próxima, mas ao sonhar, esforça-se em despertar. Traz em si
mesma seu próprio fim e o desenvolve — como Hegel já o reconheceu — com
astúcia. Com o abalo da economia de mercado, começamos a reconhecer os
monumentos da burguesia como ruínas antes mesmo de seu desmoronamento.
PARIS, CAPITAL DO SÉCULO XIX
Introdução38
‘A história, como Janus, tem duas faces: quer olhe o
passado, quer olhe o presente, ela vê as mesmas coisas.’
Maxime Du Camp, Paris, VI, p. 315.
O
objeto deste livro é uma ilusão expressa por Schopenhauer numa fórmula
segundo a qual para apreender a essência da história basta comparar
Heródoto e o jornal da manhã.39
É a expressão da sensação de vertigem característica da concepção que
no século XIX se fazia da história. Corresponde a um ponto de vista que
considera o curso do mundo como uma série ilimitada de fatos congelados
em forma de coisas. O resíduo característico dessa concepção é o que se
chamou ‘A História da Civilização’,40
que faz o inventário das formas de vida e das criações da humanidade
ponto a ponto. As riquezas que se encontram assim colecionadas no
tesouro da civilização aparecem doravante identificadas para sempre.
Essa concepção atribui pouca importância ao fato de que devem não apenas
sua existência como ainda sua transmissão a um esforço constante da
sociedade, esforço através do qual essas riquezas encontram-se, além do
mais, estranhamente alteradas. Nossa pesquisa procura mostrar como, em
conseqüência dessa representação coisificada da civilização, as formas
de vida nova e as novas criações de base econômica e técnica, que
devemos ao século XIX, entram no universo de uma fantasmagoria. Tais
criações sofrem essa ‘iluminação’ não somente de maneira teórica, por uma transposição ideológica, mas também na imediatez da presença sensível.
Manifestam-se enquanto fantasmagorias. Assim apresentam-se as ‘passagens’,
primeiras formas de aplicação da construção em ferro; assim
apresentam-se as exposições universais, cujo acoplamento à indústria de
entretenimento é significativo; na mesma ordem de fenômenos, a
experiência do flâneur, que se abandona às fantasmagorias do mercado. A
essas fantasmagorias do mercado, nas quais os homens aparecem somente
sob seus aspectos típicos, correspondem as do interior, que se devem à
inclinação imperiosa do homem a deixar nos cômodos em que habita a marca
de sua existência individual privada. Quanto à fantasmagoria da própria
civilização, encontrou seu campeão em Haussmann e sua expressão
manifesta nas transformações que ele realizou em Paris. — Esse brilho,
entretanto, e esse esplendor com os quais se cerca a sociedade produtora
de mercadorias, e o sentimento ilusório de sua segurança não estão ao
abrigo de ameaças; é o que lhe vêm lembrar a derrocada do Segundo
Império e a Comuna de Paris. Na mesma época, o adversário mais temido
dessa sociedade, Blanqui, revelou, no seu último escrito,41
os traços terríveis dessa fantasmagoria. Nesse texto, a humanidade
figura como condenada. Tudo o que ela poderá esperar de novo
revelar-se-á como uma realidade desde sempre presente; e este novo será
tão pouco capaz de lhe proporcionar uma solução liberadora, quanto uma
nova moda é capaz de renovar a sociedade. A especulação cósmica de
Blanqui comporta o ensinamento segundo o qual a humanidade será tomada
por uma angústia mítica enquanto a fantasmagoria aí ocupar um lugar.
A. Fourier ou as passagens
I
(...)
A
maioria das passagens de Paris foi construída nos quinze anos após
1822. A primeira condição para seu aparecimento é a conjuntura favorável
do comércio têxtil. Os magasins de nouveautes, os primeiros
estabelecimentos a manter grandes estoques de mercadorias, começam a
aparecer. São os precursores das lojas de departamentos. É a essa epoca
que Balzac faz alusão quando escreve: ‘O grande poema das vitrines canta suas estrofes coloridas da Madeleine à Porte Saint-Denis.’
As passagens são centros de mercadorias de luxo. Para expô-las, a arte
põe-se a serviço do comerciante. Os contemporâneos não se cansam de
admirá-las. Durante muito tempo permanecerão uma atração para os
turistas. Um Guia Ilustrado de Paris diz: ‘Estas
passagens, uma recente invenção do luxo industrial, são galerias
cobertas de vidro e com paredes revestidas de mármore, que atravessam
quarteirões inteiros, cujos proprietários se uniram para esse tipo de
especulação. Em ambos os lados dessas galerias, que recebem a luz do
alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de modo que tal passagem é uma
cidade, um mundo em miniatura.’ Foi nas passagens que se realizaram as primeiras experiências com a iluminação a gás.
A
segunda condição exigida para o desenvolvimento das passagens deve-se
ao início da construção metálica. Sob o Império, essa técnica era
considerada uma contribuição para renovar a arquitetura no sentido do
classicismo grego. Boetticher, o teórico da arquitetura, expressa o
sentimento geral quando diz que: ‘quanto às formas de arte do novo sistema, o estilo helénico’
deve entrar em vigor. O estilo Empire é o
estilo do terrorismo revolucionário para o qual o Estado é um fim em si.
Assim como Napoleão não compreendeu a natureza funcional do Estado como
instrumento de poder para a burguesia, tampouco arquitetos de sua época
compreenderam a natureza funcional do ferro, com o qual o princípio
construtivo se torna preponderante na arquitetura. Esses arquitetos
constroem suportes imitando a coluna pompeana, fábricas imitando
residências, assim como mais tarde as primeiras estações pareciam
chalés. A construção desempenha o papel do subconsciente. (...) —
Pela primeira vez, desde os romanos, surge um novo material de
construção artificial, o ferro. Ele vai passar por uma evolução cujo
ritmo se acelera ao longo do século, e recebe um impulso decisivo no dia
em que se constata que a locomotiva - objeto dos mais diversos
experimentos desde os anos 1828-1829 — não funciona adequadamente senão
sobre trilhos de ferro. O trilho aparece como a primeira peça montada em
ferro, precursor da viga. Evita-se o emprego do ferro nos imóveis e seu
uso é encorajado nas passagens, nos pavilhões de exposições, nas
estações de trem — todas elas construções visando fins transitórios.
II
‘Nada de surpreendente no fato de que todo interesse
de massa ultrapasse de longe seus verdadeiros limites,
na idéia ou na representação que fazemos, quando
ocupa a cena pela primeira vez.’
Marx e Engels, A Sagrada Família.42
O
impulso mais profundo da utopia fourierista veio do surgimento das
máquinas. O falanstério devia reconduzir os homens a um sistema de
relações no qual a moralidade não tinha mais nada a fazer. Nero se
tornaria nele um membro mais util à sociedade que Fénelon. Fourier nao
pretende, para tanto, pautar-se pela virtude, mas por um funcionamento
eficaz da sociedade cujas forças motoras são as paixões. Pelas
engrenagens das paixões, pela combinação complexa das paixões mecanistas
com a paixão cabalista, Fourier considera a psicologia coletiva como um
mecanismo de relojoaria. A harmonia fourierista é o produto necessário
desse jogo combinado.
Fourier
introduz no mundo de formas austeras do Império o idílio colorido do
estilo dos anos 1830. Cria um sistema onde se misturam os produtos de
sua visão colorida e de sua idiossincrasia com os algarismos. As ‘harmonias’
de Fourier não invocam de maneira alguma uma mística dos números
extraída de uma tradição qualquer. São decorrência de seus próprios
decretos: elucubrações de uma imaginação organizadora que, nele, era
extremamente desenvolvida. Assim ele previu a significação dos encontros
para os citadinos. O dia dos habitantes do falanstério organiza-se não
em suas casas, mas em grandes salas semelhantes aos saguões da Bolsa,
onde os encontros são arranjados por corretores.
Nas
passagens, Fourier viu o cânone arquitetônico do falanstério. É o que
acentua o caráter Empire de sua utopia, que o próprio Fourier reconhece
ingenuamente: ‘O
Estado societário será desde o início tanto mais brilhante quanto foi
por muito tempo preterido. A Grécia, na época de Sólon e Péricles, já
poderia tê-lo criado.’43 As passagens que se destinaram inicialmente a fins comerciais tornam-se, com Fourier,
residências. O falanstério é uma cidade feita de passagens. (...)
Marx se posiciona contra Carl Grün para defender Fourier e valorizar sua concepção colossal do ser humano’.45
Considerava Fourier o único homem, ao lado de Fíegel, que trouxera à
luz a mediocridade essencial do pequeno-burguês. À superação sistemática
desse tipo em Hegel corresponde, em Fourier, seu aniquilamento através
do humor. Um dos traços mais notáveis da utopia fourierista é que a
idéia da exploração da natureza pelo homem, tão difundida na época
posterior, lhe é estranha. A técnica se apresenta a Fourier muito mais
como a fagulha que ateia fogo à pólvora da natureza. Talvez esteja aí a
chave de sua representação bizarra, segundo a qual o falanstério se
propagaria por explosão’.
A concepção posterior da exploração da natureza pelo homem é o reflexo
da exploração real do homem pelos proprietários dos meios de produção.
Se a integração da tecmca na vida social fracassou, a culpa se deve a
essa exploração.
B. Grandville ou as exposições universais
I
‘Sim, quando o mundo todo, de Paris à China,
Ó divino Saint-Simon, aceitar a tua doutrina,
A idade de ouro há de renascer com todo seu esplendor,
Os rios rolarão chá e chocolate;
Saltarão na planície os carneiros já assados,
E os linguados grelhados nadarão no Sena;
Os espinafres virão ao mundo já guisados,
Com pães torrados dispostos ao redor;
As árvores produzirão frutas em compota
E se colherão temperos e verduras;
Nevará vinho, choverá galetos,
E do céu cairão patos ao nabo’
Langlé et Vanderburch, Louis Bronze et le Saint-Simonien
(Théâtre du Palais-Royal, 27 février 1832)
As exposições universais são os centros de peregrinação ao fetiche mercadoria. ‘A Europa se deslocou para ver mercadorias’, afirma Taine, em 1855 –
As exposições universais tiveram como precursoras exposições nacionais
da indústria, a primeira delas aconteceu em 1798, no Campo de Marte. Ela
nasceu do desejo de ‘divertir
as classes laboriosas e torna-se para estas uma festa de emancipação .
Os trabalhadores formarão a primeira clientela. O quadro da indústria de
entretenimento ainda não se constituíra. Este quadro, é a festa popular
que o fornece. O celebre discurso de Chaptal sobre a indústria abre
essa exposição. –
Os saint-simonianos, que projetam a industrialização do planeta, se
apropriam da idéia das exposições universais. Chevalier, a primeira
autoridade nesse novo domínio, é um discípulo de Enfantin e redator do
jornal saint-simoniano Le Globe. Os saint-simonianos previram o
desenvolvimento da indústria mundial, mas não a luta de classes. Eis por
que, apesar de sua participação em todos os empreendimentos industriais
e comerciais, por volta da metade do século, deve-se constatar sua
impotência nas questões relativas ao proletariado.
As
exposições universais idealizam o valor de troca das mercadorias. Criam
um quadro no qual seu valor de uso passa a segundo plano. As exposições
universais constituíram uma escola onde as multidões, forçosamente
afastadas do consumo, se imbuíram do valor de troca das mercadorias a
ponto de se identificarem com ele: É proibido tocar nos objetos
expostos.’
Assim, elas dão acesso a uma fantasmagoria onde o homem entra para se
deixar distrair. No interior das diversões, as quais o indivíduo se
entrega, no quadro da indústria de entretenimento, resta constantemente
um elemento que compõe uma massa compacta. Essa massa se deleita nos
parques de diversões com as montanhas russas, os ‘cavalos mecânicos’, os ‘bichos-da-seda’,
numa atitude claramente reacionária. Ela se deixa levar assim a uma
submissão com a qual deve poder contar tanto a propaganda industrial
quanto a política. - A entronização da mercadoria e o esplendor das
distrações que a rodeiam, eis o tema secreto da arte de Grandville. Daí a
disparidade entre seu elemento utópico e seu elemento cínico. Seus
artifícios sutis na representação de objetos inanimados correspondem ao
que Marx chama de ‘argúcias teológicas’ da mercadoria. Sua expressão concreta manifesta-se claramente na spécialité
— uma designação de mercadoria que surge nessa época na indústria de
luxo. As exposições universais constroem um mundo feito de ‘especialidades’.
As fantasias de Grandville realizam a mesma coisa. Elas modernizam o
universo. O anel de Saturno torna-se para ele um balcão em ferro
fundido, onde os habitantes de Saturno tomam ar ao cair da noite. Assim
também um balcão em ferro fundido representaria, na exposição universal,
o anel de Saturno, e aqueles que ali entram se veriam levados numa
fantasmagoria em que se sentiriam transformados em habitantes de
Saturno. O correspondente literário dessa utopia gráfica é a obra do
sábio fourierista Toussenel. Toussenel era encarregado da seção de
ciências naturais num jornal de moda. Sua zoologia dispõe o mundo animal
sob o cetro da moda. Considera a mulher como mediadora entre o homem e
os animais. Ela é, de algum modo, a decoradora do mundo animal que, em
troca, coloca a seus pés suas plumas e suas peles. ‘Não há prazer maior para o leão que o de lhe cortarem as unhas, contanto
que uma moça bonita segure a tesoura.’46
II
‘A Moda: Senhora Morte! Senhora Morte!’
Leopardi, Diálogo entre a Moda e a Morte.
A
moda prescreve o ritual segundo o qual o fetiche, que é a mercadoria,
deseja ser adorado. Grandville estende a autoridade da moda sobre os
objetos de uso diário tanto quanto sobre o cosmos. Levando-a até os
extremos, ele revela sua natureza. Ela acopla o corpo vivo ao mundo
inorgânico. Face ao vivo, ela faz valer os direitos do cadáver. O
fetichismo que está assim submetido ao sex appeal do inorgânico é
seu nervo vital. As fantasias de Grandville correspondem a esse
espírito da moda, que Apollinaire mais tarde descreveu com esta imagem: ‘Todas as matérias dos diferentes reinos da natureza podem agora entrar na composição da roupa da mulher. Vi um
vestido encantador feito de rolha de cortiça... A porcelana, o grez e a louça irromperam
bruscamente na arte da vestimenta... Fazem-se sapatos de vidro de Veneza e chapéus
de cristal de Baccarat .47
22 Nota w.b.
23 Sobre o Jugendstil, ver G°, 7 e o arquivo temático ‘S'\ sobretudo S 8a, 1 (w.b.; J.L.)
25 Mantivemos o título original, para guardar o duplo sentido de "Cisne" e "Signo", (w.b.)
27 Baudelaire, OC II, p. 27 (‘Pierre Dupont’). (R.T.)
30 Cf. 0 4, 1 . (R.T.)
33 Nota w.b.
34 Cf. o excerto de Friedrich Engels em E la, 5. (R.T.)
36
Frédéric Le Play, Les Ouvriers Européens: Ètudes sur les Travaux, la
Vie Domestique et la Condition Morale des Populations Ouvrières de
1’Europe, Précédées d‘un Exposé de la Méthode d'Observation, Paris,
1855. (R.T.)
37 Cf. C 2a, 8. (E/M)
38 Da ‘Introdução’ e da ‘Conclusão’
deste exposé, escrito em francês, existe uma versão alemã, reproduzida
em G5 V, 1255-1258, e que foi consultada na tradução destes dois textos,
(w.b.)
39 Como fonte desta fórmula, Benjamin cita Rémy de Gourmont; cf. S la, 2. (R.T.)
40 ‘Kulturqeschichte’, na versão alemã deste texto (GS V, 1255). (w.b.)
41 Auguste Blanqui, CÉternité par les Astres: Hypothèse Astronomique, Paris, 1872. (R.T.)
42 Karl Marx e Friedrich Engels, MEW, vol. II, Berlim, 1957, p. 85. (R.T.)
43 Armand et Maublanc, Fourier, Paris, 1937, I, pp. 261-262; cf. W 13, 4. (J.L.; w.b.)
45 Para evitar a redundância de notas às citações que se repetem neste exposé de 1 939, remetemos o leitor
para as notas correspondentes do exposé de 1935. (w.b.)
46 Alphonse Toussenel, Le Monde des Oiseaux: Ornithologie Passionnelle, vol. 1 , Paris, 1 853, p. 20; cf . W 8a, 2. (E/M)
47 Guillaume Apollinaire, Le Poète Assassine, Paris, 1927, pp. 75-76. (R.T.)”
“Paris, a Capital do Século XIX
Exposé de 1939
C. Luís Filipe ou o intérieur
I
(...) O homem privado que, em seu escritório, presta contas à realidade, deseja ser sustentado em suas ilusões pelo seu intérieur.
Essa necessidade é tão imperativa que ele não pensa em inserir em seus
interesses de negócios uma clara consciência de sua função social. Na
organização de seu círculo privado, ele recalca essas duas preocupações.
Daí derivam as fantasmagorias do intérieur. este representa para
o homem privado o universo. Ai ele reune as regiões longínquas e as
lembranças do passado. Seu salão é um camarote no teatro do mundo.
(...)
O colecionador se torna o verdadeiro ocupante do interior. Seu ofício é
a idealização dos objetos. A ele cabe esta tarefa de Sísifo de retirar
das coisas, já que as possui, seu caráter de mercadoria. Mas não poderia
lhes conferir senão o valor que têm para o amador, em vez do seu valor
de uso. O colecionador se compraz em suscitar um mundo não apenas
longínquo e extinto, mas, ao mesmo tempo melhor, um mundo em que o
homem, na realidade, e tão pouco provido daquilo de que necessita como
no mundo real, mas em que as coisas estão liberadas da servidão de serem
úteis.
II
‘A cabeça
Sobre o criado-mudo, como um ranúnculo
Repousa.’
Baudelaire, Uma Mártir.
O
interior não é apenas o universo do homem privado, e também seu estojo.
Desde Luís Filipe, encontra-se no burguês esta tendencia de
indenizar-se da ausência de rastros da vida privada na grande cidade.
Essa compensação, ele tenta encontrá-la entre as quatro paredes de seu
apartamento. Tudo se passa como se fosse uma questão de honra não deixar
se perderem os rastros de seus objetos de uso e de seus acessórios.
Infatigável, preserva as impressões de uma multidão de objetos; para
seus chinelos e seus relógios, seus talheres e seus guarda-chuvas,
imagina capas e estojos. Tem uma clara preferência pelo veludo e a
pelúcia que conservam a marca de todo contato. No estilo do Segundo
Império, o apartamento torna-se uma espécie de habitáculo. Os vestígios
de seu habitante moldam-se no intérieur. Daí nasce o romance policial que pesquisa esses vestígios e segue essas pistas. A Filosofia da Mobília48 e os ‘romances policiais’ de Edgar Poe fazem dele o primeiro fisiognomonista do interior. Os criminosos, nas primeiras narrativas policiais (The Black Cat, The Tell-Tale Heart, William Wilson), não são nem cavalheiros nem marginais, e sim pessoas privadas pertencentes à burguesia.
III
‘Esta procura por meu lar... foi minha provação...
Onde fica — meu lar? Pergunto por isto,
procuro e procurei, nada encontrei.’
Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.49
(...) (A linha curva do Jugendstil surge desde o título das Flores do Mal. Uma espécie de guirlanda marca o enlace das Flores do Mal, passando pelas ‘almas das flores’ de Odilon Redon até o ‘fazer catléia’ de Swann.51) (...)
D. Baudelaire ou as ruas de Paris
I
‘Tudo para mim torna-se alegoria.’
Baudelaire, Le Cygne.
[...]
Na
figura do flâneur a intelectualidade familiariza-se com o mercado. Para
lá encaminha-se o flâneur, pensando dar apenas uma volta; mas, na
verdade, é para encontrar um comprador. (...)
[...]
III
‘No fundo do desconhecido em busca do novo!
Baudelaire, A Viagem.
A
chave da forma alegórica em Baudelaire é solidária da significação
específica que a mercadoria adquire devido a seu preço. Ao aviltamento
das coisas por meio do seu significado, que é característico da alegoria
do século XVII, corresponde o aviltamento singular das coisas por meio
do seu preço, enquanto mercadoria. Esse aviltamento que sofrem as coisas
pelo fato de poderem ser taxadas como mercadorias é contrabalanceado em
Baudelaire pelo valor inestimável da novidade. (...)
[...]
E. Haussmann ou as barricadas
I
‘Tenho o culto do Belo, do Bem, das grandes coisas,
Da bela natureza inspirando a grande arte,
Que ela encante o ouvido ou seduza o olhar;
Amo a primavera em flores: mulheres e rosas!’
(Baron Haussmann) Confession d'un Lion Devenu Vieux.
A
atividade de Haussmann incorpora-se ao imperialismo napoleônico que
favorece o capitalismo financeiro. Em Paris, a especulação está no seu
apogeu. As expropriações de Haussmann suscitam uma especulação que beira
a trapaça. (...) Haussmann tenta reforçar sua ditadura, colocando Paris
sob um regime de exceção. Em 1864, num discurso na Câmara, ele dá livre
curso a seu ódio contra a população instável das grandes cidades. Essa
população aumenta constantemente devido a seus empreendimentos. A alta
dos aluguéis expulsa o proletariado para os subúrbios. Por isso os
bairros de Paris perdem sua fisionomia própria. Constitui-se o ‘cinturão vermelho operário. Haussmann deu a si mesmo o título de ‘artista demolidor’ .
Sentiu que tinha vocaçao para a obra que havia empreendido e acentua
esse fato em suas memórias. (...) Os moradores da cidade não se sentem
mais em casa; começarn a ter consciência do caráter desumano da cidade
grande. (...)
A
verdadeira finalidade dos trabalhos de Haussmann era proteger-se contra
a eventualidade de uma guerra civil. Queria tornar para sempre
impossível a construção de barricadas nas ruas de Paris. Com a mesma
intenção, Luís Filipe já introduzira o calçamento de madeira. Mesmo
assim, as barricadas desempenharam um pape considerável na revolução de
fevereiro [de 1848].* Engels tratou dos problemas de tática nas lutas de
barricadas. Haussmann procura preveni-los de dois modos. A largura as
ruas tornará impossível a construção de barricadas, e novas vias ligarao
em linha direta as casernas aos bairros operários. Os contemporâneos
batizaram seu empreendimento de ‘embelezamento estratégico’ .
[...]
Conclusão
[...]
‘O
universo inteiro é composto de sistemas estelares. Para criá-los a
natureza tem apenas cem corpos simples à sua disposição. Apesar da
vantagem prodigiosa que ela sabe tirar desses recursos, e do número
incalculável de combinações que permitem a sua fecundidade, o resultado é
necessariamente um número finito, como o dos próprios elementos, e,
para preencher a extensão, a natureza deve repetir ao infinito cada uma
de suas combinações originais ou tipos. Todo astro, qualquer que seja,
existe portanto em número infinito no tempo e no espaço, não apenas sob
um de seus aspectos, mas tal como se encontra, em cada segundo de sua
duração, do nascimento à morte... A terra é um desses astros. Cada ser
humano é portanto eterno em cada segundo de sua existência. O que
escrevo agora numa cela do forte do Taureau, eu o escrevi e escreverei
durante a eternidade, à mesa, com uma pena, vestido, em circunstâncias
inteiramente semelhantes. Assim para cada um... O número de nossos
sósias é infinito no tempo e no espaço. Em consciência, não se pode
exigir mais. Esses sósias são de carne e osso, até de calças e paletó,
de crinolina e de coque. Não são fantasmas, é a atualidade eternizada.
Eis entretanto uma grande falha: não há progresso... O que chamamos
progresso está enclausurado em cada terra e desaparece com ela. Sempre e
em todo lugar, no campo terrestre, o mesmo drama, o mesmo cenário, no
mesmo palco estreito, uma humanidade barulhenta, enfatuada de sua
grandeza, acreditando-se ser o universo e vivendo na sua prisão como
numa imensidão, para logo desaparecer com o planeta, que carregou com o
mais profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma monotonia, mesmo
imobilismo nos astros estrangeiros. O universo se repete sem fim e
patina no mesmo lugar. A eternidade apresenta imperturbavelmente no
infinito o mesmo espetáculo’ .57
Esta
resignação sem esperança é a última palavra do grande revolucionário. O
século não soube responder às novas virtualidades técnicas com uma nova
ordem social. É por isso que a última palavra coube às mediações
enganosas do antigo e do novo, que estão no coração de suas
fantasmagorias. O mundo dominado por essas fantasmagorias é — para usarmos a expressão de Baudelaire — a modernidade. A visão de Blanqui faz entrar na modernidade — da qual os sete velhos58
aparecem como arautos — o universo inteiro. Finalmente, a novidade lhe
aparece como o atributo do que é próprio ao domínio da danação. Do mesmo
modo, num vaudeville um pouco anterior — Ciei et Enfer — , as punições
do inferno representam a última novidade de todos os tempos, ‘penas eternas e sempre novas’ . Os homens do século XIX, aos quais Blanqui se dirige como a aparições, saíram dessa região.
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés,1 Caucots2]
(...)
‘À venda os Corpos, as vozes, a imensa opulência
inquestionável
aquilo que não se venderá jamais’.
Rimbaud5
[...]
Até
1870, as carruagens dominavam a rua. Era demasiado apertado andar sobre
as calçadas estreitas e por isso flanava-se sobretudo nas passagens,
que ofereciam abrigo do mau tempo e do trânsito. ‘Nossas ruas mais largas e nossas calçadas mais espaçosas tornaram mais fácil e doce a flânerie, impossível a nossos pais noutro lugar que não nas passagens.’ ■ Flâneur ■
Edmond Beaurepaire, Paris d’Hier et d’Aujourd’hui: La Chronique des Rues, Paris, 1900, p. 67.
r
[A la, 1]
[...]
