“<fase média>
Sobre a batalha publicitária entre a casa de alta costura e os jornalistas de moda. ‘Facilita sua tarefa (dos jornalistas) o fato de nossos desejos coincidirem.’ ‘Dificulta, porém, o fato de que nenhum jornal ou revista queira considerar como novo aquilo que um outro jornal ou revista já tenha publicado. Somente os fotógrafos e desenhistas, ao valorizar diferentes aspectos de uma roupa através da pose e da iluminação, podem livrar-nos deste dilema. As mais importantes revistas ... possuem estúdios fotográficos próprios, equipados com todos os refinamentos técnicos e artísticos, comandados por fotógrafos muito talentosos e especializados... A todos, porém, é vedada a publicação destes documentos antes do momento de a cliente fazer sua escolha, portanto, normalmente de quatro a seis semanas antes da estréia. O motivo desta medida? — Também a mulher não quer privar-se do efeito-surpresa ao apresentar-se à sociedade vestindo estas novas roupas.’ Helen Grund, Vom Wesen der Mode, pp. 21-22 (manuscrito particular, Munique, 1935 .
[B 5, 1]
Segundo o sumário das seis primeiras edições, encontra-se na revista La Demiere Mode, Paris, 1874, editada por Stéphane Mallarmé, ‘um encantador esboço esportivo, resultado de uma conversa com o maravilhoso naturalista Toussenel’. Reprodução deste resumo em Minotaure, II, 6, inverno de 1935, p. 27.
[B 5, 2]
Uma teoria biológica da moda, a partir da transformação da zebra em cavalo, descrita na edição popular do Brehm,14 p. 771, transformação ‘que se estendeu por milhões de anos... A tendência inerente aos cavalos evoluiu dando ensejo à criação de um animal extraordinário para o trote e a corrida... Os animais mais próximos de sua origem na atualidade exibem um desenho de listras bastante chamativo. Um fato curioso é que as listras exteriores da zebra manifestam uma certa concordância com a disposição das costelas e das vértebras no lado interno. Da mesma forma, pode-se já determinar pelo lado externo a posição das patas superiores dianteiras e traseiras através do desenho singular das listras nestas partes. O que significa este desenho listrado? Certamente não possui uma função protetora... As listras são mantidas, apesar de sua „inutilidade funcional“, e — por isso devem ter um significado especial. Não estaríamos aqui diante de estímulos provocados exteriormente em prol de tendências interiores que devem tornar-se particularmente ativas na época do acasalamento? Como é que podemos transferir esta teoria para o nosso tema? — Algo basicamente importante, segundo me parece. — A moda „absurda“, desde que a humanidade passou da nudez à roupa, toma emprestado o papel da natureza sábia... Pois ao determinar em sua transformação ... uma permanente revisão de todas as partes da silhueta, a moda obriga a mulher a preocupar-se permanentemente com a beleza.’ Helen Grund, Vom Wesen der Mode, Munique, 1935, pp. 7-8.
[B5, 3]
[...]
‘Nós observamos ao nosso redor ... os efeitos de confusão e dissipação que nos inflige o movimento desordenado do mundo moderno. As artes não assumem compromisso com a pressa. Nossos ideais duram dez anos! A absurda superstição do novo — que infelizmente substituiu a antiga e excelente crença no julgamento da posteridade — atribui ao esforço do trabalho o fim mais ilusório e o utiliza para criar o que há de mais perecível, o que é perecível por essência: a sensação do novo... Ora, tudo o que se vê aqui foi experimentado, seduziu e encantou durante séculos, e toda essa glória nos diz com serenidade: „EU NÃO SOU NADA DE NOVO. O Tempo pode mesmo estragar a matéria na qual existo; mas enquanto ele não me destruir, não poderá fazê-lo a indiferença ou o desprezo de algum homem digno desse nome“.’ Paul Valéry, ‘Préambule’ (prefácio ao catálogo da exposição ‘L’art italien de Cimabue à Tiepolo’, Petit Palais, 1935, pp-
[B 5a, 2]
‘O triunfo da burguesia modifica a roupa feminina A roupa e o penteado se desenvolvem em largura ... os ombros se alagam com mangas amplas, e não se tardará a recolocare em uso as anantigas armações e a se fazer saias bufantes. Assim vestidas, as mulheres pareciam destinadas à vida sedentária, à vida familiar, porque sua maneira de se vestir não tinha nada que desse a idéia de movimento ou que parecesse favorecê-lo. Aconteceu o contráno com a chegada do Segundo Império; os laços familiares se relaxaram; um luxo sempre crescente corrompeu o costumes a ponto de tornar-se difícil distinguir, unicamente pelo aspecto da roupa, uma mulher honesta de uma cortesã. Então, a toalete feminina se transformou da cabeça aos pés... As armações foram jogadas para trás e se reuniram num traseiro acentuado. Desenvolveu-se tudo o que podia impedir as mulheres de permanecer sentadas; afastou-se tudo o que pudesse dificultar seu caminhar. Elas se pentearam e se vestiram como que para serem vistas de perfil. Ora, o perfil é a silhueta de uma pessoa ... que passa, que vai nos escapar. A toalete tormou-se uma imagem do movimento rápido que leva o mundo.’ Charles Blanc, Considérations sur le Vêtement des Femmes (Insitut de France, 25 de oumbro de 1872), pp. 12-13.
