<fase média>
[...]
“Dissemos ... que o homem retorna à caverna etc., mas retorna a ela sob uma forma
alienada, hostil. O selvagem em sua caverna ... sente-se ... em casa... Mas o porão em que
vive o pobre é um domicílio hostil, um poder estranho que só se entrega a ele na medida
em que ele lhe entrega seu sangue e suor, domicílio que ele não pode considerar como seu
lar — onde finalmente poderia dizer ‘aqui estou em casa’. Ao contrário, ele se encontra na
casa de um outro ... que fica diariamente à espreita e o despeja quando não paga o aluguel.
O pobre está igualmente ciente da diferença de qualidade entre seu domicílio e a da outra
moradia humana, situada no além, no céu da riqueza.” Karl Marx, Der histonsche
Materialismus, ed. org. por Landshut e Mayer, Leipzig, 1932, vol. I, p. 325
(“Nationalökonomie und Philosophie”).
[I 5a, 4]
Valéry sobre Poe. Ele enfatiza a incomparável percepção deste em relação às condições e às
leis do efeito da obra literária em geral: “O próprio do que é verdadeiramente geral é ser
fecundo... Não surpreende, pois, que Poe, possuindo um método tão poderoso e tão seguro,
tenha sido o inventor de vários gêneros, tenha dado os primeiros ... exemplos do conto
científico, do poema cosmogônico moderno, do romance de instrução criminal, da
introdução na literatura dos estados psicológicos mórbidos. ” Valéry, “Introduction” a
Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, 1926, p. XX.
[I 5a, 5]
<fase tardia>
Nesta descrição de um salão parisiense, Gautier expressa de maneira drástica a integração do
homem ao intérieur : “O olho fascinado volta-se para o grupo de mulheres que, agitando o
leque, escutam os que conversam, meio inclinados; os olhos cintilam como diamantes, os
ombros brilham como cetim, os lábios se abrem como flores.” (Imaginam-se flores artificiais!)
Paris et les Parisiens aux XIXe Siècle, Paris, 1856. (Théophie Gautier, “Introducdon”, p. IV.)
[I 6, 1]
[...]
Talvez exista uma correlação entre a diminuição do espaço habitável e a crescente decoração
do intérieur. A propósito do primeiro, Balzac faz considerações importantes: “Existe uma
demanda apenas para quadros pequenos, porque não é mais possível pendurar os grandes!
Acomodar sua biblioteca logo se tornará um grave problema... Não se acha mais lugar para
guardar mantimentos! Compram-se, portanto, mercadorias que durem pouco. ‘As camisas
e os livros não serão duráveis, eis tudo. A solidez dos produtos desaparece em toda parte’.”
Emst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, pp. 28-29.
[I 6, 5]
“Os crepúsculos que dão cores tão ricas à sala de jantar ou ao salão são filtrados por belos
Becidos ou por estas janelas altas, trabalhadas, que o chumbo divide em inúmeros
compartimentos. Os móveis são grandes, curiosos, bizarros, ornados de fechaduras e de
segredos como almas refinadas. Os espelhos, os metais, os tecidos, a ourivesaria e a faiança
ai executam para os olhos uma sinfonia muda e misteriosa.” Charles Baudelaire, “L’invitation
ao voyage”, Le Spleen de Paris, Ed. Simon, Paris, p. 27.
[I 6a. 1]
Etimologia de “conforto”: “O termo significava outrora, em inglês, consolação (Comforter é
o epíteto do Espírito Santo, Consolador); depois o sentido tornou-se, de preferência, bem-estar. Hoje, em todas as línguas do mundo, a palavra não designa senão a comodidade
racional.” Wladimir Weidlé, Les Abeilles d’Aristée , Paris, 1936, p. 175 (“L’agonie de l’art”).
[I 6a, 2]
“As midinettes-artistes (costureirinhas-artistas) ... não moram mais em quartos, mas em
studios (aliás, cada vez mais designa-se por studio qualquer moradia de um só cômodo,
como se os homens se tornassem cada vez mais artistas ou estudantes).” Henri Pollès, “L’art
du commerce” ( Vendredi, 12 de fevereiro de 1937).
[I 6a, 3]
Baudelaire na introdução à “Filosofia do mobiliário” (de Poe), originalmente publicada em
outubro de 1852, em Le Magasin des Familles: “Qual dentre nós, nas longas horas de lazer,
não experimentou um delicioso prazer em construir para si um apartamento modelar, um
domicílio ideal, um ‘sonhadouro’?” Charles Baudelaire, Œuvres Complètes , Ed. Crépet,
Histoires Grotesques et Sérieuses par Poe, Paris, 1937, p. 304.13
[I 8, 3]
13 Baudelaire, OC II, p. 290. (J.L.)
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin;
edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi
Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain
Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice
Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo;
pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.