Evocava-se ao mesmo tempo o ‘gênio dos jacobinos e dos industriais’ ,
atribuía-se este dito a Luís Filipe: Deus seja louvado e minhas
boutiques também. As passagens como templo do capital mercantil.
[A 2, 2]
[...]
Passagens como origem das lojas de departamentos? Quais das lojas acima citadas localizavam-se em passagens?
[A 2, 5]
O régime das especialidades fornece também — diga-se de passagem —
a chave histórico-materialista para o florescimento (quando não para o
surgimento) da pintura de gênero nos anos quarenta do século passado.
Com o interesse crescente que a burguesia dedicou à arte, esta pintura
diferenciou-se no conteúdo e no assunto, segundo a pouca compreensão
artística inicial desta classe; surgiram então como gêneros bem
definidos as cenas históricas, a pintura de animais, as cenas infantis,
as imagens da vida monástica, familiar, aldeã.
■ Fotografia ■
[A 2, 6]
Investigar a influência do comércio sobre Lautréamont e Rimbaud!
[A 2, 7]
‘Uma
outra característica, a partir sobretudo do Diretório (provavelmente
até 1830?), será a leveza dos tecidos; mesmo durante o frio mais
rigoroso, só muito raramente aparecerão peliças e matelassês quentes
<?>. Correndo o risco de morrer, as mulheres se vestirão como se
as rudezas dos invernos não existissem mais, como se a natureza,
subitamente, tivesse se transformado num eterno paraíso.’ Grand-Carteret, Les Elégances de la Toilette, Paris, p. XXXIV.
[A 2, 8]
O
teatro forneceu também naquela época o vocabulário para assuntos da
moda. Chapéus à moda Tarare, à moda Théodore, à moda Fígaro, à moda
Grande-Sacerdotisa, à moda Ifigênia, à moda Calprenade, à moda Vitória. A
mesma futilidade, que no balé procura a origem do real, trai-se quando — por volta de 1 830 — um jornal dá a si mesmo o nome de Le Sylphe. ■ Moda ■
[A 2, 9]
Alexandre Dumas, numa soirée em casa da princesa Mathilde. Os versos referem-se a Napoleão III.
‘Nos seus fastos imperiais
O tio e o sobrinho são iguais
O tio tomava as capitais
O sobrinho os nossos capitais.’
Seguiu-se um silêncio sepulcral. Registrado nas Mémoires du Comte Horace de Viel-Castel sur le Règne de Napoléon III, vol. II, Paris, 1883, p. 185.
[A 2, 10]
‘Acoudisse9
significava a continuidade das atividades da Bolsa. Aqui nunca o
expediente chegava ao fim, frequentemente nem mesmo à noite. Quando o
Café Tortoni fechou, a coluna transferiu-se para os boulevards
adjacentes e ondulava-se de um lado para o outro, principalmente diante
da Passage de 1’Opéra.’ Julius Rodenberg, Paris bei Sonnenschein und Lampenlicht, Leipzig, 1867, p. 87.
[A 2, 11]
Especulação de ações ferroviárias sob Luís Filipe.
[A 2, 12]
[...]
Pregão de rua dos vendedores de boletins da bolsa. Na alta: ‘A alta da Bolsa’. Na baixa: ‘As variações da Bolsa’. O termo baixa foi proibido pela polícia.
[A 2a, 2]
[...]
Preço de um encargo como corretor na Bolsa entre 2.000.000 e 1.400.000 francos.
[A 2a, 4]
[...]
Um nome antigo para as lojas de departamentos: ‘entrepostos baratos’. Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig, Berlim, 1928, p. 31.
[A 3, 4]
A
transformação das grandes lojas nas passagens em lojas de
departamentos. Princípio das lojas de departamentos: Os andares
constituem-se de um único espaço. A vista pode abrange-los por assim
dizer, com um único olhar’.’ Giedion, Bauen in Frankreich, p. 34.
[A 3, 5]
[...]
Pelo visto, já se fumava nas passagens quando isso ainda não era comum na rua. ‘Preciso
dizer aqui ainda algumas palavras sobre a vida nas passagens como o
lugar de preferência dos que passeiam e dos que firmam, lugar de
recreação dos mais variados ofícios. Em cada passagem existe pelo menos
um salão de limpeza. Em um gabinete decorado de maneira tão elegante
quanto permite sua destinação, sentam-se os cavalheiros sobre estrados
elevados e lêem tranqüilamente um jornal enquanto alguém se empenha em
escovar-lhes o pó das roupas e das botas.’ Ferdinand von Gall, Paris und seine Salons, II, Oldenburg, 1845, pp. 22-23.
[A 3, 9]
48 Edgar Allan Poe, ‘Philosophy of Furníture’. (w.b.)
49 In: Friedrich Nietzsche, Werke in drei Bànden, ed. org. por Karl Schlechta, vol. 2, Munique, 1955,
p. 511. (R.T.)
50 0 arquiteto belga Henri Van de Velde (1863-1957) exerceu uma forte influência sobre o Jugendstil.
A passagem acima refere-se à casa construída por ele em Uccle, em 1895. (J.L.)
51 Marcei Proust, Du Côté de Chez Swann, A expressão ‘faíre catleya’ é o eufemismo de Swann para
significar ‘fazer amor’. (E/M)
57 Auguste Blanqui, UÉternité par les Astres, Paris, 1872, pp. 73-74 e 76. (R.T.)
58 Referência ao poema ‘Os Sete Velhos’ (‘Les Sept Vieillards’), de Baudelaire. (w.b.)
9 Espaço paralelo à Bolsa de Valores, onde são realizados negócios não-oficiais; cf. A 7a, 5. (E/M; w.b.)
1 Cf. ‘Exposés’, nota 2.
2 Calicot — Empregado encarregado das vendas ao publico, em casas comerciais; cf. A 8, 3 e A9. (w.b.)
3 Arthur Rimbaud, Œuvres Complès, ed. org. 9 por Antoine Adam, Paris 1976 (Bibliothèque de la Pléiade, 68), p. 146 (llluminations, ‘Solde’). (R.T.)
9 Espaço paralelo à Bolsa de Valores, onde são realizados negócios não-oficiais; cf. A 7a, 5. (E/M; w.b.)
“‘E
aqueles que não podem pagar ... um albergue? Ora, esses dormem onde
quer que achem um lugar, em passagens, arcadas, num canto qualquer onde a
polícia ou os proprietários os deixem dormir sem incomodá-los.’ Friedrich Engels. Die Lage der arbeitenden
Klasse in England, 2a edição, Leipzig, 1848, p. 46 (‘Die großen Städte’).
[A 4a, 2]
‘Em
todas as boutiques, como de costume, o balcão em carvalho é enfeitado
de peças falsas de todo tipo de metal e formato, implacavelmente
pregados no lugar, como pássaros predadores na porta, garantia sem
réplica da lealdade do comerciante.’ Nadar, Quand
J’étais Photographe, Paris (1900), p. 294 (‘1830 et environs’).
[A 4a, 3]”
“<fase média>
[...]
‘Os
tipógrafos ... ocuparam, no fim do século XVIII, um vasto espaço... A
Passage du Caire e seus arredores... Mas com o crescimento de Paris, os
tipógrafos ... dispersaram-se por toda a cidade... Que pena! Quantos
tipógrafos, hoje trabalhadores degradados pelo espírito da especulação,
deveriam lembrar-se que ... entre a Rue Saint-Denis e a Cour des
Miracles existe ainda uma longa galeria enfiimaçada onde jazem
esquecidos seus verdadeiros penates.’ Edouard Foucaud, Paris Inventem, Paris, 1844, p. 154.
[A 6, 3]
[...]
‘Martin:
O comércio, o senhor percebe? ... é o rei do mundo! — Degenais: Sou de
sua opinião, senhor Martin, mas não basta o rei, é preciso vassalos.
Pois bem! A pintura, a escultura, a música... — Martin: É preciso um
pouco delas ... e ... eu também encorajei as artes; assim, no meu último
estabelecimento, o Café de França, eu tinha muitas pinturas temas
alegóricos... E ainda, à noite, deixava entrar os músicos...; e, enfim,
se eu o convidasse a vir em minha casa..., o senhor veria sob meu
peristilo duas grandes estátuas, pouco vestidas, e tendo cada uma delas
uma lanterna sobre a cabeça. — Defenais: Uma lanterna? — Martin: É assim
que compreendo a escultura, ela tem que servir para alguma coisa ...
mas todas essas estátuas, com uma perna ou um braço no ar, para que
servem? Uma vez que não se instalou nem mesmo o cano de gás ... para
quê?’ Théodore Barière, Les Parisiens, Paris, 1855 (Théâtre du Vaudeville, 28 de dezembro de 1854), p. 26. A peça passa-se em 1839.
[A 6a, 3]
[...]
Do prospecto ‘Aos moradores das ruas Beauregard, Bourbon-Villeneuve, du Caire e da Cour des Miracles’: ‘Projeto
de duas passagens cobertas indo da Place du Caire à Rue Beauregard,
terminando exatamente em frente à Rue Hauteville. Senhores: Há muito
tempo nós nos preocupamos com o fiituro deste bairro; sofremos ao ver
propriedades tão peno do boulevard estarem tão longe do valor que
deveriam ter; esse estado de coisas mudaria se abríssemos vias de
comunicação, e, como é impossível traçar ruas nesse lugar, devido à
grande diferença de nível do solo, e que o único projeto praticável é o
que temos a honra de lhes submeter, esperamos, senhores, que, na
qualidade de proprietários..., os senhores queiram nos honrar com sua
colaboração e com sua adesão... Cada participante será responsável por
um deposito de 5 francos por ação de 250 francos que quiser possuir na
sociedade definitiva. Logo que se atingir o montante de 3.000 francos de
capital, esta subscrição provisória será fechada, a refenda soma sendo
por ora considerada suficiente. Paris, 20 de outubro de 1847. Convite
impresso para subscrição.
[A 8, 1]
[...]
Ruas-salões:
As mais largas e mais bem situadas dentre as ruas-galerias foram
ornamentadas com gosto e suntuosamente mobiliadas. As paredes e os tetos
foram cobertos de ... mármores raros, de douraduras..., de espelhos e
de quadros; guarneciam-se as janelas de magníficas tapeçarias e de
cortinas bordadas com desenhos maravilhosos; cadeiras, poltronas,
canapés ... ofereceram assentos comodos aos visitantes fatigados; enfim,
móveis artísticos, antigos baús..., vitrines cheias de curiosidades...,
potes contendo flores naturais, aquários cheios de peixes vivos;
gaiolas povoadas de pássaros raros completaram a decoração dessas
ruas-galerias que, à noite, eram iluminadas por candelabros dourados e
lustres de cristal. O Governo quis que as ruas pertencendo ao povo de
Paris ultrapassassem em magnificência os salões dos mais poderosos
soberanos... Pela manhã, as ruas-galerias ficam entregues ao pessoal da
limpeza que areja, varre cuidadosamente, escova, espana, esfrega os
móveis e conserva por toda pane a mais escrupulosa limpeza. Em seguida,
conforme a estação, fecham-se as janelas ou deixam-nas abertas,
acende-se a lareira ou se descem as cortinas... Entre nove e dez horas,
todo esse trabalho de limpeza está terminado e os transeuntes, raros até
então, se põem a circular em grande número. A entrada das galerias é
rigorosamente proibida a todo indivíduo sujo ou portador de um grande
fardo; é igualmente proibido fumar e escarrar.’ Tony Moilin, Paris en l’An 2000, Paris, 1869, pp. 26-29 (‘Aspects des rues-galeries’).
[A 9a, 1]
[...]
‘Em
1798 e 1799, a expedição do Egito contribuiu enormemente para a moda
dos xales. Alguns generais do exército expedicionário, aproveitando a
vizinhança da índia, enviaram a suas mulheres e a suas amigas xales de
... caxemira... A partir desse momento, a doença que se poderia chamar
de febre da caxemira tomou proporções consideráveis, cresceu no
Consulado, cresceu no Império, tornou-se gigantesca na Restauração,
colossal no governo de Julho, e chegou, enfim, ao estado de esfinge
depois da Revolução de fevereiro de 1848.’ Paris Chez Soi, p. 139. (A. Durand, ‘Châles-cachemires indiens et français’). Contém uma entrevista com M. Martin, Rue Richelieu, 39, proprietário do magazine ‘Aux Indiens’; relata que xales, que antes custavam de 1.500 a 2.000 francos, podem ser agora adquiridos por 800 a 1.000 francos.
[A 10 , 2 ]
[...]
Brazier, Gabriel e Dumersan, Les Passages et les Rues, ou La Guerre Declarée,
vaudeville em um ato, representado pela primeira vez em Paris, no
Théâtre des Vanétés, em 7 de março de 1827 Paris, 1827. — O partido dos
adversários das passagens é composto pelo br. Duperron, comerciante de
guarda-chuvas, Sra. Duhelder, mulher de um locador de coches, Sr.
Mouffetard, fabricante de chapéus, Sr Blancmanteau, comerciante e
fabricante de tamancos, Sra. Dubac, que vive de renda — cada um deles
provindo de um bairro diferente. Sr Dulingot, que aplicou seu dinheiro
em ações de passagens, abraça a causa das passagens. Seu advogado e o Sr
Afavor, o advogado de seus opositores é o Sr Contra. Na antepenúltima
cena (a 14a),
surge o Sr Contra à dianteira nas Ruas. Estas ostentam bandeiras
apropriadas a seu nome. Entre elas a Rue aux Ours, Rue Bergère, Rue du
Croissant, Rue des Puits-qui-Parle, Rue du Grand-Hurleur etc.
Analogamente, aparece na cena seguinte o cortejo das Passagens com suas
bandeiras: Passage du Saumon, Passage de 1’Ancre, Passage du Grand-Cerf,
Passage du Pont-Neuf, Passage de 1’Opéra, Passage du Panorama. Na cena
seguinte, a ultima (a 6 ), emerge Lutécia22:
do seio da terra, a princípio na figura de uma velha. Diante dela, o
Sr. Contra defende sua causa contra as Passagens do ponto de vista das
Ruas: Cento e quarenta e quatro passagens abrem suas bocas escancaradas
para devorar nossos hábitos, para fazer fluir as ondas incessantemente
renovadas de nossa multidão ociosa e ativa! E vocês querem que nós, Ruas
de Paris, fiquemos insensíveis a essas invasões de nossos direitos
antigos. Não, nós pedimos ... a interdição de nossos cento e quarenta e
quatro adversários além de quinze milhões e quinhentos mil francos de
indenizações e juros.’ (p. 29) A defesa das Passagens, pelo Sr. Aíàvor,
tem a forma de uma copla. Eis uma amostra:
‘Nós, os proscritos, nosso uso é cômodo,
Não fizemos, com nosso aspecto risonho,
Paris inteiro adotar a moda
Destes bazares, famosos no Oriente?
...
Quais são estas paredes que a multidão contempla?
Estes ornamentos, estas colunas, sobretudo?
Acreditar-se-ia estar em Atenas, e este templo
É ao comércio erguido pelo gosto.’ (pp. 29-30 ).
Lutécia faz a arbitragem da disputa: ‘O
caso está concluído. Gênios das luzes, obedeçam a minha voz. (Neste
momento toda a galeria se ilumina a gás.)’ (p. 31). Um balé das
Passagens e Ruas encerra o vaudeville.
[A 10a, 1]
<fase tardia>
[...]
‘Nenhuma razão particular..., à primeira vista, para que a história tenha recebido este nome: A Loja de Antiguidades. Há apenas dois personagens que têm alguma coisa a ver com esse gênero de boutique,
e desde as primeiras páginas eles a deixam para sempre... Mas quando
estudamos as coisas em seqüência, percebemos que esse título é uma
espéae de chave para todo o romance de Dickens. Suas histórias tinham
sempre como ponto de parada alguma lembrança de rua; as lojas, talvez a
coisa mais poética de todas, muitas vezes movimentaram sua imaginação
desabusada. Cada boutique, na verdade, despertava nele a idéia de
uma novela. Entre as diversas séries de projetos ... é surpreendente
não se ver começar uma série com o título A Rua; ela seria inesgotável e as boutiques seriam os capítulos. Ele poderia ter escrito romances deliciosos. A Boutique do Padeiro, A Farmácia, A Boutique do Comerciante de Óleos: outros tantos complementos da Loja de Antiguidades.’ G. K. Chesterton, Dickens, traduzido por Laurent e Marrin-Dupont, Paris, 1927, pp. 82-8323
[A 11, 3]
[...]
Confissão de Proudhon ao fim de sua vida (in: La Justice24 — a comparar com a visão do falansténo em Fourier): ‘Foi
mesmo preciso civilizar-me. Mas confessá-lo-ei? O pouco que dela
aprendi me desgostou... Odeio as casas de mais de um andar nas quais,
numa inversão da hierarquia social, os pequenos são instalados no alto, e
os grandes estabelecidos no térreo.’ (cit. Armand Cuvillier, Marx et Proudhon: A la Lumière du Marxisme, II, Primeira Parte. Paris, 1937, p. 211.)
[A11a, 3]
Blanqui: ‘Usei’, disse ele, ‘a primeira insígnia tricolor de 1830, feita pela Sra. Bodin, Passage du Commerce’. Gustave Geffroy, L’Enfermé , Paris, 1897, p. 240.
[A11a, 4]
Baudelaire escreve ainda: ‘um livro luminoso como um lenço ou um xale da Índia’. Baudelaire, L’Art Romantique, Paris, p. 192 (‘Pierre Dupont’).25
[A 11a, 4]
[...]
Crescimento
das vendas do Bon Marché, entre 1852 e 1863, de 450.000 francos para 7
milhões de francos. O aumento do lucro deve ter sido percentualmente
muito menor. Movimento grande, lucro pequeno foi um novo princípio, que
se coadunava com os principais efeitos, o efeito da multidão compradora e
o da massa do estoque. Em 1852, Boucicaut associa-se a Vidau, o
proprietário do magasin de nouveautés Au Bon Marché. ‘A
originalidade consistia em vender a mercadoria de qualidade, garantida
pelo preço da mercadoria dos camelôs. A etiqueta com preço fixo foi
outra inovação ousada, que suprimia a pechincha e a ‘venda segundo a
cara do freguês ; a devolução permitia ao cliente anular sua transação à
vontade; finalmente, os empregados eram pagos quase integralmente
através de comissões sobre as vendas: estes foram os elementos
constitutivos da nova organização.’ George d’Avenel, ‘Le mécanisme de la vie moderne: Les grands magazins’, Revue des Deux Mondes, Paris, 1894, pp. 335-336; 124 tomos.
[A 12, 1]
[...]
A fisionomia da passagem surge em Baudelaire em uma frase no início do ‘Joueur génereux’: ‘Parece-me
estranho que eu tivesse passado tantas vezes ao largo desse prestigioso
antro sem desconfiar que ali era a entrada.’ Baudelaire, Œuvres, texto organizado e anotado por Y.-G. Le Dantec, I, Paris, 1931, p. 456.26
[A 12, 4]
Característica
específica das lojas de departamentos: os compradores sentem-se como
massa; são confrontados aos estoques; abrangem todos os andares com um
só olhar; pagam preços fixos; podem ‘trocar as mercadorias’.
[A 12, 5]
[...]
Sobre a ‘embriaguez religiosa das grandes cidades’ de Baudelaire: as lojas de departamentos são os templos consagrados a esta embriaguez.28
[A 13]
B
22 De Lutetia, nome romano de Paris. (E/M)
23 G. K. Chesterton, Charles Dickens (1906; reimpressão: Nova Iorque, Schocken, 1965), pp. 119-120.(E/M)
24 De la Justice dans la Révolution et dans l’Église, 3 vols., 1858. (E/M)
25 Baudelaire, OC II, pp. 26-27. (R.T.) — Baudelaire se refere ao livro de poemas de Victor Hugo, Les Orientales (1829). (E/M)
26 Baudelaire, OC I. p. 325 (Le Spleen de Paris). (J.L.; w.b.)
28 Baudelaire, OC I, p. 651 (‘Fusées’, II). (R.T.)”
“B
[Moda]
[...]
‘Nada morre, tudo se transforma.’
Honoré de Balzac, Pensées, Sujets, Fragments, Paris, 1910, p. 46
E o tédio é a treliça diante da qual a cortesã provoca a morte. ■ Ennui ■
[B1,1]
Semelhança
das passagens com os galpões cobertos onde se aprendia a pedalar.
Nesses locais, a mulher assumia sua aparência mais sedutora: a de
ciclista Assim ela aparece nos cartazes da época. Chéret, o pintor dessa
beleza feminina. A roupa da ciclista, como protótipo precoce e
inconsciente da roupa esportiva, corresponde aos protótipos das formas
oníricas, tal qual elas, um pouco antes ou depois, apareceram para as
fábricas ou para o automóvel. Assim como as primeiras construções de
fábricas apegavam-se à forma tradicional das moradias e as primeiras
carrocerias de automóveis imitavam as carroças, também a expressão
esportiva na roupa da ciclista luta ainda com a tradicional imagem ideal
da elegancia e o fruto desta luta é o toque obstinado, sádico, que
tornou estes anos tão incomparavelmente provocantes para o mundo
masculino. ■ Moradas de sonho ■
[B 1, 3]
[...]
‘Nada está inteiramente em seu lugar, mas é a moda que fixa o lugar de tudo.’ L’Esprit d’Alphonse Karr, Paris, 1877, p. 129. ‘Se
uma mulher de bom gosto, ao desnudar-se à noite, se encontrasse
realmente do jeito que insinuou ser durante o ia todo, creio que seria
encontrada, no dia seguinte, submersa e afogada em suas lágrimas.’ Alphonse Karr, cit. em F. Th. Vischer, Mode und Zinismus, Stuttgart, 1879, pp. 106-107.
[B1, 6]
[...]
Para
o filósofo, o aspecto mais interessante da moda é sua extraordinária
capacidade de antecipação. É consenso que a arte, muitas vezes,
geralmente por meio de imagens, antecipa em anos* a realidade
perceptível. Ruas ou salas puderam ser vistas em suas variadas cores
brilhantes bem antes que a técnica, através de anúncios luminosos ou
outros dispositivos, as colocasse sob uma luz desse tipo. Da mesma
forma, a sensibilidade individual de um artista em relação ao futuro
ultrapassa em muito aquela da dama da sociedade. E, entretanto, a moda
está em contato muito mais constante, muito mais preciso, com as coisas
vindouras graças ao faro incomparável que o coletivo feminino possui
para o que nos reserva o futuro. Cada estação da moda traz em suas mais
novas criações alguns sinais secretos das coisas vindouras. Quem os
soubesse ler, saberia antecipadamente não só quais seriam as novas
tendências da arte, mas também a respeito de novas legislações, guerras e
revoluções.2 — Aqui, sem dúvida, reside o maior encanto da moda, mas também a dificuldade de torná-lo frutífero.3
[B 1a, 1]
[...]
Uma
perspectiva definitiva sobre a moda oferece-se apenas pela observação
de como para cada geração aquela que a precedeu imediatamente parece ser
o antiafrodisíaco mais radical que se possa conceber. Com este
julgamento, ela não está tão errada como se pode imaginar. Há em cada
moda algo de sátira amarga do amor, cada moda contém todas as
perversidades sexuais da maneira mais impiedosa possível, cada uma
comporta em si resistências secretas contra o amor. Vale a pena
confrontar-se com a seguinte observação de Grand-Carteret, não importa
quão superficial ela seja: ‘É
pelas cenas da vida amorosa que se percebe, na verdade, aparecer todo o
ridículo de certas modas. Estes homens, estas mulheres, não são eles
grotescos em gestos, em poses, pelo topete extravagante em si mesmo,
pelo chapéu de copa alta, pelo redingote ajustado à cintura, pelo xale,
pelos chapéus de abas largas, pelos pequenos borzeguins de tecido?’
O confronto das gerações passadas com as modas tem então uma
importância muito maior do que se imagina habitualmente. E é um dos
aspectos mais importantes do costume histórico de empreender isso
sobretudo no teatro. A partir do teatro, a questão do costume penetra
profundamente na vida da arte e da poesia, nas quais a moda é, ao mesmo
tempo, mantida e superada.
[B 1a, 4]
Um
problema bem semelhante colocou-se para nós em vista das novas formas
de velocidade que trouxeram um ritmo diferente à vida. Isto também, de
certa forma, foi testado primeiramente de maneira lúdica. Surgiram as ‘montanhas-russas’
, e os parisienses, qual loucos, apoderaram-se deste divertimento. Por
volta de 1810, conforme anota um cronista, uma dama teria desperdiçado
75 francos numa só noite no Pare de Montsouris, onde havia estas
atrações aéreas. O novo ritmo da vida anuncia-se por vezes de maneira
mais inesperada. É o caso dos cartazes. ‘Essas
imagens de um dia ou de uma hora, desbotadas pelas tempestades,
rabiscadas a carvão pelos meninos, queimadas pelo sol e alguma vezes
cobertas por outras imagens, antes mesmo que tenham secado, simbolizam — num grau ainda mais intenso que a imprensa — a vida rápida, agitada, multiforme que nos arrasta.’ Maurice Talmeyr, La Cité du Sang,
Paris, 1901, p. 269. Pois, nos primeiros tempos do cartaz ainda não
havia uma lei que regulasse sua colocação, sua proteção ou que também
garantisse a proteção contra os cartazes e, assim, era possível acordar
uma certa manhã e encontrar a própria janela tapada por um cartaz. Esta
enigmática necessidade de sensações foi desde sempre satisfeita pela
moda. Porém, somente a reflexão teológica a respeito conseguirá atingir o
cerne da questão, pois revela-se aí uma atitude profunda, afetiva, do
ser humano frente ao curso da história. Somos levados a associar esta
necessidade de sensações a um dos sete pecados capitais e não devemos
nos surpreender com o fato de um cronista associar a isso profecias
apocalípticas e anunciar um tempo em que os seres humanos se tornarão
cegos devido ao excesso de luz elétrica e desvairados por conta do ritmo
acelerado das notícias. (Em lacques Fabien, Paris en Songe, Paris, 1863.)