[B 5a, 3]
‘Para entender a essência da moda atual, é preciso recorrer não só a motivos de natureza individual tais como: o desejo de mudança, o senso de beleza, a paixão por se vestir, ímpeto de se adaptar aos padrões. Sem dúvida, tais motivações interferiram em diversas épocas ... na criação das roupas... Entretanto, a moda tal como se entende hoje, não tem motivações individuais, mas tão-somente uma motivação social; no momento em que se entende isso, chega-se à compreensão de toda a sua essência. Trata-se no empenho das classes altas de se distinguirem das mais baixas, ou melhor, das classes médias ... A moda é a barreira — erigida sem cessar e sempre de novo demolida — através da qual o mundo elegante procura isolar-se das regiões medianas da sociedade. Trata-se da procura desenfreada da vaidade social, na qual se repete sem cessar um mesmo fenómeno: o esforço de um grupo para estabelecer a liderança, ainda que seja mínima a distância que o separe dos perseguidores, e o esforço destes de neutralizar essa vantagem através da nova moda. Explicam-se assim os traços característicos da moda atual. Primeiramente seu surgimento nas camadas superiores da sociedade e sua imitaçao nas camadas medias. A moda se move de cima para baixo, não de baixo para cima... Uma tentativa das classes médias de lançar uma moda nova jamais ... seria bem-sucedida; embora nada fosse mais desejável para as camadas mais altas do que a adotação de uma moda própria por parte daquelas classes. ([Nota:] Isto não as impede, contudo, de procurar novos padrões na cloaca do meio-mundo parisiense e lançar modas que carregam claramente na testa o carimbo de sua origem licenciosa, como Fr. Vischer demonstrou de maneira convincente em seu ensaio sobre a moda, ... muito criticado, porém, na minha opinião, ... altamente meritório.) Daí vem a mudança contínua da moda. Tão logo as classes medias adotem moda recém-lançada, esta perde seu valor para as classes superiores... Por isso, a novidade e a condição imprescindível da moda... A sua duração é inversamente proporcional à rapidez de sua difusão; seu caráter efêmero acentuou-se em nossos tempos na mesma medida em que se multiplicaram os meios para sua difusão graças ao aperfeiçoamento dos nossos meios de comunicação... E, finalmente, a referida motivação social expiica também o terceiro traço característico de nossa moda atual: sua ... tirania. A moda contém o critério exterior segundo o qual uma pessoa ... ‘faz parte da sociedade’. Quem não quer abrir mão disso é obrigado a segui-la, mesmo que rejeite totalmente uma nova tendência dela... Com isso é decretada também a sentença da moda... Caso as camadas sociais, que são fracas e tolas o suficiente para imitá-la, conseguissem atingir o sentimento de sua dignidade e auto-estima..., chegar-se-ia ao fim da moda, e a beleza poderia, por sua vez, recuperar o lugar que ocupou em todos os povos que ... não sentiram a necessidade de acentuar as diferenças de classes através do vestuário, ou, onde isso ocorreu, tenham sido bastante razoáveis para respeitá-las.’ Rudolph von Jhering, Der Zweck im Recht , vol. II, Leipzig, 1883, pp. 234-238.15
[B 6; B 6a, 1]
Sobre a época de Napoleão III: ‘Ganhar dinheiro torna-se objeto de um ardor quase sensual, e o amor, uma questão de dinheiro. A época do Romantismo francês, o ideal erótico gravitava em torno da grisette;16 agora é a vez da lorette17 que se vende... Ocorreu na moda uma nuance marota: as senhoras usam colarinhos e gravatas, paletós, saias cortadas à semelhança de fraques ... túnicas de zuavo, dólmãs, bengalas, monóculos. Dá-se preferência a cores fortemente contrastantes e berrantes, também para os penteados: cabelos vermelho-fogo são muito apreciados... O tipo mais característico da moda é o da grande dama que faz o papel da cocota.’ Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 203. O ‘caráter plebeu’ desta moda apresenta-se ao autor como ‘invasão ... vinda de baixo’, por parte dos nouveaux riches.
[B 6a, 2]
[...]
Simmel indica que ‘a invenção da moda na época atual integra-se cada vez mais a organização objetiva do trabalho da economia’. ‘Não surge em algum lugar um artigo que se torna moda; ao contrário, criam-se artigos com a finalidade de tornar-se moda.’ A oposição enfatizada nesta última frase poderia dizer respeito em certa medida àquela existente entre a era burguesa e a era feudal. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 34 (‘A moda’).
[B 7, 7]
[...]
Simmel afirma ‘que as modas são sempre modas de classe, que as modas da classe superior distinguem-se daquelas da classe inferior e são abandonadas no momento em que esta última começa a se apropriar delas’. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 32 (‘A moda’).
[B 7a, 2]
.
14 Alfred Edmund Brehm (1829-1884), zoólogo e antigo diretor do Jardim Zoológico de Berlim, foi o autor de Tierleben (Vida dos Animais), 6 vols. (1864-1869). A edição popular (o ‘Kleine Brehm’), à qual se refere Benjamin, parece ser esta: Brehms Tierleben: Kleine Ausgabe für Volk und Schule, 3 vols., 2a ed., org. por Richard Schmidtlein, Leipzig, Bibliographisches Institut, 1902. (J.L.; E/M; w.b.)
15 Cf. nota 3.
16 Jovem costureirinha na indústria da moda, de condição modesta e costumes levianos. (w.b.)
17 Moça de costumes levianos. O nome é derivado da igreja Notre-Dame de Lorette, situada num bairro onde moravam muitas dessas jovens. (w.b.)”
.
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin; edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo; pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

Nenhum comentário:
Postar um comentário