[B2, 1]
‘Em 4 de outubro de 1856, o Teatro Ginásio representou uma peça intitulada Les Toilettes Tapageuses (As Toaletes Escandalosas).
Era a época da crinolina e as mulheres-„balão“ estavam na moda. A atriz
que representava o papel principal, tendo compreendido a intenção
satírica do autor, trazia um vestido cuja saia propositalmente exagerada
tinha uma amplidão cômica e quase ridícula. No dia seguinte, à primeira
apresentação, seu vestido foi pedido como modelo por mais de vinte
grandes damas, e oito dias depois a crinolina tinha dobrado de dimensão.’ Maxime Du Camp, Paris, vol. VI, p. 1927.6
[B 2, 2]
‘A moda é a procura sempre vã, muitas vezes ridícula, às vezes perigosa, de uma beleza superior ideal.’ Du Camp, Paris, vol. VI, p. 194.
[B 2, 3]
[...]
Importante crítica política da moda do ponto de vista burguês: ‘Quando
o autor destes pensamentos racionais viu embarcar no trem o primeiro
rapaz vestindo uma camisa com o mais moderno colarinho, acreditou
piamente estar vendo um padre; pois esta tira branca situa-se na parte
inferior do pescoço à mesma altura do conhecido colarinho do clero
católico e, além disso, o longo paletó era preto. Quando reconheceu o
exemplo mundano da última moda, compreendeu o que este colarinho também
significa: Oh, para nós, tudo, tudo é igual, até as concordatas! Por que
não? Devemos nos entusiasmar com as Luzes como rapazes nobres? Não é a
hierarquia mais distinta do que a planura de uma insípida libertação dos
espíritos, que ao fim nada mais faz do que azedar o prazer do homem
elegante? —
Ademais, este colarinho, ao traçar o pescoço numa linha reta e firme,
lembra o belo aspecto de um recém-guilhotinado, o que combina bem com o
caráter do esnobe.’ Alia-se a isso a reação violenta à cor violeta. Vischer, ‘Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode’, p. 112.
[B 2a, 6]
Sobre a reação de 1850-1860: ‘Declarar
o que se pensa é tido como ridículo, ser severo, como infantil, assim
sendo, como a roupa não deveria tornar-se também sem graça, frouxa e, ao
mesmo tempo, apertada?’ Vischer, p. 117. Assim, ele relaciona a crinolina também ao ‘imperialismo
fortalecido que se estende e se infla como ela e que é a última e mais
forte expressão do refluxo de todas as tendências do ano de 1848,
fazendo recair seu poder como uma campânula acima do bem e do mal, da
justiça e da injustiça da revolução’. Vischer, p. 119.
[B 2a, 7]
‘No
fundo, estas coisas são ao mesmo tempo livres e não-livres. Trata-se de
um claro-escuro, onde se entremesclam a necessidade e o humor... Quanto
mais fantástica uma forma, tanto mais fortemente a consciência clara e
irônica acompanha a vontade servil. E esta consciência nos garante que a
loucura não durará, quanto mais crescer, mais próximo estará o tempo em
que terá efeito; a consciência tornar-se-á ação e libertar-se-á das
amarras.’ Vischer, pp. 122-123.
[B 2a, 8]
Um
dos textos mais importantes para o esclarecimento das possibilidades
excêntricas, revolucionárias e surrealistas da moda, além disso, um
texto que justamente estabelece a relação do Surrealismo com Grandville
&tc, é o capítulo sobre a moda no Poète Assassiné, de Apollinaire, Paris, p. 74 & seq.8
[B 2a, 9]
Como
a moda tudo imita: surgiram programas para as roupas sociais, como os
que acompanham a mais moderna música sinfônica. Em 1901, em Paris,
Victor Prouvé expôs um imponente traje de luxo com o título: ‘Margens fluviais na primavera’.
[B 2a, 10]
Marca da moda de então: sugerir um corpo que jamais conhecerá a nudez total.
[B 3, 1]
‘Apenas
por volta de 1890 considera-se que a seda já não é o material mais
nobre para a roupa de passeio; por isso foi-lhe atribuída uma nova
função, antes desconhecida: utilizou-se a seda como forro. A roupa de
1870 a 1890 é extremamente dispendiosa e as mudanças da moda limitam-se
por isso, muitas vezes, a modificações prudentes cuja intenção implícita
é a de, por assim dizer, criar uma roupa nova através da reforma de uma
roupa velha.’ 70 Jahre deutsche Mode, 1925, p. 71.
[B 3, 2]
Ano
de 1873 ... quando as enormes almofadas presas ao traseiro faziam com
que as saias se avolumassem, com seus drapeados em dobras, babados
plissados, debruns e fitas, parecendo sair da oficina de um tapeceiro e
não do ateliê de um costureiro. J. W. Samson, Die Frauenmode der Gegenwart, Berlim e Colônia. 1927. pp. 8-9.
[B 3. 3]
Nenhum
tipo de imortalização é tão perturbador quanto o do efémero e das
formas da moda que nos reservam os museus de cera. E quem um dia as viu,
terá se apaixonado, como André Breton, pela figura feminina do Musée
Grévin que ajeita sua liga no canto de um camarote. (Najda, Paris, p.199)9
[B 3, 4]
[...]
Formulação minha: ‘O eterno, de qualquer modo, é, antes, um drapeado de vestido do que uma idéia.’ 10 ■ Imagem dialética ■
[B 3, 7]
No
fetichismo, o sexo suprime as barreiras entre o mundo orgânico e o
inorgânico. Vestuário e jóias são seus aliados. Ele se sente em casa
tanto no mundo inerte quanto no da carne. Esta lhe indica o caminho de
como se instalar no primeiro. Os cabelos são um território situado entre
os dois reinos do sexo. Um outro abre-se-lhe na embriaguez da paixão:
as paisagens do corpo. Estas nem mesmo estão mais vivas, mas são ainda
acessíveis ao olhar que quanto mais distante tanto mais transfere ao
tato ou ao olfato a viagem através destes reinos da morte. No sonho,
porém, não raro intumescem-se os seios que, como a terra, estão
totalmente vestidos de florestas e rochedos, e os olhares imergiram sua
vida no fundo de espelhos d’água adormecidos em vales. Estas paisagens
percorrem caminhos que acompanham o sexo ao mundo do inorgânico. A
própria moda é apenas um outro meio que o atrai ainda mais profundamente
ao mundo da matéria.
[B 3, 8]
‘Este
ano, diz Tristouse, a moda é bizarra e familiar, simples e cheia de
fantasia. Todos os materiais dos diferentes reinos da natureza podem
agora entrar na composição de uma roupa de mulher Vi um vestido
encantador feito de rolhas de cortiça... Um grande costureiro cogita
lançar tailleurs feitos com o dorso de livros velhos, costurados
com pêlo de bezerro... As espinhas de peixe são muito usadas em chapéus.
Vêem-se freqüentemente deliciosas jovens vestidas como peregrinas de
Santiago de Compostela, sendo sua roupa, como convém, constelada de
conchas de „São Tiago“.11
A porcelana, o grés e a louça surgiram bruscamente na arte da
vestimenta... As plumas decoram agora não apenas os chapéus, mas os
sapatos e as luvas, e no proximo ano serão colocadas nas sombrinhas.
Fazem-se sapatos de vidro de Veneza e chapéus de cristal de Baccarat...
Esqueci-me de lhes dizer que, na última quarta-feira vi nos boulevards
uma velha madame vestida com pequenos espelhos aplicados e colados em
um tecido. Ao sol, o efeito era suntuoso. Parecia, digamos, uma mina de
ouro a passeio. Mais tarde começou a chover e a dama pareceu uma mina de
prata... A moda torna-se prática e não despreza mais nada, enobrece
tudo. Ela faz com a matéria o que os românticos fizeram com as palavras.’ Guillaume Apollinaire, Le Poéte Assassiné, nova edição Paris, 1927, pp. 75-77.
[B 3a, 1]
[...]
‘Os banhos de mar deram o primeiro golpe na solene e embaraçosa crinolina.’ Louis sonolet, La Vie Parisienne som le Second Empire, Paris, 1929, p. 247.
[B 3a, 3]
‘A
moda consiste de extremos. Como ela, por natureza, procura os extremos,
nada mais lhe resta ao abandonar uma determinada forma senão remeter-se
exatamente ao seu contrário.’ 70 Jahre deutsche Mode ’ 1925., p. 51. Seus máximos extremos: a frivolidade e a morte.
[B 3a, 4]
‘Consideravamos
a crinolina o símbolo do Segundo Império na França, de sua mentira
deslavada, de seu atrevimento leviano e ostentoso. Esse império ruiu...,
mas o mundo parisiense ainda teve tempo, antes de sua queda, de
salientar na moda feminina um outro aspecto de seu estado de espírito, e
a república não se hirtou de aceitá-lo e conservá-lo.’ E Th. Vischer, Mode und Cynismus, Stuttgart, 1879, p. 6. A nova moda a que Vischer se refere e explicada da seguinte forma: ‘O vestido é cortado transversalmente sobre o corpo e estende-se ... sobre o abdome.’ (p. 6) Mais tarde, ele ahrma que as mulheres que assim se vestem ‘estão nuas, embora vestidas’ (p. 8).
[B 3a, 5]
Friedell explica em relação à mulher ‘que
a história de seu vestuário demonstra surpreendentemente poucas
variações, nada mais sendo do que uma seqüência de algumas nuances que
mudam muito rapidamente, mas que também retornam com maior freqüência: o
comprimento das caudas, a altura dos penteados, o comprimento das
mangas, o volume saia, o tamanho do decote, a altura da cintura. Mesmo
revoluções radicais como o atual corte de cabelos à la garçonne são
apenas o eterno retorno do mesmo . Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit,
vol. III, Munique, 1931, p. 88. Desta forma, segundo o autor, a moda
feminina se distingue da moda masculina, mais variada e mais
determinada.
[B 4, 1]
[...]
‘A
moda é um testemunho, mas um testemunho da história do grande mundo
somente, porque em todos os povos ... os pobres não têm modas como não
têm história, e nem suas idéias, nem seus gostos, nem sua vida mudam em
nada. Talvez ... a vida pública comece a penetrar nos pequenos lares,
mas isso levará tempo.’ Eugène Montrue, Le XIXe Siècle Vécu par Deux Français, Paris, p. 241.
[B 4, 6]
A seguinte observação permite reconhecer qual o significado da moda como disfarce de determinados desejos da classe dominante. ‘Os
donos do poder sentem uma imensa aversão a grandes transformações.
Desejam que tudo fique como está, por mil anos de preferência. Seria
preferível que a lua permanecesse imóvel e que o sol não se movesse!
Então ninguém sentiria mais fome e teria vontade de jantar. Quando
tivessem usado sua arma, os adversários não deveriam mais atirar, seus
tiros deveriam ser os últimos.’ Bertolt Brecht, ‘Fünf Schwierigkeiten beim Schreiben der Wahrheit’, Unsere Zeit, VIII, 2-3, abril de 1935, Paris/Basiléia/Praga, p. 32.
[B 4a, 1]
[...]
Uma
moda atual e seu significado. Na primavera de 1935, aproximadamente,
surgiram na moda feminina plaquetas de metal de tamanho médio,
perfiiradas, usadas sobre a malha ou o casaco, com a inicial do prenome
da mulher que os vestia. Assim, a moda tirava proveito da voga dos
distintivos usados com maior freqüência pelos homens que se tornaram
membros de associações. Por outro lado, entretanto, com isso vem à tona a
crescente restrição à esfera particular. O nome, mais precisamente, o
prenome das desconhecidas, é trazido a público numa beirada de tecido. O
fato de que com isso fosse mais fácil ‘travar conhecimento’ com uma desconhecida é de importância secundária.
[B 4a, 4]
‘Os
criadores de moda ... freqüentam a sociedade e adquirem desse convívio
uma impressão geral, participam da vida artística, assistem a estréias e
visitam exposições, lêem os livros de sucesso —
em outras palavras, sua inspiração inflama-se com os estímulos ...
oferecidos por uma atualidade movimentada. Todavia, como nenhum presente
desliga-se totalmente do passado, também o passado oferece-lhes
estímulos... Mas apenas é utilizado aquilo que está em harmonia com o
acorde da moda atual. O chapeuzinho caído sobre a testa, que devemos à
exposição de Manet, prova simplesmente que possuímos uma nova disposição
de entrar em confronto com o fim do século anterior.’ Helen Grund, Vom Wesen der Mode, Munique, 1935, p. 13.
[B 4a, 5]
<fase média>
2
À margem de uma transcrição tipográfica deste fragmento, feita por
Gretel Adorno, encontra-se esta nota manuscrita de Theodor W. Adorno: ‘eu diria: contra-revoluções’. (R.T.)
3 Na revisão da tradução deste fragmento foi consultada também a tradução anteriormente publicada por Sheila Grecco em ‘A Moda, Segundo Benjamin’, Suplemento ‘EU&’, Valor, São Paulo, 6 a 8 de outubro de 2000, p. 31. (w.b.)
6
A primeira edição da obra de Maxime Du Camp sobre Paris foi publicada
entre 1869 e 1875; até 1898 houve oito reedições. O editor alemão não
conseguiu descobrir quais foram as edições utilizadas por Benjamin, pois
as indicações de volumes e páginas são contraditórias, lacunares ou não
encontráveis. (R.T.; w.b.)
8 Cf. B 3a, 1 . (J.L.)
9 André Breton, Nadja, Paris, Gallimard, 1980, p. 179. (J.L.)
10 Cf. N 3, 2. (R.T.)
11 Conchas Saint-Jacques, tradicionalmente fixadas no manto e no chapéu dos peregrinos de Santiago de Compostela, em francês, Saint-Jacques de Compostelle. (w.b.)
12 La Muette de Portici: ópera de D.-F.-E. Auber. Um dueto desta obra, ‘Amour sacré de la patrie’, teria sido o sinal para dar início à Revolução de 1830, em Bruxelas. (E/M)
“<fase média>
Sobre a batalha publicitária entre a casa de alta costura e os jornalistas de moda. ‘Facilita sua tarefa (dos jornalistas) o fato de nossos desejos coincidirem.’ ‘Dificulta,
porém, o fato de que nenhum jornal ou revista queira considerar como
novo aquilo que um outro jornal ou revista já tenha publicado. Somente
os fotógrafos e desenhistas, ao valorizar diferentes aspectos de uma
roupa através da pose e da iluminação, podem livrar-nos deste dilema. As
mais importantes revistas ... possuem estúdios fotográficos próprios,
equipados com todos os refinamentos técnicos e artísticos, comandados
por fotógrafos muito talentosos e especializados... A todos, porém, é
vedada a publicação destes documentos antes do momento de a cliente
fazer sua escolha, portanto, normalmente de quatro a seis semanas antes
da estréia. O motivo desta medida? — Também a mulher não quer privar-se
do efeito-surpresa ao apresentar-se à sociedade vestindo estas novas
roupas.’ Helen Grund, Vom Wesen der Mode, pp. 21-22 (manuscrito particular, Munique, 1935 .
[B 5, 1]
Segundo
o sumário das seis primeiras edições, encontra-se na revista La Demiere
Mode, Paris, 1874, editada por Stéphane Mallarmé, ‘um encantador esboço esportivo, resultado de uma conversa com o maravilhoso naturalista Toussenel’. Reprodução deste resumo em Minotaure, II, 6, inverno de 1935, p. 27.
[B 5, 2]
Uma teoria biológica da moda, a partir da transformação da zebra em cavalo, descrita na edição popular do Brehm,14 p. 771, transformação ‘que
se estendeu por milhões de anos... A tendência inerente aos cavalos
evoluiu dando ensejo à criação de um animal extraordinário para o trote e
a corrida... Os animais mais próximos de sua origem na atualidade
exibem um desenho de listras bastante chamativo. Um fato curioso é que
as listras exteriores da zebra manifestam uma certa concordância com a
disposição das costelas e das vértebras no lado interno. Da mesma forma,
pode-se já determinar pelo lado externo a posição das patas superiores
dianteiras e traseiras através do desenho singular das listras nestas
partes. O que significa este desenho listrado? Certamente não possui uma
função protetora... As listras são mantidas, apesar de sua „inutilidade funcional“, e —
por isso devem ter um significado especial. Não estaríamos aqui diante
de estímulos provocados exteriormente em prol de tendências interiores
que devem tornar-se particularmente ativas na época do acasalamento?
Como é que podemos transferir esta teoria para o nosso tema? — Algo basicamente importante, segundo me parece. — A moda „absurda“,
desde que a humanidade passou da nudez à roupa, toma emprestado o papel
da natureza sábia... Pois ao determinar em sua transformação ... uma
permanente revisão de todas as partes da silhueta, a moda obriga a
mulher a preocupar-se permanentemente com a beleza.’ Helen Grund, Vom Wesen der Mode, Munique, 1935, pp. 7-8.
[B5, 3]
[...]
‘Nós
observamos ao nosso redor ... os efeitos de confusão e dissipação que
nos inflige o movimento desordenado do mundo moderno. As artes não
assumem compromisso com a pressa. Nossos ideais duram dez anos! A
absurda superstição do novo — que infelizmente substituiu a antiga e
excelente crença no julgamento da posteridade —
atribui ao esforço do trabalho o fim mais ilusório e o utiliza para
criar o que há de mais perecível, o que é perecível por essência: a
sensação do novo... Ora, tudo o que se vê aqui foi experimentado,
seduziu e encantou durante séculos, e toda essa glória nos diz com
serenidade: „EU
NÃO SOU NADA DE NOVO. O Tempo pode mesmo estragar a matéria na qual
existo; mas enquanto ele não me destruir, não poderá fazê-lo a
indiferença ou o desprezo de algum homem digno desse nome“.’ Paul Valéry, ‘Préambule’ (prefácio ao catálogo da exposição ‘L’art italien de Cimabue à Tiepolo’, Petit Palais, 1935, pp-
[B 5a, 2]
‘O
triunfo da burguesia modifica a roupa feminina A roupa e o penteado se
desenvolvem em largura ... os ombros se alagam com mangas amplas, e não
se tardará a recolocare em uso as anantigas armações e a se fazer saias
bufantes. Assim vestidas, as mulheres pareciam destinadas à vida
sedentária, à vida familiar, porque sua maneira de se vestir não tinha
nada que desse a idéia de movimento ou que parecesse favorecê-lo.
Aconteceu o contráno com a chegada do Segundo Império; os laços
familiares se relaxaram; um luxo sempre crescente corrompeu o costumes a
ponto de tornar-se difícil distinguir, unicamente pelo aspecto da
roupa, uma mulher honesta de uma cortesã. Então, a toalete feminina se
transformou da cabeça aos pés... As armações foram jogadas para trás e
se reuniram num traseiro acentuado. Desenvolveu-se tudo o que podia
impedir as mulheres de permanecer sentadas; afastou-se tudo o que
pudesse dificultar seu caminhar. Elas se pentearam e se vestiram como
que para serem vistas de perfil. Ora, o perfil é a silhueta de uma
pessoa ... que passa, que vai nos escapar. A toalete tormou-se uma
imagem do movimento rápido que leva o mundo.’ Charles Blanc, Considérations sur le Vêtement des Femmes (Insitut de France, 25 de oumbro de 1872), pp. 12-13.
[B 5a, 3]
‘Para
entender a essência da moda atual, é preciso recorrer não só a motivos
de natureza individual tais como: o desejo de mudança, o senso de
beleza, a paixão por se vestir, ímpeto de se adaptar aos padrões. Sem
dúvida, tais motivações interferiram em diversas épocas ... na criação
das roupas... Entretanto, a moda tal como se entende hoje, não tem
motivações individuais, mas tão-somente uma motivação social; no momento
em que se entende isso, chega-se à compreensão de toda a sua essência.
Trata-se no empenho das classes altas de se distinguirem das mais
baixas, ou melhor, das classes médias ... A moda é a barreira — erigida sem cessar e sempre de novo demolida —
através da qual o mundo elegante procura isolar-se das regiões medianas
da sociedade. Trata-se da procura desenfreada da vaidade social, na
qual se repete sem cessar um mesmo fenómeno: o esforço de um grupo para
estabelecer a liderança, ainda que seja mínima a distância que o separe
dos perseguidores, e o esforço destes de neutralizar essa vantagem
através da nova moda. Explicam-se assim os traços característicos da
moda atual. Primeiramente seu surgimento nas camadas superiores da
sociedade e sua imitaçao nas camadas medias. A moda se move de cima para
baixo, não de baixo para cima... Uma tentativa das classes médias de
lançar uma moda nova jamais ... seria bem-sucedida; embora nada fosse
mais desejável para as camadas mais altas do que a adotação de uma moda
própria por parte daquelas classes. ([Nota:] Isto não as impede,
contudo, de procurar novos padrões na cloaca do meio-mundo parisiense e
lançar modas que carregam claramente na testa o carimbo de sua origem
licenciosa, como Fr. Vischer demonstrou de maneira convincente em seu
ensaio sobre a moda, ... muito criticado, porém, na minha opinião, ...
altamente meritório.) Daí vem a mudança contínua da moda. Tão logo as
classes medias adotem moda recém-lançada, esta perde seu valor para as
classes superiores... Por isso, a novidade e a condição imprescindível
da moda... A sua duração é inversamente proporcional à rapidez de sua
difusão; seu caráter efêmero acentuou-se em nossos tempos na mesma
medida em que se multiplicaram os meios para sua difusão graças ao
aperfeiçoamento dos nossos meios de comunicação... E, finalmente, a
referida motivação social expiica também o terceiro traço característico
de nossa moda atual: sua ... tirania. A moda contém o critério exterior
segundo o qual uma pessoa ... ‘faz parte da sociedade’. Quem não quer
abrir mão disso é obrigado a segui-la, mesmo que rejeite totalmente uma
nova tendência dela... Com isso é decretada também a sentença da moda...
Caso as camadas sociais, que são fracas e tolas o suficiente para
imitá-la, conseguissem atingir o sentimento de sua dignidade e
auto-estima..., chegar-se-ia ao fim da moda, e a beleza poderia, por sua
vez, recuperar o lugar que ocupou em todos os povos que ... não
sentiram a necessidade de acentuar as diferenças de classes através do
vestuário, ou, onde isso ocorreu, tenham sido bastante razoáveis para
respeitá-las.’ Rudolph von Jhering, Der Zweck im Recht , vol. II, Leipzig, 1883, pp. 234-238.15
[B 6; B 6a, 1]
Sobre a época de Napoleão III: ‘Ganhar
dinheiro torna-se objeto de um ardor quase sensual, e o amor, uma
questão de dinheiro. A época do Romantismo francês, o ideal erótico
gravitava em torno da grisette;16 agora é a vez da lorette17
que se vende... Ocorreu na moda uma nuance marota: as senhoras usam
colarinhos e gravatas, paletós, saias cortadas à semelhança de fraques
... túnicas de zuavo, dólmãs, bengalas, monóculos. Dá-se preferência a
cores fortemente contrastantes e berrantes, também para os penteados:
cabelos vermelho-fogo são muito apreciados... O tipo mais característico
da moda é o da grande dama que faz o papel da cocota.’ Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 203. O ‘caráter plebeu’ desta moda apresenta-se ao autor como ‘invasão ... vinda de baixo’, por parte dos nouveaux riches.
[B 6a, 2]
[...]
Simmel indica que ‘a invenção da moda na época atual integra-se cada vez mais a organização objetiva do trabalho da economia’. ‘Não surge em algum lugar um artigo que se torna moda; ao contrário, criam-se artigos com a finalidade de tornar-se moda.’
A oposição enfatizada nesta última frase poderia dizer respeito em
certa medida àquela existente entre a era burguesa e a era feudal. Georg
Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 34 (‘A moda’).
[B 7, 7]
[...]
Simmel afirma ‘que
as modas são sempre modas de classe, que as modas da classe superior
distinguem-se daquelas da classe inferior e são abandonadas no momento
em que esta última começa a se apropriar delas’. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 32 (‘A moda’).
[B 7a, 2]
.
14 Alfred Edmund Brehm (1829-1884), zoólogo e antigo diretor do Jardim Zoológico de Berlim, foi o autor de Tierleben (Vida dos Animais), 6 vols. (1864-1869). A edição popular (o ‘Kleine Brehm’), à qual se refere Benjamin, parece ser esta: Brehms Tierleben: Kleine Ausgabe für Volk und Schule, 3 vols., 2a ed., org. por Richard Schmidtlein, Leipzig, Bibliographisches Institut, 1902. (J.L.; E/M; w.b.)
15 Cf. nota 3.
16 Jovem costureirinha na indústria da moda, de condição modesta e costumes levianos. (w.b.)
17
Moça de costumes levianos. O nome é derivado da igreja Notre-Dame de
Lorette, situada num bairro onde moravam muitas dessas jovens. (w.b.)”
.
<fase tardia>20
[...]
“A
idéia tola e funesta de opor o conhecimento aprofundado dos meios de
execução— trabalho sensatamente mantido … ao ato impulsivo da
sensibilidade singular é um dos traços mais certos e mais deploráveis da
leviandade e da fraqueza de caráter que marcaram a era romântica. A
preocupação com a duração das obras já se enfraquecia e cedia, nos
espíritos, ao desejo de surpreender: a arte se viu condenada a um regime
de rupturas sucessivas. Nasceu um automatismo da ousadia. Esta
tornou-se imperativa como fora a tradição. Enfim, a Moda, que é a
mudança em alta freqüência do gosto de uma clientela substituiu sua
mobilidade essencial às lentas formações dos estilos, das escolas, das
grandes celebridades. Mas dizer que a Moda se encarrega do destino das
Belas Artes é o bastante para dizer que o comércio aí se intromete.”
Paul Valéry, Pièces sur l’Art, Paris, pp. 18-488 (“Sobre Corot”).
[B 8, 2]
[...]
“Este gosto da modernidade vai tão longe que Baudelaire, como Balzac, o
estende aos mais fúteis detalhes da moda e do vestuário. Ambos os
estudam em si mesmos e elaboram com eles questões morais e filosóficas,
porque eles representam a realidade imediata no aspecto mais agudo, mais
agressivo, mais irritante, talvez, mas também mais vivido.” [Nota]:
“Além disso, para Baudelaire, essas preocupações se voltam para sua
importante teoria do Dandismo da qual, justamente, ele fez uma questão
de moral e de modernidade.” Roger Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Française XXV: 284, 1 de maio de 1937, p. 692.
[B 8a, 2]
“Grande acontecimento! As belas damas experimentam um dia a necessidade
de inflar o traseiro. Depressa, aos milhares, fábricas de enchimentos! …
Mas o que é uma simples guarnição sobre ilustres cóccix? Uma
bugiganga, na verdade… ‘Abaixo os traseiros! Viva as crinolinas!’ E, de
repente, o universo civilizado se transforma em manufatura de sinos
ambulantes. Por que o sexo encantador esqueceu os badalos dos sininhos? …
Ocupar um lugar não é tudo, é preciso fazer barulho lá embaixo… O quartier Breda e o faubourg
Saint-Germain são rivais em piedade, tanto quanto em engomados e em
coques. Que sigam o exemplo da Igreja! Nas vésperas, o órgão e o clero
recitam alternadamente um versículo dos salmos. As belas damas e seus
sinos poderiam seguir esse exemplo: palavras e tilintes retomando, cada
um em sua vez, a seqüência da conversa.” Blanqui, Critique Sociale, Paris, 1885, vol. I, pp. 83-84 (“O luxo”). — “O luxo” é uma polêmica dirigida contra a indústria de luxo.
[B 8a, 3]
Cada
geração vivência a moda da geração imediatamente anterior como o mais
radical dos antiafrodisíacos que se pode imaginar. Com esse veredicto,
ela não comete um erro tão grande como se poderia supor. Em cada moda há
um quê de amarga sátira ao amor; em cada uma delas delineiam-se
perversões da maneira mais impiedosa. Toda moda está em conflito com o
orgânico. Cada uma delas tenta acasalar o corpo vivo com o mundo
inorgânico. A moda defende os direitos do cadáver sobre o ser vivo. O
fetichismo que subjaz ao sex appeal do inorgânico é seu nervo vital.
[B 9, 1]
Nascimento
e morte - o primeiro, pelas circunstâncias naturais; a segunda, por
circunstâncias sociais — limitam consideravelmente a margem de liberdade
da moda, quando se tornam atuais. Este estado de coisas é realçado por
uma dupla circunstância. A primeira refere-se ao nascimento e mostra
como a recriação natural da vida é “superada” pela novidade no domínio
da moda. A segunda refere-se à morte. No que concerne à morte, ela não
aparece menos “superada” na moda, quando esta liberta o sex appeal do inorgânico.
[B 9, 2]
A
descrição detalhada da beleza feminina, apreciada pela poesia barroca,
que exalta cada um de seus pormenores através da comparação, associa-se
secretamente à imagem do cadáver. Tal desmembramento da beleza feminina
em suas partes gloriosas assemelha-se a uma dissecação, e as mais
apreciadas comparações das partes do corpo com o alabastro, com a neve,
com pedras preciosas ou outras matérias, sobretudo inorgânicas, reforçam
esse sentimento. (Tais desmembramentos são encontrados também em
Baudelaire, “Le beau navire ".)
[B 9, 3]
[...]
As
modas são um medicamento que deve compensar na escala coletiva os
efeitos nefastos do esquecimento. Quanto mais efêmera é uma época, tanto
mais ela se orienta na moda. Cf. [K 2a, 3].
[B 9 a, 1 ]
[...]
Dificilmente
encontra-se uma peça de vestuário que pode expressar tantas tendências
eróticas divergentes e fornecer tantas possibilidades para dissimulá-las
quanto o chapéu feminino. Enquanto o significado da cobertura de cabeça
masculina seguia estritamente, em sua
esfera - a política -, alguns poucos modelos rígidos, as nuances do
significado erótico do chapéu feminino são incalculáveis. Não são as
diferentes possibilidades de sugerir simbolicamente os órgãos sexuais as
que mais podem interessar aqui. Mais surpreendente pode ser a
explicação que o chapéu fornece sobre a vestimenta. Helen Grund formulou
a hipótese engenhosa de que o tipo de chapéu que é usado junto com a
crinolina representa na verdade um modo de manejo desta última para os
homens. As largas abas do chapéu são dobradas — indicando, desta
maneira, como a crinolina deve ser dobrada para facilitar ao homem o
acesso sexual à mulher.
[B 10, 9 ]
[...]
C
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
"Facilis descensus Averno."
Virgílio1
"Aqui, mesmo os automóveis têm um ar de antiguidade"
Guilllaume Apollinaire2
Como
as grades — enquanto alegorias — se estabelecem no inferno. Na Passage
Vivienne, esculturas sobre os portais, representando alegorias do
comércio.
[C 1, 1 ]
O Surrealismo veio à luz numa passagem. E sob a proteção de que musas!
[C 1, 2 ]
O
pai do Surrealismo foi Dadá, a mãe foi uma passagem. Dadá já era velho
quando se conheceram. No final de 1919, Aragon e Breton, por antipatia a
Montpamasse e Montmartre, transferiram seus encontros com amigos para
um café na Passage de L’Opéra. A construção do Boulevard Haussmann foi o
seu fim. Sobre ela, Louis Aragon escreveu 135 páginas; na soma destes
três dígitos mantém-se escondido o número nove, correspondente às nove
musas que dotaram o Surrealismo recém-nascido com suas dádivas.
Chamam-se: Luna, a condessa de Geschwitz, Kate Greenaway, Mors, Cléo de
Mérode, Dulcinéia, Libido, Baby Cadum e Friederike Kempner. (Em vez da
Condessa de Geschwitz: Tipse?)3
[C 1, 3]
[...]
Pausânias escreveu uma topografia da Grécia em 200 d.C., quando os lugares sagrados e muitos outros monumentos começaram a ruir.
[C 1, 5]
[...]
Construir
a cidade topograficamente, dez vezes ou cem vezes, a partir de suas
passagens e suas portas, seus cemitérios e bordéis, suas estações e
seus...,4 assim
como antigamente ela se definia por suas igrejas e seus mercados. E as
figuras mais secretas, mais profundamente recônditas da cidade:
assassinatos e rebeliões, os nós sangrentos no emaranhado das ruas, os
leitos de amores e incêndios. ■ Flâneur ■
[C 1, 8]
[...]
Na
antiga Grécia, mostravam-se lugares pelos quais se descia ao reino dos
monos. Também nossa existência desperta é uma terra em que se desce ao
reino dos mortos, cheia de lugares aparentemente insignificantes, onde
desembocam os sonhos. Passamos por eles todos os dias sem nada
suspeitar; porém, mal vem o sono, nos apressamos em voltar em sua
direção, procurando-os pelo tato, e nos perdemos nos corredores
sombrios. O labirinto de casas das cidades assemelha-se à luz do dia à
consciência; as passagens (são elas as galerias que conduzem a sua
existência anterior) desembocam de dia imperceptivelmente nas ruas.
Entretanto, à noite, das massas de casas sombrias, emerge assustadora
sua escuridão mais compacta e o transeunte tardio passa apressado por
elas, a não ser que o tenhamos encorajado a empreender a viagem pela
ruela estreita. Mas um outro sistema de galerias se estende nos
subterrâneos de Paris: o metrô, onde à noite as luzes se acendem rubras,
indicando o caminho ao Hades dos nomes. Combat — Elysée — Georges V —
Etienne Marcei — Solférino — Invalides - Vaugirard arrancaram as
correntes humilhantes da rua, da praça e tornaram-se aqui, na escuridão
entrecortada por lampejos fulgurantes e apitos estridentes, deuses
informes das cloacas, fadas das catacumbas. Este labirinto abriga em seu
interior não um, e sim dúzias de touros cegos, enfurecidos, em cuja
goela é preciso lançar não uma virgem tebana por ano, e sim, a cada
manhã, milhares de jovens operárias anêmicas e caixeiros sonados. ■
Nomes de ruas ■ Aqui embaixo, nada mais do choque, do entrecruzamento de
nomes que formam a rede lingüística na superfície. Cada um mora
solitáno aqui, o inferno é sua corte; Amer, Picon, Dubonnet5 são os guardiões do limiar.
[C 1a, 2]
“Cada quartier
não atinge seu apogeu propriamente dito pouco antes de estar
completamente urbanizado? Seu planeta descreve então uma curva,
aproximando-se do comércio, e nesse particular, primeiramente do grande
comércio, em seguida do pequeno. Enquanto a rua ainda é relarivamente
nova, ela pertence à gente humilde, e desvencilha-se desta quando a moda
lhe sorri. Sem dar atenção ao dinheiro, os interessados disputam entre
si as pequenas casas e apartamentos, mas apenas enquanto mulheres
bonitas de fulgurante elegância, que embelezam não só os salões, mas
também a casa e até mesmo a rua, promoverem aqui suas festas ou forem
para elas convidadas. E ao tornar-se passante, a bela dama requer lojas
e, freqüentemente, sai caro à rua ceder muito depressa a este desejo.
Começa-se então a diminuir os pátios, alguns são suprimidos totalmente,
as pessoas passam a espremer-se nas casas e, ao fim, chega um dia de Ano
Novo, em que não é de bom-tom exibir tal endereço num cartão de
visitas. Pois a maioria dos inquilinos é formada por pequenos
negociantes e as entradas das casas não perdem muito se, de vez em
quando, derem abrigo a pequenos artesãos, cujos míseros barracos de
madeira tomaram o lugar das lojas.”6 Lefeuve, Les Anciennes Maisons de Paris sous Napoléon III, Paris e Bruxelas, vol. I, p. 482. ■ Moda ■
[C 1a, 3]
[...]
Paris
situa-se sobre um sistema de cavernas de onde ressoam ruídos do metrô e
de trens e no qual cada ônibus e cada caminhão desperta um eco que se
prolonga. E este grande sistema técnico de ruas e canalização
entrecruza-se com as abóbadas antigas, minas de calcário, grutas,
catacumbas, que foram aumentando durante séculos, desde o início da
Idade Média. Ainda hoje é possível adquirir uma entrada por dois francos
para uma visita a esta Paris mais noturna, que é muito mais barata e
menos perigosa que aquela da superfície. A Idade Média via isso de
maneira diferente. Fontes históricas nos informam que, vez por outra,
pessoas espertas dispunham-se, mediante régio pagamento e voto de
silêncio, a mostrar a seus concidadãos o demônio lá embaixo, em sua
majestade infernal. Um empreendimento financeiro que era muito menos
arriscado para as vítimas do que para o tratante. Não deveria a Igreja
considerar uma falsa aparição do diabo quase equivalente a um
sacrilégio? De resto, esta cidade subterrânea também rendeu lucros
palpáveis àqueles que a conheciam bem. Pois suas ruas burlavam a grande
barreira alfandegária através da qual os cobradores de impostos
garantiam para si seus direitos a impostos de importação. Nos séculos
XVI e XVIII, o contrabando prosperava principalmente sob a terra.
Sabemos também que, em tempos de comoção pública, alastravam-se
rapidamente rumores assombrosos sobre as catacumbas, sem falar dos
espíritos proféticos e das mulheres adivinhas, a quem isso compete por
direito. No dia após a fuga de Luís XVI, o governo revolucionário
difundiu cartazes em que ordenava a busca mais minuciosa nesses
subterrâneos. E alguns anos mais tarde, inesperadamente, circulou pelas
massas o boato de que alguns bairros estavam prestes a afundar.
[C 2, 1]
[...]
Existem
emblemas arquiteturais do comércio: degraus levam à farmácia, enquanto a
tabacaria apossou-se da esquina. O comércio sabe tirar proveito do
limiar: na entrada da passagem, da pista de patinação, da piscina
pública, da plataforma de embarque, coloca-se a guardiã do limiar: uma
galinha que bota automaticamente ovos de lata, contendo balas em seu
interior; ao lado dela, uma vidente automática - um aparelho automático
de impressão, com o qual podemos imprimir nosso nome numa tira de metal
que nos prenderá ao pescoço o nosso destino.
[C 2, 4]
Na antiga Paris, havia execuções (por exemplo, pela forca) em plena rua.
[C 2, 5]
[...]
Diante da entrada, uma caixa de correio: última oportunidade de enviar um sinal ao mundo que se abandona.
[C 2a, 6]
Passeio e visita subterrânea aos canais de esgoto. Percurso preferido: Châtelet-Madeleine.
[C 2a, 7]
“As
ruínas da Igreja e da Nobreza, as do Feudalismo, da Idade Média são
sublimes e hoje enchem de admiração os vencedores, que ficam surpresos,
boquiabertos; mas as da Burguesia serão um ignóbil detrito de
cartonagem, de gessos, de coloridos.” Le Diable à Paris, Paris, 1845, vol. II, p. 18 (Balzac, “O que desaparece de Paris”). ■ Colecionador ■
[C 2a, 8]
...tudo
isso são as passagens a nossos olhos. E nada disso elas foram outrora.
“Porque é somente hoje, quando as ameaça a picareta, que elas se
tornaram efetivamente santuários de um culto do efêmero, que se tornaram
a paisagem-fantasma dos prazeres e das profissões malditas,
incompreensíveis ontem e que o futuro jamais conhecerá.” Louis Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, 1926, p. 19. ■ Colecionador ■
[C 2a, 9]
Súbito passado de uma cidade: janelas iluminadas antes do Natal reluzem como se estivessem acesas desde antes de 1880.
[C 2a, 10]
O sonho — eis a terra onde se fazem as descobertas que testemunham a história primeva do século XIX. ■ Sonho ■
[C 2a, 11]
[...]
O
renascimento do drama arcaico dos gregos sobre os palcos de madeira das
feiras. O Prefeito de Polícia somente autoriza diálogos sobre estes
palcos. “Esse terceiro personagem é mudo, por ordem do Sr. Prefeito de
Polícia, que só permite o diálogo nos teatros considerados itinerantes.”
Gerard de Nerval, Le Cabaret de la Mère Saguet, Paris, 1927, pp. 259-260 (“Le Boulevard du Temple autrefois et aujourd’hui”).
[C 3, 1]
Diante da entrada da passagem uma caixa de correio: uma última oportunidade de enviar um sinal ao mundo que se abandona.
[C 3, 2]
Apenas
na aparência a cidade é homogênea. Até mesmo seu nome assume um tom
diferente nos diferentes lugares. Em parte alguma, a não ser em sonhos, é
ainda possível experienciar o fenômeno do limite de maneira mais
original do que nas cidades. Entender esse fenômeno significa saber onde
passam aquelas linhas que servem de demarcação, ao longo do viaduto dos
trens, através de casas, por dentro do parque, à margem do rio;
significa conhecer estas fronteiras, bem como os enclaves dos diferentes
territórios. Como limiar, a fronteira atravessa as ruas; um novo
distrito inicia-se como um passo no vazio; como se tivéssemos pisado num
degrau mais abaixo que não tínhamos visto.
[C 3, 3]
20
Devido a uma lacuna na edição alemã, referente à gênese do arquivo
temático "B", não é possível determinar se a fase tardia se inicia com o
fólio [B8] ou [B9] (cf. GS V, 1262). (w.b.)
1 "É fácil descer o Averno." Virgílio, Eneida, VI, v. 126. Cf. , segmento V. (R.T.; w.b.)
2 ( 3 . Apollinaire, Œuvres Poétiques, ed. org. por Marcei Adéma e Michel Décaudin, Paris, 1 956 (Bibliothèque de la Plêiade, 121), p. 39 ("Zone"). (R.T.)
3 Um catálogo de musas do Surrealismo já aparece em três fragmentos anteriores: "Passagens Parisienses ", e ; e "", ; ver também as respectivas notas: 27, 28 e 78. A única diferença desta lista de musas com a de
é a substituição da "Condessa de Geschwitz" por uma personagem chamada
“Tipse", não explicada por R.T. e “misteriosa" para J.L. e E/M. - Talvez
Benjamin quisesse se referir a uma nova profissão feminina, em franca
expansão nas metrópoles dos anos 1 920 e designada em alemão coloquial,
com uma conotação levemente pejorativa, por Tippse, "datilógrafa",
(w.b.)
4 Parece que no lugar destas reticências Benjamin iria colocar mais tarde uma palavra que não lhe ocorreu na hora. (R.T.)
5
Três bebidas alcoólicas, cujos nomes apareciam em cartazes por toda a
cidade, (w.b.)
6 Nossa tradução baseou-se no texto alemão de Benjamin, que em parte
traduziu, em parte adaptou a passagem de Lefeuve, como se pode verificar
ao consultar o original francês reproduzido nas notas da edição alemã
(GS V, 1326). (w.b.)
Curiosa a seguinte frase da obra-prima “Paris souterrain”, de Nadar, em Quand J’étais Photographe,
Paris, 1900, p. 124: “Na história dos esgotos, escrita com a pena
genial do poeta e filósofo, após a descrição que ele soube tornar mais
comovente que um drama, Hugo conta que na China não há um só camponês
que, voltando da venda de seus legumes na cidade, não traga a pesada
carga de dois baldes cheios desses preciosos fertilizantes.”
[C 4a, 1]
[...]
Em
1899, durante os trabalhos do metrô, foram encontrados na Rue
Saint-Antoine os alicerces de uma torre da Bastilha. Cabinet des
Estampes.
[C 4a, 4]
{como no metrô de Atenas onde, em cada estação, tem exposto as coisas antigas encontradas lá durante a obra}
[...]
Pequena
premonição do metrô na descrição das casas-modelo do futuro: “Os
subsolos, muito espaçosos e bem iluminados, se intercomunicam todos.
Formam longas galerias que seguem o trajeto das ruas e onde se construiu
uma estrada de ferro subterrânea. Esta ferrovia não é destinada aos
passageiros, mas apenas às mercadorias volumosas, ao vinho, à madeira,
ao carvão etc., que ela transporta até o interior das casas... Estas
ferrovias subterrâneas adquirem uma importância cada vez maior.’ Tony
Moilin, Paris en l’An 2000, Paris, 1869, pp. 14-15 (“Maisons-modèles”).
[C 5a, 3]
[...]
“Edgar
Poe fez passar pelas ruas das capitais o personagem que designou como o
Homem da Multidão. O gravurista inquieto e pesquisador é o Homem das
Pedras... Eis ... um ... artista que não estudou e trabalhou, como
Piranesi, diante dos restos da vida extinta, e cuja obra dá uma sensação
de nostalgia persistente... É Charles Meryon. Sua obra de gravurista é
um dos poemas mais profundos que já foram escritos sobre uma cidade, e a
originalidade singular dessas páginas penetrantes é que — embora tenham
sido traçadas diretamente segundo aspectos vivos — apresentam uma
aparência da vida passada, que está morta ou que vai morrer... Este
sentimento existe independentemente das reproduções mais escrupulosas e
mais reais dos temas que detiveram a escolha do artista. Havia nele algo
de visionário, e ele certamente adivinhava que essas formas tão rígidas
eram efêmeras, que essas curiosas belezas pereceríam como tudo o mais.
Ele escutava a linguagem que falam as ruas e vielas incessantemente
atravancadas, destruídas e refeitas, desde os primeiros dias da cidade, e
por isso sua poesia evocadora se encontra com a Idade Média através da
cidade do século XIX; através da visão das aparências imediatas ele
identifica a melancolia de sempre.
A velha Paris não existe mais. A forma de uma cidade
Muda mais depressa, ai! que o coração de um mortal.14
Estes
dois versos de Baudelaire poderiam servir como epígrafe para a obra
inteira de Meryon.” Gustave Geffroy, Charles Meryon, Paris, 1926, pp.
1-3.
[C 7a, 1]
“Não
é necessário imaginar a antiga porta triumphalis já como porta em arco.
Ao contrário, como servia apenas a um ato simbólico, ela deve
originalmente ter sido construída com os meios mais simples, ou seja:
dois pilares com uma viga horizontal.” Ferdinand Noack, Triumph und Triumphbogen (Conferências da Biblioteca Warburg, vol. V), Leipzig, 1928,
[C 7a, 2]
{como os arcos decorativos, e não funcionais que existem até hoje, séculos depois da invenção funcional de Roma.
Como no Templo de Hefesto (Ναός Ηφαίστου) que, depois da dominação Romana, virou uma igreja (?!) e, para dar um aspecto romano, construiram arcos não funcionais lá dentro (????!!!!).
Não é possível ver pelas fotos [sic] que tirei, pelo sol, mas é bastante bizarro. Mas dá é possível ver a elaboradíssima estrutura da construção.}
[...]
<fase tardia>
[...]
“Esta
inteligência de Blanqui ... esta tática do silêncio, esta política de
catacumbas, deviam às vezes fazer hesitar Barbès, como se estivesse
diante ... de escadas subitamente escancaradas e mergulhando nos porões
de uma casa mal conhecida.” Gustave Geffroy, L’Enfermé, Paris, 1926, vol. I, p. 72.
[C 8, 6]
Messac cita (em Le “Detective Novel” et l’Influence de la Pensée Scientifique,
Paris, 1929, p. 419) um trecho de Vidocq, Mémoires, capítulo XLV:
“Paris é um ponto sobre o globo, mas esse ponto é uma cloaca; nesse
ponto deságuam todos os esgotos.”
[C 8a, 1]
[...]
Baudelaire
e os cemitérios: “Atrás das altas paredes das casas, pelos lados de
Montmartre, de Ménilmontant, de Montparnasse, ele imagina, ao cair da
noite, os cemitérios urbanos, estas três outras cidades dentro da grande
- cidades aparentemente menores que a cidade dos vivos, porque esta
parece contê-las, mas em realidade tão mais vastas, tão mais populosas,
com seus compartimentos apertados, superpostos em profundidade. E, nos
mesmos lugares por onde hoje a multidão circula — o Square des
Innocents, por exemplo — , ele evoca os antigos ossários soterrados ou
desaparecidos, submersos nas ondas do tempo com todos os seus mortos,
como os navios naufragados com sua tripulação.” François Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire (da série Le Roman des Grandes Existences, vol 6), Paris, 1926, pp. 186-187.
[C 9, 2]
[...]
Léon
Daudet sobre a vista do Sacré-Coeur sobre Paris. “Olha-se do alto esta
quantidade de palácios, de monumentos, de casas, de casebres que parecem
reunidos à espera de um cataclismo, ou de vários cataclismos, sejam
meteorológicos, sejam sociais... (...)” Léon Daudet, Paris Vécu, vol. I: Rive Droite, Paris, 1930, pp. 220-221.15
[C 9a, 1]
[...]
D
[O Tédio, Eterno Retorno]
[...]
Como
as forças cósmicas têm apenas um efeito narcotizante sobre o homem
vazio e frágil, é o que revela a relação dele com uma das manifestações
superiores e mais suaves dessas forças: o tempo atmosférico. E muito
significativo que justamente esta influência, a mais íntima e mais
misteriosa exercida pelo tempo sobre os homens, veio a se tornar o tema
de suas conversas mais vazias. Nada entedia mais o homem comum do que o
cosmos. (...)
[D 1, 3]
Baudelaire como poeta do Spleen de Paris.
“Uma das características essenciais dessa poesia, na verdade, e o tedio
na bruma, tédio e nevoeiro misturados (nevoeiro das cidades); numa
palavra, é o spleem.” François Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire, Paris, 1926 p. 184.
[D 1, 4 ]
[...]
“Ele
explica que a Rue Grange-Batelière é particularmente poeirenta, que nos
sujamos terrivelmente na Rue Réaumur.” Louis Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, 1926, p. 88.
[D 1a, 2]
A
pelúcia como depósito de poeira. Mistério da poeira que brinca ao sol. A
poeira e a “sala de visitas”. “Logo após 1840, surgem os móveis
franceses totalmente estofados, e com eles o estilo de tapeçarias atinge
seu domínio absoluto.” Max von Boehn, Die Mode im XIX Jahrhundert,
vol. II, Munique, 1907, p. 131. Outras formas de levantar a poeira: a
cauda. “Recentemente retornou também a verdadeira cauda; agora, porém, é
erguida e segurada, durante o andar, com o auxílio de um gancho e um
cordão, para evitar a inconveniência de varrer a rua.” Friedrich Theodor
Vischer, Mode und Zynismus, Stuttgart, 1879, p. 12. ■ Poeira e perspectiva sufocada ■
[D la, 3]
A Galeria do Termômetro e a Galeria do Barômetro na Passage de l’Opéra.
[D 1a, 4]
[...]
“Só aqui”, disse Chirico, “é possível pintar. As ruas possuem tantos tons de cinza...”
[D la, 7]
[...]
O
tempo de chuva na cidade, com toda sua astuta sedução, capaz de nos
fazer voltar em sonhos aos primeiros tempos da infância, só é
compreensível à criança de uma cidade grande. A chuva faz tudo parecer
mais oculto, torna os dias não só cinzentos, mas também uniformes. De
manhã à noite pode-se fazer a mesma coisa — jogar xadrez, ler, discutir
enquanto o sol, de maneira bem diferente, matiza as horas e não faz bem
ao sonhador. Por isso, este precisa evitar com astúcia os dias radiantes
e, principalmente, levantar-se muito cedo, como os grandes ociosos, os
passeadores do porto e os vagabundos: ele precisa estar a postos mais
cedo que o sol. Ferdinand Hardekopf, o único verdadeiro decadente que a
Alemanha produziu, indicou ao sonhador - na “Ode vom seligen Morgen”
(Ode da manhã bem-aventurada), com a qual presenteou Emmy Hennings10 há muitos anos — as melhores medidas de precaução para dias ensolarados.
[D 1a. 9]
“dar a esta poeira um aspecto de consistência, como se estivesse regada com sangue”. Louis Veuillot, Les Odeurs de Paris, Paris, 1914, p. 12.
[D la, 10]
14 Estes versos fazem parte do poema "0 Cisne" ("Le Cygne") das Flores do Mal. (E/M)
15 L.Daudet, Paris Vécu, Paris, Gallimard, 1969, pp. 127-128. (J.L.)
10 F.Hardekopf, Gesammelte Dichtungen,
ed org por Emmy Moor-Wittenbach, Zurique, 1963 (Coleção Horizont), pp.
50-51. (R.T.) - Cf. B°, 5. Emmy Hennings animou o Cabaré Voltaire dos
dadaístas, em Zurique. (J.L.)
Sentimos
tédio quando não sabemos o que estamos esperando. O fato de o sabermos
ou imaginar que o sabemos é quase sempre nada mais que a expressão de
nossa superficialidade ou distração. O tédio é o limiar para grandes
feitos. — Seria importante saber: qual é o oposto dialético do tédio?
[D 2, 7]
[...]
O
tédio é um tecido cinzento e quente, forrado por dentro com a seda das
cores mais variadas e vibrantes. Nele nós nos enrolamos quando sonhamos.
Estamos então em casa nos arabescos de seu forro. Porém, sob essa
coberta, o homem que dorme parece cinzento e entediado. E quando então
desperta e quer relatar o que sonhou, na maioria das vezes ele nada
comunica além desse tédio. Pois quem conseguiria com um só gesto virar o
forro do tempo do avesso? E, todavia, relatar sonhos nada mais é do que
isso. E não podemos falar das passagens de outro modo. São arquiteturas
nas quais revivemos em sonhos a vida de nossos pais, avos, tal qual o
embrião dentro do ventre da mãe revive a vida dos animais. A existência
nesses espaços decorre sem ênfase, como nos sonhos. O flanar é o ritmo
desta sonolência. Em 1839, Paris foi invadida pela moda das tartarugas. É
possível imaginar muito bem como as pessoas elegantes imitavam nas
passagens, mais facilmente ainda que nos boulevards, o ritmo destas criaturas. ■ Flâneur ■
[D 2a, 1]
O
tédio é sempre o lado externo dos acontecimentos inconscientes. Por
isso o tédio parecia elegante aos grandes dândis. Ornamento e tédio.
[D 2a, 2]
Sobre o duplo significado de temps em francês.11
[D 2a, 3]
O
trabalho na fabrica como infra-estrutura economica do tédio ideológico
das classes superiores. “A triste rotina de um infindável sofrimento no
trabalho, no qual o mesmo processo mecânico é repetido sempre,
assemelha-se ao trabalho de Sísifo; o fardo do trabalho, tal qual a
pedra de Sísifo, despenca sempre sobre o operário esgotado.” Friedrich
Engels, Die Lage der arbeitenden Klasse in England, 2a ed, Leipzig, 1848, p. 217 (cit. em Matx, Das Kapital, Hamburgo, 1922, vol. I, p. 388).
[D 2a, 4]
O sentimento de uma “imperfeição incurável” (cf. Les Plaisirs et les Jours, cit. na homenagem de Gide) “na própria essência do presente”,12
foi talvez para Proust o motivo principal de procurar conhecer a
sociedade mundana até suas últimas dobras, e talvez seja até mesmo um
motivo fundamental das reuniões sociais dos homens em geral.
[D 2a, 5]
[...]
Jogadores
de xadrez no Café de la Régence: “Era ali que se viam alguns hábeis
jogadores fazerem seu jogo de costas para o tabuleiro: bastava que lhes
dissessem a cada lance qual a peça que o adversário havia deslocado,
para que eles estivessem certos de ganhar.” Histoire des Cafés de Paris, Paris, 1 857, p. 87.
[D 2a, 9]
<fase média>
[...]
“O
primeiro Império copiou os arcos de triunfo e os monumentos dos dois
séculos clássicos. Depois, procurou-se reinventar, reanimando modelos
mais remotos: o Segundo Império imitou o Renascimento, o gótico, o
pompeano. Depois, caiu-se na era da vulgaridade sem estilo.” Dubech e
D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 464. ■ Intérieur ■
[D 3, 2]
[...]
“Engels
contou-me que, em 1848 em Paris, no Café de la Régence, um dos
primeiros centros da revolução de 1789, Marx lhe expôs pela primeira vez
o determinismo econômico de sua teoria da concepção materialista da
história.” Paul Lafargue: “Persönliche Erinnerungen an Friedrich
Engels”, Die Neue Zeit, XXIII, 2, Stuttgart, 1905, p. 558.
[D 3, 6]
O
tédio — como índice da participação no sono do coletivo. Seria o tédio
por isso tão elegante a ponto de ser ostentado pelo dândi?
[D 3, 7]
Em 1757 só havia três cafés em Paris.
[D 3a, 1]
Máximas
da pintura do Império: “Os artistas novos só admitiam o ‘estilo
heróico, o sublime’, e o sublime só podia ser alcançado com ‘o nu e o
drapeado’... Os pintores deviam procurar suas inspirações em Plutarco ou
Homero, em Tito Lívio ou Virgílio, e escolher, de preferência,
segundo a recomendação de David a Gros..., ‘temas conhecidos de
todos’... Os temas tirados da vida contemporânea eram, por causa do
estilo dos trajes, indignos da ‘grande arte’.” A. Malet e R Grillet, XIXe Siècle, Paris, 1919, p. 158. ■ Moda ■
[D 3a, 2]
“Feliz o homem que é um observador! Para ele o tédio é uma palavra vazia de sentido.” Victor Fournel, Ce Qu’on Voit dans les Rues de Paris, Paris, 1858, p. 271.
[D 3a, 3]
O
tédio começou a ser visto como uma epidemia nos anos quarenta.
Lamartine teria sido o primeiro a ter dado expressão a este mal. Ele tem
um papel numa pequena história que trata do famoso comediante Deburau.
Certa feita, um grande neurologista foi procurado por um paciente que o
visitava pela primeira vez. O paciente queixou-se do mal do século - a
falta de vontade de viver, as profundas oscilações de humor, o tédio.
'Nada de grave”, disse o médico após minucioso exame. “O senhor apenas
precisa repousai, razer algo para se distrair. Uma noite dessas vá
assistir a Deburau e o senhor logo vera a vida com outros olhos.” “Ah,
caro senhor”, respondeu o paciente, “eu sou Deburau”.
[D 3a. 4]
[...]
“A introdução do sistema Mac Adam para a pavimentação dos boulevards
deu nascimento a inúmeras caricaturas. Cham mostra os parisienses cegos
com a poeira e propõe erigir ... uma estátua com a inscrição: A
Macadam, dos oculistas e comerciantes de óculos, em reconhecimento!’
Outras representam os transeuntes suspensos em pernas de pau,
percorrendo assim os pântanos e as poças d’água.” Paris sous la République de 1848: Exposition de la Bibliothèque et des Travaux Historiques de la Ville de Paris, 1909 [Poëte, Beaupaire, Clouzot, Henriot], p. 25.
[D 3a. 6]
“Somente
a Inglaterra podia ter produzido o dandismo; a França é tão incapaz de
produzir seu equivalente quanto sua vizinha o é de oferecer o
equivalente de nossos ... ‘leões’, tão apressados em agradar quanto os
dândis em desprezar ... D’Orsay ... agradava naturalmente e
apaixonadamente a todo o mundo, mesmo aos homens, enquanto que os dândis
só agradavam desagradando... Do leão ao pretendente a dândi há um
abismo; mas quão maior é o abismo entre o pretendente a dândi e o
miserável!” Larousse, Grand Dictionnaire Universel du Dix-neuviòne Siecle, vol VI, Paris, 1870, p. 63 (verbete “art dandy”).
[D 4, 1]
[...]
O capítulo referente a Guys em L’Art Romantique,
sobre os dândis: “Todos são representantes ... dessa necessidade, hoje
muito rara, de combater e destruir a trivialidade... O dandismo é o
último brilho de heroísmo na decadência; e o tipo do dândi, encontrado
pelo viajante na América do Norte, não enfraquece em nada essa idéia,
porque nada nos impede de supor que as tribos que chamamos de selvagens
sejam remanescentes de grandes civilizações desaparecidas... Seria
preciso dizer que Monsieur G., quando desenha um de seus dândis no
papel, confere-lhe sempre seu caráter histórico, até mesmo lendário,
ousaria dizer, se não fosse questão do tempo presente e de coisas
consideradas geralmente como brincadeira.' Baudelaire, L’Art Romantique (ed. Hachette, tomo III), Paris, pp. 94-95.17
[D 5, 1]
[...]
A
multidão aparece como supremo remédio contra o tédio no ensaio sobre
Guys: “‘Todo homem’, disse certa vez Monsieur G., numa dessas conversas
que ele ilumina com um olhar intenso e com um gesto evocativo, ‘todo
homem ... que se entedia no meio da multidão é um tolo! Um tolo! E eu o desprezo!’” Baudelaire, L’Art Romantique, p. 65. 19
[D 5, 3]
[...]
“A monotonia se nutre de novo!” Jean Vaudal, Le Tableau Noir, cit. em E. Jaloux, “L’esprit des livres”, Nouvelles Littéraires, 20 de novembro de 1937.
[D 5, 6]
Contrapartida da visão de mundo de Blanqui: o universo é um lugar de catástrofes permanentes.20
[D 5, 7]
Sobre L’Etemité par les Astres:
Blanqui, que à beira do túmulo sabe que o Fort Du Taureau será sua
derradeira prisão, escreve este livro para abrir a si mesmo as portas de
novos cárceres.
[D 5a. 1]
Sobre L’Etemité par les Astres: Blanqui submete-se à sociedade burguesa. Mas cai de joelhos diante dela com tanta força que o trono começa a balançar.
[D 5a, 2]
Sobre L’Eternite par les Astres: neste texto está disposto o céu no qual os homens do século XIX vêem as estrelas.
[D 5a, 3]
A figura de Blanqui talvez esteja presente nas “Litanias de Satanás” (Baudelaire, Œuvres,
ed. Le Dantec, vol. I, Paris, 1931, p. 138): “Tu que diriges aos
proscritos esse olhar calmo e altivo. De fato, existe um desenho feito
de memória por Baudelaire, representando a cabeça de Blanqui.
[D 5a, 4]
Para entender o significado da nouveauté,
é preciso retornar à novidade na vida cotidiana. Por que todo o mundo
comunica as ultimas novidades aos outros? Provavelmente para triunfar
sobre os mortos. Isto apenas quando não há realmente nada de novo.
[D 5a, 5]
O
último texto de Blanqui, escrito em sua ultima prisão, permaneceu a meu
ver totalmente despercebido ate hoje. Trata-se de uma especulação
cosmológica. É preciso admitir que, ao primeiro olhar, o texto parece
banal e de mau gosto. Entretanto, as desajeitadas reflexões de um
autodidata são apenas o prelúdio de uma especulação que não se
imaginaria de modo algum encontrar neste revolucionário. Na medida em
que o inferno é um objeto teológico, esta especulação pode ser
denominada de teológica. A visão cósmica que expõe Blanqui, tomando seus
dados à ciência natural mecanicista da sociedade burguesa, é uma visão
do inferno - e é, ao mesmo tempo, um complemento da sociedade que
Blanqui, no fim de sua vida, foi obrigado a reconhecer como vitoriosa. O
que causa um choque é a ausência de qualquer traço de ironia nesse
esboço. É uma rendição incondicional, porém, ao mesmo tempo, a acusação
mais terrível contra uma sociedade que projeta no céu esta imagem do
cosmos como imagem de si mesma. O texto, estilisticamente muito
marcante, contém as mais notáveis relações tanto com Baudelaire quanto
com Nietzsche. (Carta de 6 de janeiro de 1938 a Horkheimer).21
[D 5a. 6]
<fase tardia>
11 "Tempo cronológico" e "tempo atmosférico". Cf. K°, 23. (w.b.)
12 Marcel Proust, Jean Santeuil precedido de Les Plaisirs et les Jours,
ed. org. por Pierre Clarac, com a colaboração de Yves Sandre, Paris,
1971 (Bibliothèque de la Plêiade, 228), p. 139; ver também vol II p.
312. (R.T.)
17 Op. cit, pp. 711-712. (R.T.)
18 Op. cit., p. 712. (R.T.)
19 Op. cit, p 692. (R.T.)
20
Cf. as teses de W. Benjamin "Sobre o Conceito de História", IX (GS I,
697). Na tradução brasileira: "Onde uma cadeia de eventos aparece diante
de nós, e/e [sc. o anjo da história] enxerga uma única catástrofe, que
sem cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés."
Teses, p. 87. (J.L.; w.b.)
21 Carta de 6 de janeiro de 1938 a Max Horkheimer, in: Briefe,
vol. II, ed. org. por Gershom Scholem e Theodor W.Adorno, Frankfurt a.
M., Suhrkamp, 1978, pp. 740-743: a passagem citada encontra-se nas pp.
741-742. (J.L.; w.b.)
<fase tardia>
Extraído de L’Etemité par les Astres,
de Blanqui: “Qual o homem que não se encontra, às vezes, em presença de
duas carreiras? Aquela da qual ele se desvia lhe daria uma vida bem
diferente, preservando-lhe ao mesmo tempo a mesma individualidade. Uma
conduz à miséria, à vergonha, à servidão. A outra leva à glória, à
liberdade. Aqui, uma mulher encantadora e a felicidade; la, cólera e
desolação. Falo pelos dois sexos. Quer se a tome ao acaso ou por
escolha, não importa: não se escapa da fatalidade. Mas a fatalidade não
toca o infinito, que não conhece alternativa e tem lugar para tudo.
Existe uma terra em que o homem segue a estrada desdenhada na outra pelo
sósia. Sua existência se duplica, um globo para cada uma, depois se
bifurca uma segunda, uma terceira vez, milhares de vezes. Ele possui
assim sósias completos e inúmeras variantes de sósias que se multiplicam
e representam sempre sua pessoa, mas não tomam senão pedaços de seu
destino. Tudo o que poderíamos ter sido aqui em baixo, nós o somos em
alguma outra parte. Além de nossa existência inteira, do nascimento à
morte, que vivemos numa multidão de terras, nós a vivemos em outras
terras em mil edições diferentes.” Cit. em Gustave Geffroy, L’Enfermé, Paris, 1897, p. 399.
[D 6, 1]
Extraído do final da Etemité par les Astres:
“O que escrevo neste momento, numa cela do Fort du Taureau, eu o
escrevi e o escreverei por toda a eternidade, à mesa, com uma pena,
vestido como estou agora, em circunstâncias inteiramente semelhantes.”
Cit. em Gustave
Geffroy, L’Enferme, Paris, 1897, p. 401. Logo em seguida, Geffroy: “Ele escreve assim seu
destino no número sem fim dos astros, e em todos os instantes da duração. Sua cela se
multiplica até o incalculável. Ele é, no universo inteiro, o encarcerado que ele é nesta terra,
com sua força revoltada, seu pensamento livre.”
[D 6, 2]
Extraído do final de L’Eternité par les Astres:
“Na hora presente, a vida inteira de nosso planeta, do nascimento à
morte, é vivida em parte aqui e em pane lá, dia a dia, em miríades de
astros-irmãos, com todos os seus crimes e suas desgraças. O que chamamos
de progresso está enclausurado em cada terra e desaparece com ela.
Sempre e em todo lugar, no campo terrestre, o mesmo drama, o mesmo
cenário, sobre o mesmo palco estreito, uma humanidade barulhenta,
enfatuada de sua grandeza, acreditando ser o universo e vivendo em sua
prisão como numa imensidão, para logo desaparecer com o globo que
carregou com o mais profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma
monotonia, mesmo imobilismo nos astros estrangeiros. O universo se
repete, sem fim, e patina no mesmo lugar.” Cit. em Gustave Geffroy, L’Enfermé, Paris, 1897, p. 402.
[D 6a, 1]
Blanqui
enfatiza explicitamente o caráter científico de suas teses, que nada
teriam a ver com as ingênuas fantasias de Fourier. “É preciso admitir
que cada combinação particular da matéria e das pessoas ‘deve se repetir
milhares de vezes para enfrentar as necessidades do
infinito.’” Cit. em Geffroy, L’Enfermé, Paris, 1897, p. 400.
J
[D 6a, 2]
Capítulo final (VIII — “Résumé”) de L’Eternité par les Astres,
de Blanqui: "O universo inteiro é composto de sistemas estelares. Para
criá-los, a natureza tem apenas cem corpos simples a sua disposição.
Apesar da vantagem prodigiosa que ela sabe tirar desses recursos, e do
número incalculável de combinações que eles oferecem à sua fecundidade, o
resultado é necessariamente um número finito, como o dos próprios elementos; para preencher sua extensão, a natureza deve repetir ao infinito cada uma de suas combinações originais ou tipos.
/ Todo astro, qualquer que seja, existe portanto em número infinito no
tempo e no espaço, não apenas sob um de seus aspectos, mas tal como se
encontra em cada segundo de sua duração, do nascimento à morte. Todos os
seres distribuídos em sua superfície, grandes ou pequenos, vivos ou
inanimados, partilham o privilégio dessa perenidade. / A terra é um
desses astros. Todo ser humano é, pois, eterno em cada um dos segundos
de sua existência. O que escrevo neste momento, numa cela do Fort du
Taureau, eu o escrevi e o escreverei por toda a eternidade, à mesa, com
uma pena, vestido como estou agora, em circunstâncias inteiramente
semelhantes. Assim paia cada um. / Todas essas terras se abismam, uma
após a outra, nas chamas renovadoras, para delas renascer e recair
ainda, escoamento monótono de uma ampulheta que se vira e se esvazia
eternamente a si mesma. Trata-se do novo sempre velho, e do velho sempre
novo. / Os curiosos em relação à vida extraterrestre poderão,
entretanto, sorrir diante de uma conclusão matemática que lhes conceda
não apenas a imortalidade, mas a eternidade? O número de nossos sósias é
infinito no tempo e no espaço. Em sã consciência, não se poderia exigir
mais. Esses sósias são de carne e osso, até mesmo de calças e paletó,
de crinolina e de coque. Não são fantasmas, são a atualidade eternizada.
/ Eis, entretanto, uma grande falha: não há progresso. Infelizmente!
Não, são reedições vulgares, repetições. Assim são os exemplares dos
mundos passados, e assim também os dos mundos futuros. Somente o
capítulo das bifurcações permanece aberto à esperança. Não nos
esqueçamos que tudo o que poderíamos ter sido aqui em baixo, nós o somos em alguma outra parte.
O progresso aqui embaixo é apenas para nossos descendentes. Eles têm
mais sorte que nós. Todas as coisas belas que o nosso globo verá, nossos
futuros descendentes já as viram, vêem-nas neste momento e as verão
sempre, é claro, sob a forma de sósias que os precederam e que os
sucederão. Filhos de uma humanidade melhor, eles já nos ultrajaram muito
e nos vaiaram muito sobre as terras mortas, passando por elas depois de
nós. Continuam a nos fustigar sobre as terras vivas de onde nós
desaparecemos, e nos perseguirão para sempre com seu desprezo sobre as
terras a nascer. / Eles e nós — e todos os hóspedes de nosso planeta —
renascemos prisioneiros do momento e do lugar que os destinos nos
designam na série de suas metamorfoses. Nossa perenidade é um apêndice
da sua. Não somos senão fenômenos parciais de suas ressurreições. Homens
do século XIX, a hora de nossas aparições está para sempre fixada e nos
reconduz sempre os mesmos, na melhor hipótese com a perspectiva de
variantes felizes. Nada aí que satisfaça muito a sede de algo melhor. O
que fazer? Não procurei meu prazer, procurei a verdade. Não há aqui
revelação nem profeta, mas uma simples dedução da análise espectral e da
cosmogonia de Laplace. Essas duas descobertas nos fazem eternos. Seria
um ganho? Aproveitemos. Seria uma mistificação? Resignemo-nos / ... / No
fundo, e melancólica essa eternidade do homem pelos astros, e mais
triste ainda é esse seqüestro dos mundos irmãos pela inexorável barreira
do espaço. Tantas populações idênticas que passam sem ter suspeitado de
sua mútua existência! Pois bem! Nós a descobrimos, enfim, no século
XIX. Mas quem desejará acreditar nisso? / E depois, até aqui, o passado
para nós representava a barbárie, e o futuro significava progresso,
ciência, felicidade, ilusão! Esse passado viu desaparecer, sobre todos
os nossos globos-sósias, as mais brilhantes civilizações, sem deixar um
rastro, e elas desaparecerão ainda sem deixar outros. O futuro reverá
sobre bilhões de terras a ignorância, as tolices, as crueldades de
nossas velhas eras! / Na hora presente, a vida inteira de nosso planeta,
do nascimento à morte, é vivida em parte aqui e em parte la, dia a dia,
em miríades de astros-irmãos, com todos os seus crimes e suas
desgraças. O que chamamos de progresso está enclausurado em cada terra e
desaparece com ela. Sempre e em todo lugar, no campo terrestre, o mesmo
drama, o mesmo cenário, sobre o mesmo palco estreito uma humanidade
barulhenta, enfatuada de sua grandeza, acreditando ser o universo e
vivendo em sua prisão como numa imensidão, para logo desaparecer com o
globo que carregou com o mais profundo desprezo o fardo de seu orgulho.
Mesma monotonia, mesmo imobilismo nos astros estrangeiros. O universo se
repete, sem fim, e patina no mesmo lugar. A eternidade perfaz
imperturbavelmente ao infinito as mesmas representações.” A. Blanqui, L’Eternité par les Astres. Hypothèse Astronomique,
Paris, 1872, pp. 73-76. O trecho que falta detém-se no “consolo”
proporcionado pela idéia de que os entes queridos que se foram desta
terra fazem
companhia, enquanto sósias, nesta mesma hora, ao nosso sósia, num outro
planeta.
[D 7; D 7a]
“Pensemos
este pensamento em sua forma mais terrível: a existência, tal como ela
é, sem sentido ou objetivo, porém, repetindo-se inevitavelmente, sem um
final, no nada: ‘o eterno retorno’. [p. 45] Negamos objetivos finais: se a existência tivesse um, este deveria ter sido atingido.” Friedrich Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, 1926, vol. XVIII, Der Wille zur Macht (A vontade de Poder), Livro I, p. 46.
[D 8, 1]
“A doutrina do eterno retorno teria pressupostos eruditos.” Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, vol. XVIII, p. 49 ( Der Wille zur Macht, Livro I).
[D 8, 2]
Contudo,
o velho hábito de imaginar um objetivo para cada acontecimento é tão
poderoso que o pensador precisa se esforçar para não pensar a falta
mesma de objetivo do mundo como intencional. Esta idéia — de que,
portanto, o mundo evita intencionalmente um objetivo ... — impõe-se a todos aqueles que querem atribuir ao mundo a faculdade da eterna novidade [p. 369] ... O mundo, enquanto força, não deve ser pensado como ilimitado, pois ele não pode ser pensado dessa forma... Falta, portanto, ao mundo também a faculdade da eterna novidade.” Nietzsche, Gesammelte Werke, vol. XIX, Munique, 1926, p. 370 (Der Wille zur Macht, Livro IV).
[D 8, 3]
“O mundo ... vive de si mesmo: seus excrementos são seu alimento. Nietzsche, Gesammelte Werke, vol. XIX, p. 371 (Der Wille zur Macht, Livro IV).
[D 8, 4]
O
mundo “sem objetivo final, a menos que na felicidade do círculo resida
um objetivo final; sem vontade, a menos que um anel voltando sobre si
mesmo tenha boa vontade”. Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, vol. XIX, p. 374 (Der Wille zur Macht, Livro IV).
[D 8, 5]
A propósito do eterno retorno: “O grande pensamento como cabeça de Medusa: todos os traços do mundo se enrijecem, uma agonia congelada.” Friedrich Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, 1925, vol. XIV, Aus dem Nachlass 1822-1888 (Do Espólio), p. 188.
[D 8, 6]
“Criamos o pensamento mais pesado — criemos agora o ser para quem esse pensamento seja leve e bem-aventurado!” Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, vol. XIV (Aus dem Nachlass 1822-1888, p. 179).
[D 8, 7]
Analogia entre Engels e Blanqui: um como o outro se voltou tardiamente para as ciências naturais.
[D 8, 8]
“Se o mundo pode ser pensado como uma grandeza determinada de força e como um número determinado de centros de força — e qualquer outra representação seria ... inútil —,
resulta daí que ele deve passar por um número calculável de combinações
no grande jogo de dados de sua existência. Num tempo infinito, qualquer
combinação possível seria atingida um dia; além disso, ela seria
atingida infinitas vezes. E como entre cada combinação e seu retorno
seguinte precisariam ter sido percorridas todas as combinações ainda
possíveis ... seria provado com isso um círculo de séries absolutamente
idênticas... Esta concepção não é simplesmente mecanicista; pois se o
fosse, ela não determinaria um retorno infinito de casos idênticos, e
sim um estado final. Porque o mundo não o atingiu, o mecanicismo deve nos parecer uma hipótese incompleta e apenas provisória. Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, 1926, vol. XIX, p. 373 (Der Wille zur Macht, Livro IV).
[D 8a, 1]
“UN COUP DE DÉS
N’ABOLIRA
JAMAIS LE HASARD”
Mallarmé
Na
idéia do eterno retorno, o historicismo do século XIX se derruba a si
mesmo. Segundo ela, toda tradição, mesmo a mais recente, torna-se a
tradição de algo que já se passou na noite imemorial dos tempos. Com
isso, a tradição assume o caráter de uma fantasmagoria, na qual a
história primeva desenrola-se nos palcos sob a mais moderna
ornamentação.
[D 8a, 2]
A observação de Nietzsche, segundo a qual a doutrina do eterno retorno não implica o mecanicismo, parece invocar o fenômeno do perpetuum mobile (o mundo não seria nada além disso segundo sua doutrina) como argumento contra a concepção mecanicista do mundo.
[D 8a, 3]
Sobre
o problema da Modernidade e Antiguidade: “Esta existência que se tornou
inconstante e absurda e este mundo que se tornou inconcebível e
abstrato se conjugam na vontade do eterno retorno, do igual como
tentativa de repetir, no auge da modernidade, no símbolo, a vida dos
gregos no cosmos vivo do mundo visível.” Karl Lüwith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft des Gleichen, Berlim, 1935, p. 83.
[D 8a, 4]
L’Eternité par les Astres foi escrito quatro, no máximo, cinco anos após a morte de Baudelaire no mesmo tempo da Comuna de Paris?). — Mostra-se neste texto o que as estrelas provocam naquele mundo do qual Baudelaire, com justa razão, as excluiu.
[D 9, 1]
A
idéia do eterno retorno faz surgir magicamente a fantasmagoria da
felicidade a partir da miséria dos anos da modernização alemã.22
Esta doutrina é uma tentativa de conciliar as tendências contraditórias
do prazer: a da repetição e da eternidade. Este heroísmo é uma
contrapartida ao heroísmo de Baudelaire, que faz surgir magicamente a
fantasmagoria da modernidade a partir da miséria do Segundo Império.
[D 9, 2]
O pensamento do eterno retorno surgiu quando a burguesia não mais ousou
olhar de frente a evolução futura do sistema de produção que ela mesma
pôs para funcionar. O pensamento de Zaratustra e o do eterno retorno
estão relacionados ao dito bordado no travesseiro: “Só quinze
minutinhos.” [D 9, 3]
Crítica à doutrina do eterno retorno: “Como estudioso das ciências
naturais, ... Nietzsche; é um diletante que filosofa, e como fundador de
religião, um ‘híbrido de doença e vontade de poder’.” [Prefácio a Ecce Homo],
(p. 83) “Toda esta doutrina parece ser nada mais que um experimento da
vontade humana e uma tentativa de perpetuar o nosso fazer e não fazer,
um substituto ateísta da religião. A isto corresponde o estilo da
prédica e a composição de Zaratustra, que muitas vezes imita o Novo
Testamento nos mínimos detalhes.” (pp. 86-87) Karl Lowith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft des Gleichen, Berlim, 1935. [D 9, 4]
Existe
um esboço no qual César, em vez de Zaratustra, é o portador da doutrina
de Nietzsche (Lowith, p. 73). Isto é importante. Pois indica que
Nietzsche pressentia a cumplicidade de sua doutrina com o imperialismo.
[D 9, 5]
[...]
A teoria de Blanqui como uma repetição do mito
— um exemplo fundamental da história primeva do século XIX. Em cada
século, a humanidade precisa ficar de casdgo. Cf. a formulação básica a
propósito da história primeva do século XIX [N 3a, 2] e [N 4, 1].[D 10, 2]
O “eterno retorno” é a forma fundamental da consciência histórica primeva, mítica. (É uma consciência mítica porque não reflete.)
[D 10, 3]
[...]
Quanto
mais a vida é submetida a normas administrativas, mais as pessoas
precisam aprender a esperar. O jogo de azar tem o grande fascínio de
liberar as pessoas da espera.
[D 10a, 2]
[...]
A
crença no progresso, em sua infinita perfectibilidade - uma tarefa
infinita da moral e a representação do eterno retorno são
complementares. São as antinomias indissolúveis a partir das quais deve
ser desenvolvido o conceito dialético do tempo histórico. Diante disso, a
idéia do eterno retorno aparece como o “racionalismo raso”, que a
crença no progresso
tem a má fama de representar, sendo que esta crença pertence à maneira
de pensar mítica tanto quanto a representação do eterno retorno.
[D 10a, 5]
E
[Haussmannização, Lutas de Barricadas]
[...]
Em Paris... elas se extinguem, cheirando a mofo, as passagens que estiveram tanto tempo na moda. As passagens morrem. (...)
[E 1, 5]
[...]
Desapropriações
sob Haussmann: “Alguns advogados criaram uma espécie de especialização
nesse gênero de negócios... Pleiteou-se a expropriação imobiliária, a
expropriação industrial, a expropriação locativa, a expropriação
sentimental; falou-se do teto dos pais e do berço dos filhos... ‘Como
você fez fortuna?’ perguntava-se a um novo-rico, o qual respondeu: ‘Fui
expropriado’... Uma indústria nova se criou que, sob o pretexto de ter
em mãos os interesses dos expropriados, não recuou diante de nenhuma
fraude... Ela se dirigia de preferência aos pequenos industriais e
estava preparada de maneira a lhes fornecer livros de contabilidade
detalhados, falsos inventários, supostas mercadorias que, muitas vezes,
eram apenas pedaços de madeira embrulhados em papel. Conseguia até mesmo
numerosos clientes que atravancavam sua boutique no dia em que o
júri vinha fazer a visita regulamentar; inventava aluguéis exagerados,
prolongados, previamente datados sobre folhas de velho papel timbrado,
do qual conseguira se munir; mandava repintar os magazines como novos e
ali instalava calicots improvisados, aos quais pagava três francos por
dia. Era uma espécie de gangue que esvaziava o caixa da Cidade.” Du
Camp, Paris, VI, pp. 255-256.
[E la, 4]
Crítica
de Engels à tática das barricadas: “O máximo que a insurreição pode
realizar numa ação realmente tática é o estabelecimento e a defesa de
uma única barricada. Todavia, “mesmo na época clássica dos combates de
rua, a barricada tinha um efeito ... mais moral do que material. Era um
meio de abalar a firmeza dos soldados. Se ela resistisse ate se atingir
esse objetivo, estava assegurada a vitória; caso contrario, era a
derrota. Friedrich Engels na introdução a Karl Marx, Die Klassenkãmpfe in Frankreich 1848 bis 1850, Berlim, 1895, pp. 13 e 14.
[E 1a, 5]
Tão retrógrada quanto a tática da guerra civil era a ideologia da luta
de classes. Marx sobre a revolução de Fevereiro: “Na idéia dos
proletários ... que confundiam a aristocracia financeira com a burguesia
em geral; na imaginação de comportados cidadãos que negavam ate mesmo a
existência de classes ou a admitiam quando muito como uma conseqüência
da monarquia constitucional; nas frases hipócritas das frações burguesas
excluídas até agora do podei, o domínio da burguesia fora
abolido com a proclamação da república. Todos os monarquistas
transformaram-se na época em republicanos e todos os milionários de
Paris tornaram-se operários. A palavra que melhor correspondia a esta
supressão imaginária das relações de classe era fratemité.” Karl Marx, Die Klassenkãmpfe in Frankreich, Berlim, 1895, p. 29.
[E 1a, 6]
[...]
“A reconstrução da cidade ... obrigando o operário a morar em bairros de
periferia havia rompido o laço de vizinhança que o ligava ao burguês.”
Levasseur, Histoire des Classes Ouvrières et de l’Industrie en France, II, Paris, 1904, p. 775.
[E 2, 1]
“Paris cheira a mofo.” Louis Veuillot, Les Odeurs de Paris, Paris, 1914, p. 14.
[E 2, 2]
[...]
Aberturas no Faubourg St. Antoine: Boulevard Prince Eugène, Mazas, Richard Lenoir como linhas estratégicas.
[E 2, 4]
[...]
Utilização dos ônibus na construção das barricadas. Desatrelavam-se os
cavalos, solicitava-se aos passageiros que descessem, os ônibus eram
tombados e içava-se no timão a bandeira.
[E 2, 7]
[...]
As Câmaras e Haussmann. “E um dia, nos limites do terror, elas o acusaram de haver criado, em pleno centro de Paris, um deserto! O Boulevard Sébastopol...” Le Corbusier, Urbanisme, Paris, 1925, p. 149.
[E 2, 9]
Muito importante: “Os meios de Haussmann” Ilustrações em Le Corbusier, Urbanisme, p. 150. Os diferentes tipos de pás, enxadas, carroças etc.
[E 2, 10]
Jules Ferry, Comptes Fantastiques d’Haussmann,5 Paris, 1868, panfleto contra o autocrático comportamento financeiro de Haussmann.
[E 2, 11]
“Os traçados de Haussmann eram inteiramente arbitrários; não eram
soluções rigorosas de urbanismo, mas medidas de ordem financeira e
militar.” Le Corbusier, Urbanisme, Paris, 1925, p. 250.
[E 2a, 1]
“...a impossibilidade de obter autorização para fotografar uma adorável
figura de cera que se pode ver no Museu Grévin, à esquerda, quando se
passa da sala das celebridades políticas modernas à sala ao fundo da
qual, atrás de uma cortina, é apresentada uma soirée no teatro: é uma
mulher prendendo, na sombra, sua liga, e que é a única estátua que
conheço que tem olhos, olhos de provocação.” André Breton, Nadja, Paris,
1928, pp. 199-200. Associação muito pertinente do motivo da moda com o
da perspectiva. ■ Moda ■
[E 2a, 1]
[...]
A preferência de Haussmann por perspectivas representa uma tentativa de
impor formas artísticas à técnica (urbanística). Isso sempre leva ao
kitsch.
[E 2a, 7]
[...]
“Era preciso, a maior parte do tempo, recorrer ao júri de expropriação.
Seus membros, belicosos de nascença, opositores por princípio,
mostravam-se generosos em relação a um dinheiro que, pensavam, não lhes
custava nada, e do qual cada um esperava beneficiar-se um dia. Numa só
audiência, quando a cidade oferecia um milhão e meio, o júri exigia
perto de três. Belo campo da especulação! Quem não gostaria de ter sua
parte? Havia advogados especialistas na matéria; agência assegurando,
por meio de comissão, um bom lucro; procedimentos para simular um
aluguel ou uma indústria, para falsificar livros de contabilidade.”
Georges Laronze, Le Baron Haussmann, Paris, 1932, pp. 190-191.
[E 4, 1]
Extraído das “Lamentações” contra Haussmann: “Tu viverás para ver a
cidade desolada e morna. / Tua glória será grande para aqueles do futuro
que chamamos arqueólogos, mas os últimos dias de tua vida serão tristes
e envenenados. /.../ E o coração da cidade se endurecera lentamente.7
/.../ Os lagartos, os cães errantes, os ratos reinarão como senhores
sobre essas pompas. Os estragos do tempo se acumularão sobre o ouro das
sacadas, sobre as pinturas murais. /.../ E a Solidão, a grande deusa dos
desertos, virá assentar-se sobre este império novo que tu lhe terás
construído graças a um formidável labor.” Paris Désert: Lamentations d’un férémie Haussmannisé, Paris, 1868, pp. 7-8.
[E4, 2]
[...]
“Bonaparte considerava que sua tarefa era a de assegurar a ordem
burguesa... Indústria e comércio, os negócios da burguesia, deveriam
florescer. Um grande numero de concessões de estradas de ferro foi
distribuído, subvenções concedidas, o crédito organizado. A riqueza e o
luxo da burguesia aumentam. Nos anos cinqüenta, começam a surgir ... os
primeiros magazines parisienses, o ‘Bon Marché’, o ‘Louvre’, a Belle
Jardinière . A movimentação financeira do ‘Bon Marché’, que em 1852 era
de apenas 450.000 francos, subiu para 21 milhões em 1869.” Gisela
Freund, Entwicklungder Photographie in Frankreich, [manuscrito].8
[E 4a, 4]
Por volta de 1830: “As ruas Saint-Denis e Saint-Martin são as grandes
artérias desse bairro, abençoadas pelos agitadores. A guerra das ruas
era aí de uma facilidade deplorável, bastava arrancar o calçamento,
amontoar os móveis das casas vizinhas, as caixas do merceeiro; se
necessário, um coche que passava era detido, oferecendo-se galantemente a
mão às damas: foi preciso demolir as casas para dar fim a essas Termópilas9.
A linha de frente avançava a
descoberto, pesadamente equipada e carregada. Um punhado de insurrectos
atrás de uma barricada mantinha em xeque um regimento.” Dubech e
D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, pp. 365-366.
[E 4a, 5]
[...]
“Por mais que se construísse, os edifícios novos não bastavam para
receber os expropriados. Daí resultou uma grave crise de aluguéis: eles
dobraram. A população, que era de 1.053.000 almas em 1851, passou,
depois da anexação, a 1.825.000, em 1866. No fim do Império, Paris
contava com 60.000 casas, 612.000 alojamentos, dos quais 481.000 tinham
um aluguel inferior a 500 francos. Tinham elevado as casas, abaixado o
pé-direito: uma lei teve que fixar um mínimo de 2m 60.” Dubech
e D’Espezel, pp. 420-421.
[E 5, 3]
“Os que cercavam o prefeito fizeram fortunas escandalosas. Uma lenda
atribui à Sra Haussmann, num salão, uma reflexão ingênua: ‘É curioso,
todas as vezes que compramos um imóvel, ali passa um boulevard. Dubech e D’Espezel, p. 423.
[E 5, 4]
“No fim das vastas avenidas, Haussmann construiu monumentos, tendo em
vista a perspectiva: o Tribunal do Comércio no fim do Boulevard
Sébastopol; igrejas bastardas de todos os estilos, Saint-Augustin, onde
Baltard copia o bizantino, um novo Saint-Ambroise,
Saint-François-Xavier. No fim da Chaussée-dAntin, a igreja La Trinité
imita a Renascença. Sainte-Clotilde imitava o gótico; Saint-Jean de
Belleville, Saint-Marcel, Saint-Bernard, Saint-Eugène nascem dos
horríveis enlaces do falso gótico com a construção em ferro... Quando
Haussmann teve boas idéias, ele as realizou mal. Ateve-se muito às
perspectivas; teve o cuidado de edificar monumentos no fim de suas vias
retilíneas; a idéia era excelente, mas quanta inépcia na execução: o
Boulevard Strasbourg enquadra a enorme escadaria do Tribunal de Comércio
e a Avenue de 1’Opéra termina no cubículo do porteiro do Hôtel do
Louvre.” Dubech e D’Espezel, pp. 416, 425.
[E 5, 5]
22 Em alemão Gründerjahre,
literalmente os “anos dos fundadores”. Este período, que se iniciou com
a unificação da Alemanha, em 1871, é caracterizado por um intenso
ritmo de industrialização e das atividades económico-financeiras em
geral, (w.b.)
5 Cf. "Passagens Parisienses ", <0 70=""> e nota.0>
<0 70="" style="font-family: georgia;">7 Cf . Velho Testamento, Lamentações 3. (w.b.) 0>
<0 70="" style="font-family: georgia;">8 Ver agora Gisèle Freund, Photographie und bürgerliche Gesellschaft: Eine kunstsoziologische Studie, Munique, 1968 (Passagen), p. 67. (R.T.)0>
<0 70="" style="font-family: georgia;">9
Desfiladeiro na Grécia, celebrizado pela resistência heróica, em 480 a.
C, de trezentos guerreiros espartanos, sob o comando de Leónidas,
contra o exército persa de Xerxes. (w.b.)0>
“No
tempo de Haussmann, eram necessárias novas vias, mas não
necessariamente as novas vias que ele construiu... Eis o primeiro
aspecto que choca em sua obra: o desprezo da experiência histórica.
Haussmann faz de Paris uma cidade projetada e artificial, como no Canadá
ou no Faroeste... As vias de Haussmann muitas vezes não têm utilidade e
não possuem nunca beleza. A maior parte são traçados surpreendentes que
partem de não importa onde, para terminar em parte alguma, derrubando
tudo em sua passagem, ao passo que bastariam alguns desvios para
conservar lembranças preciosas... Não se deve acusá-lo de ter
haussmannizado demais, mas de menos... Apesar de sua megalomania
teórica, em lugar algum, na prática, ele viu com largueza, em lugar
algum previu o futuro. A todas as suas perspectivas falta amplidão,
todas as suas vias são estreitas demais. Sua visão foi grandiosa, mas
não grande, nem justa, nem de longo alcance.” Dubech e D’Espezel. pp. 424-426.
[E 5a, 1]
[...]
Os donos do poder querem manter sua posição com sangue (polícia), com astúcia (moda), com magia (pompa).
[E 5a, 7]
O alargamento das ruas, dizia-se, teria sido realizado devido à crinolina.
[E 5a, 8]
[...]
Primórdios do urbanismo no Discours Contre les Servitudes Publiques
(Discurso Contra as Servidões Públicas), de Boissel. “Desde que se
suprimiu a comunhão natural dos bens através de sua distribuição, cada
um dos proprietários cultivou o que bem entendia. Na época, a ordem
social não sofria com isto, contudo, desde o surgimento das cidades,
construídas de acordo com a preferência dos proprietários e seu máximo
proveito, não houve mais consideração alguma por segurança, saúde e
conforto da sociedade. Este foi principalmente o caso de Paris, onde se
construíram igrejas e palácios, boulevards e passeios públicos, mas não
houve a mínima preocupação em alojar a grande maioria da população. De
maneira bastante drástica, ele descreve a sujeira e os perigos que
ameaçavam o pobre transeunte nas ruas de Paris... Boissel posiciona-se
então contra esta horrenda disposição das ruas e soluciona o problema ao
transformar o andar térreo das casas em arcadas arejadas que oferecem
proteção contra os veículos e as intempéries, antecipando assim a idéia
dos ‘guarda-chuvas’ de Bellamy.”10 C. Hugo, “Der Sozialismus in Frankreich während der grofien Revolution”, parte I, “François Boissel”, Die neue Zeit, Stuttgart, 1893, XI, I, p. 813.
[E 6a, 3]
Sobre Napoleão III, por volta de 1851: “Ele é socialista com Proudhon,
reformador com Girardin, reacionário com Thiers, republicano moderado
com os partidários da república e inimigo da democracia e da revolução
com os legitimistas. Ele promete tudo e assina qualquer coisa.”
Friedrich Szarvady, Paris, vol. I [único publicado], Berlim, 1852, p. 401.
[E6a, 4]
<fase média>
“Luís Napoleão..., este reprçsentante do lumpemproletariado e de tudo
que é embuste e fraude atrai lentamente a violência para si... Com
divertido elã, ressurge Daumier. Ele cria o personagem fulgurante de
‘Ratapoil’, um atrevido cafetão e charlatão. E este ladrãozinho
andrajoso que traz sempre escondido às costas um porrete assassino
torna-se para ele a encarnação da decadente idéia bonapartista.” Fritz
Th. Schulte, “Honoré Daumier”, Die neue Zeit, Stuttgart, XXXII, n° 1, p. 835.
[E 7, 1]
10 Edward Bellamy, no capítulo 14 do seu romance utópico Looking Backward: 2000-1887 (1888), descreve
uma construção protetora contra as intempéries que cobrem calçadas e esquinas de ruas. (J.L.; E/M)
<fase média>
“Luís Napoleão..., este representante do lumpemproletariado e de tudo que é embuste e
fraude atrai lentamente a violência para si... Com divertido elã, ressurge Daumier. Ele cria
o personagem fulgurante de ‘Ratapoil’, um atrevido cafetão e charlatão. E este ladrãozinho
andrajoso que traz sempre escondido às costas um porrete assassino torna-se para ele a
encarnação da decadente idéia bonapartista.” Fritz Th. Schulte, “Honoré Daumier”, Die
neue Zeit, Stuttgart, XXXII, n° 1, p. 835.
[E 7, 1]
[...]
“Milhares de famílias, que trabalham no centro, dormem à noite na periferia da capital. Esse
movimento se parece com a maré; vê-se, pela manha, o povo descer até Paris, e, à tarde, a
mesma onda popular voltar. E uma triste imagem... Acrescentarei ... que é a primeira vez que
a humanidade assiste a um espetáculo tão desolador para o povo.” A Granveau, L’Ouvrier
Devant la Société, Paris, 1868, p. 63 (“Les logements à Paris”).
[E 7, 5]
[...]
1833: “O projeto de circundar Paris com um cinturão de fortificações ... apaixonava neste
momento os espíritos. Pensava-se que essas fortificações seriam inúteis para a defesa interior
e ameaçadoras apenas à população. A oposição era universal... Disposições foram tomadas
para uma imensa manifestação popular em 27 de julho. Informado desses preparativos...,
o governo abandonou seu projeto... Entretanto, no dia da revista, inúmeros gritos: Abaixo
as fortificações! — Abaixo as bastilhas!’ ressoaram antes do desfile.” G. Pinet, Histoire de
1’École Polytechnique, Paris, 1887, pp. 214-215. Os ministros procuravam vingar-se com o
caso da “conjuração da pólvora”.11
[E 7 a, 2]
[...]
“Uma peça de um ato escrita rapidamente por Engels, encenada em setembro de 1847 na
Associação Alemã de Trabalhadores de Bruxelas, já apresentava uma luta de barricadas
num pequeno Estado alemão, que terminou com a abdicação do príncipe e a proclamação
da república.” Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, 2 a
ed., Berlim, 1933, p. 269.
[E 9a, 6]
Na repressão da insurreição de Junho utilizou-se pela primeira vez a artilharia na batalha
de ruas.
[E 9a, 7]
A posição de Haussmann relativa à população de Paris compara-se à posição de Guizot em
relação ao proletariado. Guizot designava o proletariado como a “população exterior”. (Cf.
Georg Plechanow, “Üher die Anfánge der Lehre vom Klassenkampf ”, Die NeueZeit, Stuttgart,
1903, XXI, n° 1, p. 285.)
[E 9a, 8]
[...]
<fase tardia>
[...]
“Contra Paris. Projeto obstinado de esvaziar Paris, de dispersar sua população de operários.
Sob pretexto de humanidade, propõe-se hipocritamente repartir nas 38.000 comunas da
França 75.000 operários desempregados. 1849.” Blanqui, Critique Sociale, vol. II, Fragments
et Notes, Paris, 1885, p. 313.
[E 11, 4]
“Um Sr. D’Havrincourt veio expor a teoria da estratégia da guerra civil. Não se deve nunca
deixar as tropas permanecerem nos centros de revolta. Elas se pervertem em contato com os
facciosos e se recusam a metralhar na hora das repressões... O verdadeiro sistema consiste na
construção de cidadelas dominando as cidades suspeitas e sempre prontas a fulminá-las.
Mantêm-se ali os soldados na guarnição, ao abrigo do contágio popular.” Auguste Blanqui,
Critique Sociale, vol. II, Fragments et Notes, Paris, 1885, pp. 232-233 (“Saint-Etienne, 1850”).
[E 11, 5]
“A haussmannização de Paris e das províncias é um dos grandes flagelos do Segundo Império.
Nunca se saberá a quantos milhares de infelizes essas construções insensatas custaram a
vida, pela privação do necessário. A espoliação de tantos milhões é uma das causas principais
da desgraça atual... ‘Quando a construção avança, tudo avança’, diz um adágio popular,
que se tornou um axioma econômico. Nessa lógica, cem pirâmides de Quéops, elevando-
se juntas até as nuvens, atestariam uma superabundância de prosperidade. Cálculo singular.
Sim, num estado bem ordenado, onde a economia não estrangula o câmbio, a construção
seria o termômetro verdadeiro da fortuna pública. Porque então ela revela um crescimento
da população e um excedente de trabalho que ... constrói o futuro. Fora dessas condições,
a colher de pedreiro só testemunha as fantasias assassinas do absolutismo. Quando este
esquece um instante seu furor de guerra, é preso da fúria das construções... Todas as bocas
venais celebraram em coro os grandes trabalhos que renovam a face de Paris. Nada mais
triste que essa imensa agitação de pedras pela mão do despotismo, fora da espontaneidade
social. Não há sintoma mais lúgubre da decadência. À medida que Roma agonizava, seus
monumentos surgiam mais numerosos e gigantescos. Construía seu sepulcro e se fazia bela
para morrer. Mas o mundo moderno, este não quer morrer, e a estupidez humana atinge
seu ápice. Estamos cansados de grandezas homicidas. Os cálculos que perturbaram a cidade,
numa dupla finalidade de compressão e de vaidade, fracassarão diante do futuro, como
fracassaram no presente.” A. Blanqui, Critique Sociale, vol. I, Capital et Travail, Paris, 1885,
pp. 109-111 (Conclusão de “Le Luxe”). A Nota preliminar de Capital et Travail é de 26 de
maio de 1869.
[E 11a, 1]
[...]
Die neue Weltbühne, XXXIV, 5, de 3 de fevereiro de 1938 — num ensaio de H. Budzislawski,
Krösus baut , pp. 120-130 — cita Engels, Zur Wohnungsfrage’’ (Sobre a questão da moradia),
de 1872: “Na realidade, a burguesia tem apenas um método para solucionar a questão da
moradia à sua maneira — isto e, solucioná-la de tal modo que a solução reacende a questão
sempre de novo. Este método denomina-se ‘Haussmann’. Por ‘Haussmann’ entendo aqui
não apenas a maneira especificamente bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas
longas, retas e largas no meio de bairros operários de ruas estreitas e cercá-los de grandes
edifícios de luxo em ambos os lados, havendo com isso a intenção — além da utilidade estratégica
de dificultar a construção de barricadas — de propiciar a constituição de um proletariado de
construção especificamente bonapartista, dependente do governo, e a transformação da cidade
em pura cidade de luxo. Por ‘Haussmann entendo a prática generalizada de abrir brechas nos
bairros operários, principalmente naqueles situados no centro de nossas grandes cidades... O
resultado e sempre o mesmo: as ruelas mais escandalosas ... desaparecem sob a máxima
autoglorificação da burguesia..., mas ressurgem logo depois em outro lugar, e muitas vezes na
imediata vizinhança.’’ — Coloca-se aqui também a famosa questão de concurso: por que o
índice de mortalidade nas novas moradias operárias de Londres (por volta de 1890?) é tão
maior do que nos slums? — Porque as pessoas se alimentam mal, a fim de conseguir pagar os
altos aluguéis. Péladan observa que o século XIX teria forçado as pessoas a assegurar uma
moradia, mesmo que fosse às custas da alimentação e do vestuário.
[E 12, 1]
[...]
Moradores provisórios (enquanto a moradia ainda apresentava umidade), sob Haussmann:
Os industriais nômades dos novos pavimentos térreos parisienses se dividem em três
categorias principais: os fotógrafos populares, os comerciantes de bugingangas, mantendo
bazares e boutiques de treze centavos, os exibidores de curiosidades e particularmente de
mulheres-gigantes. Até o presente, esses interessantes personagens contam entre aqueles
que mais aproveitaram a transformação de Paris.” Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris
Futur, Paris, 1868, pp. 129-130 (“Promenade pittoresque à travers le nouveau Paris”).
[E 13, 3]
11 Depois de ter cedido, em julho de 1833, aos protestos públicos e abandonado o projeto do cinturão
de fortificações, o governo vingou-se, decretando a prisão de um grupo de pessoas (inclusive quatro
estudantes da École Polytechnique) suspeitas de fabricação ilegal de pólvora e armas. O grupo foi
absolvido em dezembro. G. Pinet, Histoire de
1’École Polytechnique, Paris, Baudry, 1887, pp. 214-219.
(E/M)
F
[Construção em Ferro]
“Cada época sonha a seguinte”
Michelet, “Avenir! Avenir!” (Europe , 73, p. 6)
Dedução
dialética da construção em ferro; ela se diferencia da arquitetura
grega em pedra (teto de vigas) e da arquitetura medieval (teto em arco).
“Uma outra arte, na qual o tom é dado por um outro princípio estático,
muito mais magnífico do que os dois primeiros, vai nascer e se
desenvolver... Um novo e inusitado sistema de tetos, que naturalmente
acarretará de imediato um novo reino de formas artísticas, só pode se
manifestar quando um material, se não ignorado are agora, ao menos
negligenciado como elemento principal para tal emprego, começa a ter
aceitação... Ora, tal material é o ferro, que o nosso século já começou a
u tilizar nesse sentido. Com a crescente comprovação e o conhecimento
de suas qualidades estáticas na arquitetura do futuro, o ferro está
destinado a servir de base ao sistema de tetos e, do ponto de vista
estático, a destacar este último em relação aos sistemas helénico e
medieval tanto quanto o sistema de arcos deu destaque à Idade Média em
relação ao monolítico sistema de vigas de pedra do mundo antigo... Se o
princípio estático de forças é tomado à construção em arcos e
transformado num sistema totalmente novo e inédito, por outro lado, em
relação às formas artísticas do novo sistema, terá de ser retomado o
princípio formal à maneira grega.” Zum huridertjãhrigen Geburtstag Karl Böttichers,
Berlim, 1906, pp. 42 e 44-46. (Os princípios da arquitetura helénica e
germânica com referência à sua transposição para a arquitetura de nossos
dias.)
[F 1, 1]
Vidro
que surge antes do seu tempo, ferro prematuro. O material mais frágil e
o mais forte foram quebrados, por assim dizer, deflorados nas
passagens. Em meados do século passado, ainda não se sabia como se devia
construir com vidro e ferro. Por isso o dia que se infiltra do alto
através das vidraças por entre suportes de ferro é tão sujo e nublado
[F 1, 2]
[...]
As duas grandes conquistas da técnica: o gás1
e o ferro fundido andam juntos. “Sem contar a quantidade inumerável de
luzes mantidas pelos comerciantes, essas galerias são iluminadas à noite
por trinta e quatro bicos de gás hidrogênio sustentados por espirais de
ferro fundido fixados sobre as pilastras. Provavelmente, trata-se da
Galerie de 1’Opéra. J.A.Dulaure, Histoire de Paris ... Depuis 1821 Jusqu’à Nos Jours, vol. II, Paris, 1835, p. 29.
[F 1, 4]
[...]
“A
complicada construção em ferro e cobre ... do mercado de cereais, Halle
au Blé, em 1811, foi uma obra do arquiteto Bellangé e do engenheiro
Brunet. Pelo que se sabe, é a primeira vez que as funções do arquiteto e
do engenheiro não são mais reunidas na mesma pessoa ... Hittorf, o
construtor da Gare du Nord, deve a Bellangé seu primeiro contato com a
construção em ferro. — De fato, trata-se mais de um emprego do ferro do
que uma construção em ferro. Ainda se transfere simplesmente ao ferro a
técnica da construção em madeira.” Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, p. 20.
[F 2, 6]
1 "Vidro e ferro fundido" ( G<l>as und Gußeisen), como quer R.T., ou "gás e ferro fundido" (Gas
und Gußeisen), como propõem E/M? Optamos peia segunda leitura, que,
além de não emendar o texto original, é confirmada pelo contexto.
(w.b.)
(...)
Quando se descobriu a roda a fim de permitir a continuidade do
movimento sobre o solo — não poderia alguém ter dito com certa razão: e
agora, além do mais, ainda é redondo e tem forma de roda? Todas
as grandes conquistas no domínio das formas não se deram afinal assim,
como descobertas técnicas? Começamos apenas recentemente a adivinhar
quais formas, que se tomarão determinantes para nossa época, estão
ocultas nas máquinas. O quanto no início a velha forma do meio de
produção domina sua forma nova ... é demonstrado de maneira talvez mais
cabal pela locomotiva que foi experimentada antes da descoberta da
locomotiva atual: com efeito, assim como um cavalo, possuía dois pés que
eram erguidos um após o outro. Apenas após um melhor desenvolvimento da
mecânica e a acumulação de experiências práticas, a forma é
inteiramente determinada pelo princípio mecânico, libertando-se de vez
da forma corpórea tradicional da ferramenta, que se transmuda em
máquina.” (Neste sentido, por exemplo, também na arquitetura o suporte e
o peso são “formas corpóreas”.) O trecho encontra-se em Marx, Das Kapital, vol. I, Hamburgo, 1922,
p. 347, nota.
[F 2a, 5]
[...]
(...) Assim, A.Gordon, em A Treatise in Elementary Locomotion,
queria fazer rodar os “carros a vapor” — como se dizia na época — sobre
estradas de granito. Não se acreditava ser possível produzir ferro
suficiente para as linhas férreas, então ainda projetadas em escala bem
reduzida.
[F 3, 4]
É preciso observar que as perspectivas grandiosas que as novas
construções em ferro ofereciam sobre as cidades — exemplos excelentes
encontram-se em Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig e Berlim,
1928, nas ilustrações 61-63 da ponte de Marselha, a Pont Transbordem —
estavam reservadas exclusivamente e por muito tempo aos operários e
engenheiros. ■ Marxismo ■ Pois, quem além do engenheiro e do proletário
galgava então os degraus que permitiam divisar pela primeira vez o novo,
o decisivo: a sensação espacial dessas construções?
[F 3, 5]
Em 1791, surge na França a designação “engenheiro” (ingénieur)
para os oficiais da arte das fortificações e do assédio. “E nessa mesma
época, no mesmo país, começou a manifestar-se de maneira consciente, e
logo com o tom de polêmica pessoal, a oposição entre construção’ e
‘arquitetura’. Isto não existiu absolutamente no passado... Entretanto,
nos inúmeros ensaios estéticos, que reconduziram a arte francesa a
caminhos regulares após as tempestades da revolução, ... os constructeurs se confrontaram com os décorateurs, e imediatamente colocou-se a questão se os ingénieurs, como seus aliados, não deveriam também ocupar socialmente o mesmo campo.” A. G. Meyer, Eisenbauten , Esslingen, 1907, p. 3.
[F 3, 6]
“A técnica da arquitetura de pedra é a estereotomia, a da madeira é a
tectônica. O que tem a construção em ferro em comum com esta e com
aquela?” Alfred Gotthold Meyer: Eisenbauten, Esslingen, 1907, p.
5. “Na pedra, sentimos o espírito natural da massa. O ferro para nós é
apenas resistência e tenacidade artificialmente comprimidas.” Op. cit.,
p. 9. “O ferro possui uma resistência quarenta vezes maior que a da
pedra e dez vezes maior que a da madeira; seu peso específico, contudo, é
apenas quatro vezes maior que o da pedra e oito vezes maior que o da
madeira. Um corpo de ferro possui, portanto, em comparação a um igual
volume de pedra, com uma massa quatro vezes maior, uma capacidade de
carga quarenta vezes maior.” Op. cit., p. 11.
[F 3, 7]
[...]
Estações como “centros de arte”. “Se Wiertz tivesse tido à sua
disposição ... os monumentos públicos da civilização moderna: estações
ferroviárias, câmaras legislativas, salas de universidade, mercados,
prefeituras ... quem poderia dizer que mundo novo, vivo, dramático,
pitoresco ele teria projetado sobre sua tela?” A. J. Wiertz, Œuvres Littéraires, Paris, 1870, pp. 525-526.
[F 3a, 3]
O absolutismo técnico que está na base da construção em ferro, em
decorrência do próprio material, fica evidente quando nos inteiramos da
oposição em que o ferro se encontrava em relação as concepções
tradicionais do valor e da utilidade de materiais de construção em
geral. “O ferro era visto com uma certa desconfiança, justamente porque
não era extraído diretamente da natureza e sim fabricado
artificialmente. Esta era apenas uma aplicação particular daquele
sentimento geral do Renascimento, que Leo Battista Alberti (De Re
Aedificatoria, Paris, 1512, foi. XLIV) expressa com as seguintes
palavras: ‘Nam est quidem cujusquis corporis pars indissolubilior, quae a
natura concreta et counita est, quam quae hominum manu et arte
conjuncta atque, compacta est.”’Œ8 A. G. Meyer, Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 14.
[F 3a, 4]
(...) No caso do ferro como material de construção isto já é bem
evidente, e talvez pela primeira vez. Pois as “formas básicas, nas quais
o ferro aparece como material de construção, são ... por si mesmas
parcialmente novas como configurações individuais. E sua especificidade
é, em grande medida, resultado e expressão das qualidades naturais do
material, porque estas foram desenvolvidas e exploradas técnica e
cientificamente justamente para estas formas. Em comparação com os
materiais de construção conhecidos até então, o objetivo do processo de
trabalho, que transforma a matéria-prima em material de construção
imediatamente utilizável, inicia-se com o ferro já em um estágio muito
anterior. Entre matéria e material existe aqui naturalmente uma outra
relação do que entre pedra bruta e pedra lavrada, entre argila e telha,
madeira e viga: no caso do ferro, o material e a forma de construção sao
por assim dizer mais homogêneos.” A. G. Meyer, Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 23.
[F 3a, 5]
1840-1844. “A construção das fortificações, inspirada por Thiers...
Thiers, que pensava que as vias férreas não funcionariam nunca, fez
construir portas em Paris, no momento em que a cidade precisava de
estações.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 386.
[F 3a, 6]
[...]
A passagem como construção em ferro fica na fronteira do espaço largo (Breitraum).
Esta é uma das razões decisivas de sua aparência “antiquada”. Ela ocupa
aqui uma posição híbrida, que tem certa analogia com a da igreja
barroca: “a cobertura (Halle) em abóbada, que admite até mesmo as
capelas apenas como alargamento do seu próprio espaço, mais largo que
nunca. Mas também nesta cobertura barroca prevalece a tendência ‘para o
alto’, o êxtase dirigido às alturas, como rejubila nos afrescos do teto.
Enquanto os espaços das igrejas pretendem servir a algo mais do que
para fins de reunião, enquanto querem abrigar a idéia do eterno, o
espaço único e contínuo apenas poderá satisfazê-los se a altura superar a
largura.” A. G. Meyer, Eisenbauten , p. 74. Inversamente,
pode-se dizer que permanece algo de sagrado, um resquício de nave de
igreja, nesta fileira de mercadorias que é a passagem. Do ponto de vista
funcional, a passagem já se encontra no domínio do espaço largo, porém,
do ponto de vista arquitetônico, ainda está no espaço da antiga
“cobertura”.
[F 4, 5]
[...]
Formação histórica do espaço largo: “O castelo dos reis da França toma
emprestada ao palácio renascentista italiano a ‘galeria’, a qual — como
na ‘Galeria de Apoio’ do Louvre ou na ‘Galeria de Espelhos’ de Versalhes
— torna-se símbolo da majestade propriamente dita ... / Seu novo
cortejo triunfal no século XIX inicia-se, por sua vez, sob o signo da
construção puramente utilitária, com pavilhões que servem de depósito e
mercado, oficina e fábrica: o lado voltado à arte é determinado pelas
estações de trem — e principalmente pelas exposições. E por toda parte a
necessidade de um espaço largo contínuo é tão grande que dificilmente
serão suficientes a abóbada de pedra e o teto de madeira... Na
arquitetura gótica, as paredes crescem em direção ao teto, nos saguões
de ferro do tipo ... da Galerie des Machines de Paris, o teto se
transforma sem solução de continuidade em paredes.” A. G. Meyer, Eisenbauten, pp. 74-75.
[F 4a. 1]
Nunca a medida do “muito pequeno” teve tanta importância quanto agora.
Inclui-se aí também o muito pequeno em quantidade, o “mínimo”. Trata-se
de medidas que adquiriram significado para as construções da técnica e
da arquitetura muito antes de a literatura se dignar de adaptar-se a
elas. Basicamente é a primeira manifestação do princípio de montagem.
Sobre a construção da Torre Eiffel: “Aqui a força plástica da imagem
silencia em favor de uma enorme tensão de energia espiritual que
concentra a energia inorgânica do material nas formas mínimas e mais
eficazes, associando-as da maneira mais funcional possível... Cada uma
das 12.000 peças de metal é fabricada com exatidão milimétrica, cada um
dos 2,5 milhões de arrebites... Neste canteiro de obras não se ouvia
nenhum golpe de formão que retira da pedra a sua forma; mesmo ali o
pensamento dominava a força muscular, transferindo-a para seguros
andaimes e guindastes.” A. G. Meyer, Eisenbauten, p. 93. ■ Precursores ■
[F 4a. 2]
“Haussmann não soube ter o que se poderia chamar de uma política das
estações ferroviárias... Apesar de uma declaração do imperador, que
havia justamente batizado as estações de novas portas de Paris, o
desenvolvimento contínuo das vias férreas surpreendeu todo mundo,
ultrapassou as previsões. Não se soube sair do empirismo cotidiano.”
Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 4 19.
[F 4a, 3]
Torre Eiffel. Originalmente saudada por um protesto unânime, eia
continuou sendo bastante feia, mas foi útil ao estudo da telegrafia sem
fio... Disseram que essa Exposição havia marcado o triunfo da construção
em ferro. Seria mais justo dizer que marcou sua falência.” Dubech e
D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, pp. 461-462.
[F 4a, 4]
Por volta de 1878, acreditou-se encontrar a salvação na arquitetura em
ferro; as aspirações verticais, como diz o Sr. Salomon Reinach, a
predominância dos vazios sobre os cheios e a leveza da ossatura aparente
fizeram esperar que nascesse um estilo que reviveria o essencial do
gênio gótico, rejuvenescido por um espírito e materiais novos. Quando os
engenheiros ergueram a Galerie des Machines e a Torre Eiffel, em 1 889,
perdeu-se a esperança na arte de ferro. Cedo demais, talvez.” Dubech e
D’Espezel, op. cit., p. 464.
[F 4a, 5]
[...]
“O caminho que vai da forma da primeira locomotiva, durante o estilo
Império, à sua forma atual, perfeita e objetiva, caracteriza uma
evolução.” Joseph Aug. Lux, “Maschinenästhetik”, Die Neue Zeit, XXVII, 2, p. 439, Stuttgart, 1909.
[F 4a, 7]
<fase média>
[...]
(...) (A verificar: se em uma representação alegórica no Cabinet des
Estampes, o quebra-cabeça substitui o caleidoscópio ou vice-versa.)
[F 6, 2]
[...]
Victor-Hugo em Notre-Dame de Paris, sobre o prédio da Bolsa de
Valores: “Se existe a regra que a arquitetura de um edifício seja
adaptada à sua finalidade ... não seria demais maravilhar-se com um
monumento que pode ser indiferentemente um palácio de rei, uma câmara
dos comuns, uma prefeitura, um colégio, um picadeiro, uma academia, um
entreposto, um tribunal, um museu, uma caserna, um sepulcro, um templo,
um teatro. Por enquanto ... é uma Bolsa de Valores... E uma Bolsa na
França, como teria sido um templo na Grécia... Tem-se esta colunata que
circunda o monumento, e sob a qual, nos grandes dias de solenidade
religiosa, pode-se desenvolver majestosamente a teoria dos agentes de
câmbio e dos corretores de comércio. Trata-se, sem dúvida, de soberbos
monumentos. Acrescentemos a eles ruas muito belas, divertidas e
variadas, como a Rue de Rivoli, e não posso deixar de esperar que Paris,
vista de um balão, apresente um dia ... esta riqueza de linhas, ...
esta diversidade de aspectos, este não sei quê ... de inesperado no
belo, que caracteriza um tabuleiro de xadrez.” Victor Hugo, Œuvres Complètes, Romances, vol. III, Notre-Dame de Paris, Paris, 1880, pp. 206-207.
[F 6a, 1]
[...]
O engenheiro Alexis Barrault, que construiu o Palácio da Indústria em 1855, juntamente com Viel, era irmão de Emile Barrault.
[F 7a, 2]
Em 1779, foi construída a primeira ponte de ferro fundido (de Coalbrookdale); em 1788, seu construtor15
é agraciado com a medalha de ouro pela Sociedade Inglesa das Artes.
“Como, aliás, foi em 1790 que o arquiteto Louis terminava em Paris o
vigamento em ferro forjado do Théâtre-Français, é possível dizer que o
centenário das construções em metal coincide quase exatamente com o da
Revolução Francesa.” A. de Lapparent, Le Siècle du Fer, Paris, 1890, pp. 11-12.
[F 7a, 3]
Em Paris, no ano de 1822, uma greve dos carpinteiros.
[F 7a, 4]
Sobre o quebra-cabeça chinês, uma litografia: “O Triunfo do
caleidoscópio ou o Túmulo do Jogo Chinês.” Um chinês deitado com um
quebra-cabeça. Uma figura feminina colocou o pé sobre ele. Numa das
mãos, ela carrega um caleidoscópio, na outra um papel ou uma tira com
motivos de caleidoscópio. Cabinet des Estampes (datado de 1818).
[F 7a, 5]
“A cabeça gira e o coração aperta quando, pela primeira vez, percorre-se
essas casas de fadas nas quais o ferro e o cobre resplandecentes,
polidos, parecem valer por si mesmos, parecem pensar, querer, enquanto o
homem pálido e fraco é o humilde servidor desses gigantes de aço.” J.
Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, p. 82. O autor não teme que a
produção mecânica possa prevalecer. Parece-lhe, ao contrário, ser
barrada pelo individualismo do consumidor “Cada homem quer agora ser ele
mesmo; conseqüentemente, desprezará muitas vezes produtos fabricados em
série, sem individualidade que responda à sua.” Ic p. 78.
[F 7a, 6]
<fase tardia>
“VioIlet-le-Duc (1814-1879) mostra que os arquitetos da Idade Média
foram também engenheiros e inventores surpreendentes.” Amédée Ozenfant,
“La peinture murale, Encyclopédie Française, vol. XVI, Arts et
Littératures dans la Société Contemporaine, tomo I, p. 70, col. 3.
[F 8, 1]
[...]
“Foi em 1783, na construção do Théâtre-Français, que o ferro foi
empregado pela primeira vez em grandes dimensões, pelo arquiteto Louis.
Talvez nunca se tenha repetido um trabalho tão audacioso. Quando, em
1900, o teatro foi reconstruído depois de um incêndio, utilizou-se para a
mesma cobertura um peso de ferro cem vezes superior ao do arquiteto
Louis. A construção em ferro propiciou uma série de edifícios, dos quais
a Grande Sala de Leitura da Biblioteca Nacional de Labrouste é o
primeiro e um dos melhores exemplos... Mas o ferro necessita de uma
manutenção dispendiosa... A Exposição de 1889 foi o triunfo do ferro
aparente...; na Exposição de 1900, quase todas as armações em ferro
estavam recobertas de estafe.” L’Encyclopédie Française, vol. XVI, 16-68, pp. 6-7. (Aususte Perret, “Les besoins collectifs et l’architecture”).
[F 8, 4]
O “triunfo do ferro aparente” na era do gênero: “Pode se compreender ...
a partir do entusiasmo pela técnica das máquinas e da crença na solidez
inigualável de seus materiais o fato de que o atributo ‘de bronze’ ou
‘de ferro’ aparece por roda parte ... toda vez que se quer enfatizar a
força e a necessidade: de bronze são as leis da natureza, como mais
tarde o ‘passo dos batalhões de operários’; ‘de ferro’ é a unificação do
Império Alemão ... e de ferro’ é o próprio chanceler.” Dolf Stemberger,
Panorama, Hamburgo, 1938, p. 31.16
8 “Pois
em cada substância existe uma parte que é confeccionada e reunida pela
natureza e que é mais indissolúvel que a que é produzida e reunida
pela mão e pela arte do homem.” (w.b.)
15 A ponte de Coalbrookdale, no Shropshire, foi construída em 1779 por T. F. Pritchard. (J.L.)
16 D. Stemberger, Panorama oder Ansichten vom 19. Jahrhundert. Ver a resenha deste livro por Benjamin, GS III, pp. 572-579. (J.L.)
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
[...]
Certos
modos de apresentação, cenas típicas etc. começam no século XIX a
migrar para o reclame e, igualmente, para o obsceno. O estilo dos
Nazarenos,1 tanto quanto o estilo
Mackart,2 encontra
seus parentes litográficos, em preto ou mesmo coloridos, no domínio
da gravura obscena. Vi uma gravura que à primeira vista poderia
representar algo como o
banho de Sigfried no sangue do dragão: uma erma floresta verde, o manto
púrpura do
herói, plena nudez, um espelho d’água — era o mais complicado enlace de
três corpos,
digno da capa de uma revista barata para jovens. Esta é a linguagem
colorida dos cartazes
que floresceram nas passagens. Quando ficamos sabendo que lá estavam
pendurados os
retratos de famosas dançarinas do cancan, como Rigolette e Frichette —
devemos imaginá-los assim coloridos. É possível encontrar cores mais
artificiais nas passagens; ninguém se
surpreende que pentes sejam vermelhos ou verdes. A madrasta da Branca de
Neve possuía
alguns assim, e se o pente não cumpria sua tarefa, lá estava a linda
maçã fazendo sua parte,
meio vermelha, meio verde-veneno, como os pentes de preço módico. Por
toda parte, as
luvas representam seu papel de atrizes convidadas; luvas coloridas, mas
principalmente as
luvas longas e negras, com as quais muitas sonharam com a felicidade — seguindo o exemplo
de Yvette Guilbert3 —, trazendo-a, como se espera, a Margo Lion.4 E na mesa vizinha de
uma taberna, as meias formam um etéreo balcão de carnes.
[G 1a, 1]
[...]
Em 1867, um negociante de papel de paredes afixa seus cartazes nos pilares das pontes.
[G 1a, 3]
Há muitos anos vi num trem suburbano um cartaz que, se neste mundo as coisas tivessem
o lugar que lhes cabe, teria encontrado seus admiradores, historiadores, exegetas e copistas
tão certamente como qualquer grande poema ou grande pintura. Com efeito, esse cartaz
era as duas coisas ao mesmo tempo. Mas como acontece às vezes com impressões muito
profundas e inesperadas, o choque foi tão forte, a impressão, se assim posso dizer, causou-
me tanto impacto, que transpassou o solo da consciência e permaneceu por anos escondida
em algum lugar na escuridão. Sabia apenas que se tratava de um certo “Sal de Bullrich”, e
que o entreposto original deste produto localizava-se num porão da rua Flottwell, pela
qual passei anos a fio com a tentação de aí descer e perguntar pelo cartaz. Então, numa
certa tarde desbotada de domingo, encontrei-me naquela parte norte (?) de Moabit que já
me parecera, certa vez, há quatro anos, espectralmente construída justamente nesta hora
do dia. Na ocasião, tive que pagar na rua Lützow5 os impostos alfandegários de uma cidade
de porcelana chinesa que mandei vir de Roma, de acordo com o peso de seus quarteirões de
casas esmaltadas. Desta vez, certos indícios já me levavam a crer, durante o caminho, que
esta seria uma tarde significativa. De fato, ela terminou com a descoberta de uma passagem,
uma história berlinense demais para poder ser contada neste espaço de lembranças parisienses.
Antes, porém, estava eu com minhas duas belas acompanhantes diante de uma miserável
destilaria, cuja vitrine estava enfeitada com um arranjo de cartazes. Num deles estava
escrito "Sal de Bullrich”. Nada mais continha além destes dizeres; mas, em torno destas
letras, formou-se de repente, com facilidade, aquela paisagem desértica do primeiro cartaz.
Eu o tinha recuperado. Era assim: no primeiro plano do deserto, movia-se um veículo de
carga puxado por cavalos. Estava carregado de sacos com a inscrição “Sal de Bullrich”. Um
deles tinha um buraco do qual escorria o sal, formando uma trilha na terra. Ao fundo da
paisagem desértica, dois postes exibiam uma grande tabuleta com as palavras: “É o melhor”.
Mas o que fazia a trilha de sal na estrada que cortava o deserto? Ela formava letras, e estas
formavam palavras, as palavras: “Sal de Bullrich”. Não era a harmonia preestabelecida de
um Leibniz uma criancice, se comparada a esta predestinação inscrita com absoluta precisão
no deserto? E não havia neste cartaz uma parábola para coisas que ninguém jamais
experimentou nesta vida terrena? Uma parábola para o cotidiano da utopia?
[G 1a, 4]
1 Grupo de pintores alemães (Overbeck, Pforr, Cornelius) que se estabeleceram em Roma em 1810 e tiraram a sua inspiração “patriótica, alemã e religiosa” de Dürer, das primeiras obras de Rafaël e de Perugino. (cf.Ch.Baudelaire, “L’Art Philosophique”, Œuvres Complètes, vol. II, p. 599.) (J.L.)
2 Hans Mackart (1840-1884), pintor vienense, autor de grandes quadros alegóricos e históricos em estilo “neobarroco”. (J.L.)
3 Cantora francesa (1868-1944). (J.L.)
4 Artista alemã de cabaré (1899-1989) dos anos 1920. Intérprete da personagem Jenny na versão cinematográfica francesa da Ópera dos Três Vinténs, de G. W. Pabst (1931), baseada na peça de Brecht. (J.L.)
5 A Lützowstraße desembocava na Flottwellstraße, ao sul do Tiergarten, o parque central de Berlim. Moabit é um bairro ao norte desse parque. (J.L.; w.b.)
No Charivari de 1836 encontra-se uma ilustração mostrando um cartaz que se estende por
metade da fachada de uma casa. As janelas foram poupadas, à exceção de uma,
aparentemente, pois nela se apoia um homem cortando o pedaço do papel que o incomoda.
[G 1a, 1]
[...]
“O
homem-sanduíche carrega com seriedade seu fardo duplo e leve. Esta
jovem senhora,
cujo ventre redondo é apenas passageiro, ri do cartaz ambulante e,
sempre rindo, deseja lê-lo; o feliz autor de sua protuberância carrega
também seu próprio fardo.” Texto referente à
litografia: “O homem-sanduíche na Place des Victoires”. Extraído de Nouveanx Tableaux de
Paris, texto da prancha 63 [as litografias são de autoria de Marlet] . Este livro é uma espécie
de Hogarth ad usum Delphini.
[G 3a, 2]
[...]
“‘A Europa se deslocou para ver mercadorias’, dizia Renan, com desprezo, da Exposição de 1855”. Paul Morand, 1900, Paris, 1931, p71.
[G 4, 5]
“‘Este ano foi perdido em prol da propaganda’, diz um orador socialista, no congresso de 1900." Paul Morand, 1900, Paris, 1931, p129.
[G 4, 6]
[...]
“Com a etiqueta exibindo o preço, a mercadoria entra no mercado. Sua individualidade
material e qualidade formam apenas o atrativo para a troca, sendo totalmente irrelevantes
para a avaliação social de seu valor. A mercadoria tornou-se uma coisa abstrata. Uma vez
saída da mão do produtor e livre de sua particularidade real, deixa de ser um produto e de
ser dominada pelo homem. Adquire uma ‘objetividade espectral’ e leva uma vida própria.
‘Uma mercadoria parece ser à primeira vista uma coisa óbvia, trivial. De sua análise resulta,
porém, ser ela uma coisa complicada, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas.’ Separada da vontade do homem, ela se insere em uma hierarquia misteriosa, desenvolve ou
rejeita a aptidão de troca, age segundo leis próprias tal como atores sobre um palco
fantasmagórico. Nos informes da Bolsa, o algodão ‘sobe’, o cobre ‘cai’, o milho está ‘animado’,
o carvão está ‘fraco’, o trigo ‘atraente’ e o petróleo ‘manifesta tendência’. As coisas
emanciparam-se, assumem um comportamento humano... A mercadoria transformou-se
em ídolo que, embora seja um produto feito por mãos humanas, comanda o homem.
Marx fala do caráter fetiche da mercadoria. ‘Este caráter fetiche do mundo das mercadorias
provém do caráter social específico do trabalho que produz mercadorias... E apenas a
relação social determinada dos homens que assume para eles aqui a forma fantasmagórica
de uma relação de coisas’.” Otto Rühle, Karl Marx, Hellerau, 1928, pp. 384-385.
[G 5, 1]
[...]
“Já por ocasião da primeira Exposição universal, em 1851, enviaram para Londres às custas
do Estado alguns operários escolhidos pelos empresários. Entretanto, houve também uma
delegação independente que foi enviada por iniciativa de Blanqui (o economista) e de
Émile de Girardin... Esta delegação apresentou um relatório geral em que não encontramos
nenhum indício da tentativa de estabelecer uma ligação permanente com os operários
ingleses, porém, enfatizou-se a necessidade de relações pacíficas entre a Inglaterra e a França...
Em 1855, realizou-se a segunda Exposição universal, desta vez em Paris. Delegações de
operários, seja da capital, seja da província, foram totalmente excluídas desta vez. Temia-se
que elas oferecessem aos operários a oportunidade de se organizar.” D. Rjazanov, “Zur
Geschichte der ersten Internationale”, in: Marx-Engels Archiv, org. por Rjazanov, vol. I,
Frankfurt a. M., pp. 150-151.
[G 5a, 1]
As especiosidades de Grandville expressam muito bem o que Marx chama de “argúcias
teológicas” da mercadoria.
[G 5a, 2]
[...]
Relação da primeira Exposição universal de Londres, de 1851, com a idéia do livre comércio.
[G 5a, 4]
“As exposições universais perderam muito do seu caráter original. O
entusiasmo que em
1851 contaminou os mais amplos círculos dissipou-se e, em seu lugar,
adveio uma espécie
de frio cálculo; em 1851, nós nos encontrávamos na época do livre
comércio... Agora
encontramo-nos há décadas em um período contínuo e crescente do
protecionismo; ...
participar de uma exposição torna-se ... uma espécie de representação
... e enquanto em
1850 colocava-se como princípio supremo: que o governo não devia se
preocupar com este assunto, chega-se hoje a considerar o governo de cada
país como um verdadeiro empresário.”
Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellungen, Berlim, 1900, pp. 29-30.
[G 5a, 5]
No ano de 1851, em Londres, “surgiu ... o primeiro canhão de aço fundido da fabrica
Krupp e, a partir desse modelo, o ministério da guerra prussiano deveria logo encomendar
mais de 200 unidades. Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellunven, Berlim
1900, p. 11.
[G 5 a, 6]
[...]
Se a mercadoria era um fetiche, Grandville foi o seu mago-sacerdote.
[G 7, 2]
<fase média>
[...]
Exposição universal de 1851: 14.837 expositores; em 1855, 80.000 expositores.
[G 9a, 5]
A exposição egípcia de 1867 foi montada numa construção que imitava um templo egípcio.
[G 9a, 6]
[...]
Simbologia
animal em Toussenel: a toupeira. “A toupeira não é ... o emblema apenas
de
um caráter, é o emblema de todo um período social, o período do
nascimento da indústria,
o período ciclópico ... ela é a expressão alegórica ... do predomínio
absoluto da força bruta
sobre a força intelectual... Há uma semelhança marcante entre as
toupeiras que remexem o
solo e cavam vias de comunicação subterrâneas ... e os monopolizadores
de vias férreas e de empresas de transporte... A extrema sensibilidade
nervosa da toupeira que teme a luz ... caracteriza admiravelmente o
obscurantismo obstinado desses monopolizadores de bancos
e de transportes que também temem a luz.” A. Toussenel, L’Esprit des Bêtes: Zoologie
Passionnelle — Mammiferes de France, Paris, 1884, pp. 469 e 473-474.
[G 11,4]
[...]
Toussenel estabelece uma simbologia das curvas, segundo a qual o círculo representa a
amizade, a elipse, o amor, a parábola, o sentido da família, a hipérbole, a ambição. O
parágrafo sobre a hipérbole aproxima-se especialmente de Grandville: “A hipérbole é a
curva da ambição... Admirai a persistência teimosa da ardente assintota, perseguindo a
hipérbole numa corrida desenfreada; ela se aproxima, se aproxima cada vez mais do ponto
de chegada ... sem jamais alcançá-lo.” A. Toussenel, L’Esprit des Bêtes, Paris, 1884, p. 92.
[G 11a, 2]
Simbologia animal em Toussenel: o ouriço. “Voraz e de aspecto repulsivo é também o
retrato do escrevinhador ínfimo, traficante de biografia e de chantagem, vendendo patentes
de chefes de correio e concessões de teatro ... e tirando de sua consciência de alcachofra ...
falsos juramentos e apologias a preço fixo... Diz-se que o ouriço é o único dos quadrúpedes
da França sobre o qual o veneno da víbora não tem efeito. Eu teria adivinhado a exceção
unicamente pela analogia... Como vocês querem ... que a calúnia (víbora) morda o vagabundo
literário...! A. Toussenel, L’Esprit des Bêtes, Paris, 1884, pp, 476 e 478.
[G 11a, 3]
[...]
A primeira edição de L’Esprit des Bêtes, de Toussenel, data de 1847.
[G 12, 2]
“Consultei inutilmente a antigüidade para nela encontrar traços do perdigueiro... Interroguei
a época do aparecimento dessa raça às lembranças dos mais lúcidos sonâmbulos;
Unias as informações terminam na seguinte conclusão: o perdigueiro é uma criação dos
tempos modernos.” A. Toussenel, L’Esprit des Bêtes, Paris, 1884, p. 1 59.
[G 12, 3]
Toussenel explica a rotação da terra como resultante da força centrífuga e da atração. Mais
adiante: “O astro ... começa a valsar sua valsa frenética... Tudo murmura, se move, se
aquece, tudo cintila na superfície do globo, mergulhado, ainda na véspera, no frio silêncio
da noite. Espetáculo maravilhoso para o observador bem posicionado; troca de cenários à
vista, com um efeito admirável; porque a revolução aconteceu entre os dois sóis, e, na
mesma noite, uma nova estrela cor de ametista fez sua aparição nos céus.” (p. 45) E,
aludindo ao vulcanismo de épocas remotas da terra: “São conhecidos os efeitos da primeira
valsa sobre as organizações delicadas... A Terra também foi rudemente sacudida na sua
primeira prova.” A. Toussenel, LEsprit des Bêtes: Zoologie Passionnelle, Paris, 1884, pp. 44-45.
[G 12, 5]
Princípio da zoologia de Toussenel: “A classificação das espécies está em razão direta de sua
semelhança com o homem.” A. Toussenel, L’Esprit des Bêtes, Paris, 1884, p. I. Cf. a epígrafe
“‘O que há de melhor no homem é o cão.’ - Charlet.”
[G 12a, 1]
Apoiado por grande publicidade, Poitevin empreendeu com seu balão uma "subida a
Urano”, acompanhado em sua gôndola de moças vestidas como figuras mitológicas. (Paris
sous la République de 1848: Exposition de la Bibliothèque et des Travaux Historiques de la Ville
de Paris, 1909 , p. 34.)
[G 12a, 2]
Não só em relação à mercadoria pode-se falar de uma autonomia fetichista, mas também
em relação aos meios de produção, como demonstra a seguinte passagem de Marx:
“Examinando o processo de produção sob o ponto de vista do processo de trabalho, o
operário comportava-se em relação aos meios de produção ... como simples meio ... de sua
atividade produtiva objetiva... É bem diferente tão logo examinemos o processo de produção
sob o ponto de vista do processo da mais-valia. Os meios de produção transformam-se
imediatamente em meios de apropriação do trabalho de outrem. Não é mais o operário
que emprega os meios de produção, e sim são os meios de produção que empregam o
operário. Em vez de serem consumidos por ele como elementos materiais de sua atividade
produtiva, eles o consomem como força motriz de seu próprio processo de vida... Altos-
fornos e fábricas que ficam parados durante a noite, não absorvendo trabalho vivo algum,
são puro prejuízo’ para o capitalista. Por isso, os altos-fornos e as fabricas constituem uma
reivindicação ao trabalho noturno’ dos operários.”17 Estas considerações devem servir para
analisar Grandville. Em que medida o trabalhador assalariado é a “alma” dos objetos de
Grandville, animados de forma fetichista?
[G 12a, 3]
Não só em relação à mercadoria pode-se falar de uma autonomia fetichista, mas também
em relação aos meios de produção, como demonstra a seguinte passagem de Marx:
“Examinando o processo de produção sob o ponto de vista do processo de trabalho, o
operário comportava-se em relação aos meios de produção ... como simples meio ... de sua
atividade produtiva objetiva... É bem diferente tão logo examinemos o processo de produção
sob o ponto de vista do processo da mais-valia. Os meios de produção transformam-se
imediatamente em meios de apropriação do trabalho de outrem. Não é mais o operário
que emprega os meios de produção, e sim são os meios de produção que empregam o
operário. Em vez de serem consumidos por ele como elementos materiais de sua atividade
produtiva, eles o consomem como força motriz de seu próprio processo de vida... Altos-
fornos e fábricas que ficam parados durante a noite, não absorvendo trabalho vivo algum,
são puro prejuízo’ para o capitalista. Por isso, os altos-fornos e as fabricas constituem uma
reivindicação ao trabalho noturno’ dos operários.”17 Estas considerações devem servir para
analisar Grandville. Em que medida o trabalhador assalariado é a “alma” dos objetos de
Grandville, animados de forma fetichista?
[G 12a, 3]
Sobre a instalação do Conselho Geral da Internacional Operária19 em Londres corria a
frase: “A criança nascida nas oficinas de Paris tinha sua ama seca em Londres.” Ver Ch.
Benoist, “Le inythe’ de la classe ouvrière”, Revue des Deux Mondes, 1o de março de 1914,
p. 104.
[G 13, 3]
[...]
Extraído do primeiro capítulo de O Capital: “Uma mercadoria parece ser à primeira vista
uma coisa óbvia, trivial. Sua análise mostra que ela é uma coisa complicada, cheia de
sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Enquanto valor de uso, não há nada de místico
nela... A forma da madeira é modificada quando se faz uma mesa com ela; não obstante, a
mesa continua sendo madeira, uma coisa sensível e comum. Porém, tão logo ela se apresenta
como mercadoria, torna-se uma coisa sensível supra-sensível. Não só se coloca com suas
pernas sobre o chão, mas se põe de cabeça para baixo em relação a todas as outras mercadorias
e inventa maluquices em sua cabeça de madeira que são mais estranhas do que se começasse
repentinamente a dançar.” Cit. em Franz Mehring, “Karl Marx und das Gleichnis”, in:
Karl Marx ais Denker, Mensch und Revolutionär, ed. org. por Rjazanov, Viena / Berlim,
1928, p. 57 (originalmente publicado em Die Neue Zeit, 13 de março de 1908).
[G 13a, 2]
[...]
Fourier evoca a sabedoria popular, que definiu há muito a civilização como le monde à
rebours (“o mundo às avessas”).
[G 14a, 4]
[...]
19
A Associação Internacional dos Operários (a Primeira Internacional),
cujo Conselho Geral tinha sua sede em Londres, foi fundada em setembro
de 1864. (E/M)
<fase tardia>
“Pobres
estrelas! Seu papel de esplendor não é senão um papel de sacrifício.
Criadoras e
servas da potência produtora dos planetas, elas mesmas não a possuem e
devem resignar-se
à carreira ingrata e monótona de tochas. Elas têm o brilho sem o prazer;
atrás delas se
escondem invisíveis, as realidades vivas. Essas rainhas-escravas são,
entretanto, da mesma
massa que suas felizes súditas... Agora chamas resplandecentes, elas
serão um dia trevas e gelo e só poderão renascer para a vida como
planetas, depois do choque que volatilizará
o cortejo e sua rainha em nebulosa.” A. Blanqui, L’Eternité par les Astres, Paris, 1872,
pp. 69-70. Cf. Goethe: “Euch bedaur’ich, unglückselge Sterne”20 (“Lamento por vós,
estrelas desditosas”).
[G 15, 1]
“A sacristia, a Bolsa e o quartel, esses três antros associados para vomitar sobre as nações a
noite, a miséria e a morte. Outubro de 1869.” Auguste Blanqui, Critique Sociale, vol. II,
Paris, 1885, p. 351 (“Fragments et notes”).
[G 15, 2]
“Um rico morto é um abismo fechado.” Dos anos cinqüenta. A. Blanqui, Critique Sociale,
vol. II, Paris, 1885, p. 315 (“Fragments et notes”).
[G 15, 3]
[...]
Elementos inebriantes21 no romance policial, cujo mecanismo (que lembra o universo do
comedor de haxixe) é assim descrito por Caillois: “Os caracteres do pensamento infantil, o
artificialismo em primeiro lugar, regem esse universo estranhamente presente; nada se
passa aí que não seja premeditado de longa data; nada responde às aparências; tudo está
preparado para, no momento certo, ser utilizado pelo herói todo-poderoso, que é o senhor
de tudo. Reconhecemos a Paris das publicações de Fantômas.” Roger Caillois, “Paris, mythe
moderne”, Nouvelle Revue Française, XXV, n° 284, 1° de maio de 1937, p. 688.
[G 15, 5]
“Vejo diariamente passar sob minha janela um certo número de calmucos, osagianos,
indianos, chineses e gregos antigos, todos mais ou menos parisianizados.” Charles Baudelaire, Œuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec, Paris, 1932, vol. II, p. 99 (“Salon de 1846 — De
l’idéal et du modèle”).22
[G 15, 6]
[...]
As modas planetárias de Grandville são outras tantas paródias, desenhadas pela natureza,
da história da humanidade. As arlequinadas de Grandville tornam-se baladas morais em
Blanqui.
[G 16, 4]
[...]
A indústria do entretenimento refina e multiplica as variedades do comportamento reativo
das massas. Ela as prepara, assim, para serem adestradas pelo reclame. A ligação desta
indústria com as exposições universais é, portanto, bem fundada.
[G 16, 7]
[...]
20 Goethe, Gedenkausgabe, ed. org. por Ernst Beutler, vol. I, Sämtliche Gedichte, I, 2a ed., Zurique, 1961, p. 339 ("Nachtgedanken"). (R.T.)
21 Cf. Baudelaire, que fala da “embriaguez” provocada pelo haxixe (Les Paradis Artificieis, in: Œuvres Completes, vol. I, p. 408). (J.L.)
22 Baudelaire, OC II, p. 456. (J.L)
Passagens/Walter Benjamin
Êxodo
11
Bo
10.
e não enviou os filhos de Israel de sua terra - A Torá nos relata a
respeito dos últimos e terríveis golpes com que a dinastia egípcia de
Ramsés II foi castigada antes de libertar o povo de Israel do jugo da
escravidão. A sociologia moderna compara um povo inteiro a um indivíduo.
O indivíduo que só pensa em si, que se torna egoísta, não respeitando a
vida alheia, é capaz de causar as mais terríveis calamidades a si
próprio. O mesmo acontece a um povo inteiro, quando só visa a seus
próprios interesses, quando se deixa cegar por um chauvinismo extremo, a
ponto de ameaçar a existência de seus vizinhos; este povo perde cedo ou
tarde a sua cultura, o seu espírito, a sua raison d’être.
A autofilia e a egolatria conduzem este povo a um patriotismo fanático,
a um egocentrismo fatal, e pouco a pouco o tormento da derrocada ameaça
a sua existência física. Quatro mil anos antes da era comum, o Egito já
tinha alcançado o auge da cultura e da civilização, mas sua posição
privilegiada corrompeu este grande povo, e seu chauvinismo exorbitante
foi a causa das suas desgraças e da sua decadência. E os nossos
mestres perguntam admirados: como explicar o fato de que um povo tão
culto, tão civilizado, tão avançado em todos os campos da ciência, tenha
sido capaz de escravizar barbaramente durante dois séculos centenas
de milhares de seres humanos? Os mesmos mestres que perguntam dão uma
resposta bem plausível: todas as dinastias egípcias ficaram iludidas,
sim, deslumbradas pela sua grandeza material, considerando-se uma casta
superior da humanidade; e foi este complexo de superioridade que causou
atrocidades a estes escravos, considerados seres inferiores. (MD)
TORÁ — A LEI DE MOISES. תורה.
[...]
(...) Do ponto de vista das classes dominantes, o sertão já virou mar e o mar já virou sertão.
As palavras acima foram escritas pelo sociólogo Octavio Ianni. Estão no prefácio do livro Origens agrárias do Estado brasileiro, lançado pela Editora Brasiliense nos idos de 1984. (...)
[...]
(...) Não deixa de lembrar a famosa frase do Leopardo, de Tomasi di Lampedusa — Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. (...)
[...]
Fiquemos, por ora, com a tragédia urbana brasileira. Ela é eclética — está
nos excessos e na monumentalidade do que é privado, no descaso crônico
com o que é comum, na superposição incongruente de estilos, na
aglomeração ou no abandono de espaços segundo as conveniências do
mercado imobiliário e as omissões do poder público. Além de eclética, é
uma tragédia bem distribuída: podemos encontrá-la tanto nas partes ricas
como nas partes pobres das cidades, em praticamente todas elas. Nos
arranha-céus à beira-mar (alô, Balneário Camboriú), nos shopping centers que parecem bunkers
de costas para a rua (olá, Shopping Iguatemi), nos condomínios dos
ricaços e nos seus genéricos voltados aos remediados (os nomes, um
certificado de cafonice, quase sempre remetem a títulos
nobiliárquicos ou são em língua estrangeira), no Templo de Salomão da
Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, no mar de lajes das
grandes periferias, sem respiros ou áreas verdes, nas favelas sem-fim
país afora (não é o caso de romantizá-las). A lista é virtualmente
infinita, somos inventivos.
A
menção de honra fica com o estilo greco-goiano, consagrado na
residência do compositor e cantor sertanejo Gusttavo Lima, construída
numa área total de 15 mil m², nas proximidades de Goiânia. Dublé de
artista e bet boy, apontado pela polícia no ano passado como
sócio oculto de uma casa de apostas esportivas da qual foi
garoto-propaganda, indiciado por lavagem de dinheiro numa investigação
ainda em curso, Gusttavo Lima flertou com a candidatura à Presidência da
República no início do ano. Em fevereiro, seu nome apareceu em
pesquisas de opinião, empatado em segundo lugar com o
governador Tarcísio de Freitas, só atrás de Lula. Em março, no entanto,
ele anunciou pelas redes sociais que havia desistido de concorrer ao
Planalto. Por enquanto, ao menos.
A
política o persegue. Sua mansão, em estilo neoclássico anabolizado, é
um pastiche da Casa Branca, de onde vem sua inspiração. Do horror
disponível pelas imagens da internet, que inclui carros de luxo
estacionados na sala como parte da decoração, minha atenção se detém no
detalhe no frontão, onde está desenhado em relevo um busto carregando um
violão, com contornos dourados contra o fundo branco. Branco com
dourado é um caminho sem volta. Pior que isso, só as réplicas da Estátua
da Liberdade nas lojas da Havan.
[...]
Em seu livro sobre a formação de Sorriso, Luiz Felipe de Farias fala do
descolamento do centro de gravidade das estruturas de poder no país:
As
últimas duas décadas têm sido marcadas no Brasil pela erosão dos
aparelhos de hegemonia que haviam permitido às frações das classes
dominantes no Sudeste mais industrializado dirigirem a sociedade civil
em escala nacional ao longo do século XX. [...] Paralelamente, as
burguesias agrária e agroindustrial parecem assumir
crescente protagonismo dentre as frações das classes dominantes que
compõem o bloco no poder.
O sertão e o mar estão trocando de posição.
Este
é o pano de fundo que ajuda a entender (embora absolutamente
não justifique) o comportamento recente dos senadores em relação a
Marina Silva, convidada para falar na Comissão de Infraestrutura da
Casa. Embora o clima de animosidade fosse generalizado, as baixezas
contra a ministra do Meio Ambiente partiram de três marmanjos.
“Se ponha no teu lugar” (Marcos Rogério, senador pelo PL de Rondônia, presidente da comissão); “Ao
olhar para a senhora, eu estou vendo uma ministra. Não estou falando
com uma mulher. Porque a mulher merece respeito, a ministra não” (Plínio
Valério, do PSDB do Amazonas); "A senhora atrapalha o desenvolvimento
do nosso país. Tem mais de 5 mil obras paradas por causa dessa
conversinha, governança, nhe-nhe-nhem, blá-blá-blá” (Omar Aziz, do PSD, também amazonense).
Difícil
imaginar esse tom truculento e misógino sem a experiência do governo
Bolsonaro. Ele nos legou, entre tantas outras pragas, a porteira da
estupidez e da grossura sem atenuantes, escancarada. Os ilustres
senadores aproveitaram a oportunidade para passar mugindo.
Na
semana anterior à sessão com a ministra, os senadores haviam aprovado
com muita folga (54 contra 13 votos) o projeto de lei que flexibiliza as
regras de licenciamento ambiental no país. O presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, incorporou ao texto uma emenda que, na prática, visa
acelerar o processo de exploração de petróleo e gás na Costa do Amapá,
seu estado.
É
apenas uma pequena parte do que se pretende extrair na chamada Margem
Equatorial, a extensão de mar que abrange mais de 2,2 mil km ao longo da
costa entre o Rio Grande do Norte e o Amapá.
[...]
O Mar virou sertão / Fernando de Barros e Silva