BRECHT, Bertolt. 1898-1956. Poemas 1913-1956 / Bertolt Brecht (Eugen Bertholt Friedrich Brecht); seleção, tradução e comentário de Paulo César de Souza; texto de 2a e 3a capa Willi Bolle; revisão e sugestões Alexandre Barbosa de Souza. – São Paulo: Editora 34, 2012.1926-1933
Poemas de um Manual para Habitantes das Cidades
1.
Apague as pegadas
Separe-se de seus amigos na estação
De manhã vá à cidade com o casaco abotoado
Procure alojamento, e quando seu camarada bater
Não, oh, não abra a porta
Mas sim
Apague as pegadas!
Se encontrar seus pais na cidade de Hamburgo ou em outro lugar
Passe por eles como um estranho, vire na esquina, não os reconheça
Abaixe sobre o rosto o chapéu que lhes deram
Não, oh, não mostre seu rosto
Mas sim
Apague as pegadas!
Coma a carne que aí está. Não poupe.
Entre em qualquer casa quando chover, sente em qualquer cadeira
Mas não permaneça sentado. E não esqueça seu chapéu
Estou lhe dizendo:
Apague as pegadas!
O que você disser, não diga duas vezes.
Encontrando o seu pensamento em outra pessoa: negue-o.
Quem não escreveu sua assinatura, quem não deixou retrato
Quem não estava presente, quem nada falou
Como poderão apanhá-lo?
Apague as pegadas!
Cuide, quando pensar em morrer
Para eu não haja sepultura revelando onde jaz
Com uma clara inscrição a lhe denunciar
E o ano de sua morte a lhe entregar
Mais uma vez:
Apague as pegadas!
(Assim me foi ensinado)
2.
Estamos com você na hora que percebe
Que é a quinta roda
E a esperança lhe deixa.
Mas nós
Ainda não percebemos.
Notamos
Que você conversa mais rapidamente
Procura uma palavra com que
Possa ir embora
Pois a questão para você
É não despertar a atenção.
Você se ergue no meio da frase
Diz irritado que quer ir
Nós dizemos: Fique! e percebemos
Que você é a quinta roda.
Mas você se senta.
E assim você fica conosco na hora
Em que percebemos que é a quinta roda.
Mas você
Não mais percebe.
Deixe que lhe diga: você é
A quinta roda
Não pense que eu, que lhe digo
Sou um patife
Não busque um machado, busque
Um copo d’água.
Sei que você não ouve mais.
Mas
Não diga em voz alta que o mundo é ruim
Diga em voz baixa.
Pois as quatro não são demais
A quinta roda é
E o mundo não é ruim
É cheio.
(Isto você já ouviu dizer.)
3.
A Cronos
Não queremos sair de sua casa
Não queremos destruir o fogão
Queremos pôr a panela no fogão.
Casa, fogão e panela podem permanecer
E você deve desaparecer como a fumaça no céu
Que ninguém segura.
Quando quiser se apegar a nós, iremos embora
Quando sua mulher chorar, esconderemos o rosto no chapéu
Mas quando lhe vierem apanhar nós apontaremos para você
E diremos: Deve ser ele.
Não sabemos o que virá, e nada temos de melhor
Mas a você não mais queremos.
Antes que se vá
Vamos cobrir as janelas, para que não amanheça.
Às cidades é permitido mudar
Mas a você não é permitido mudar.
As pedras queremos persuadir
Mas a você queremos matar
Não deve viver.
Não importa em que mentiras temos que crer:
Você não pode haver sido.
(Assim falamos com nossos pais.)
4.
Eu sei de que preciso.
Eu simplesmente olho no espelho
E vejo que devo
Dormir mais; o homem
Que tenho me prejudica.
Quando me ouço cantando, digo:
Hoje estou alegre; isso é bom para
A tez.
Eu me esforço
Em permanecer saudável e firme, mas
Não me cansarei; isso
Produz rugas.
Nada tenho para dar, mas
Minha ração me basta.
Eu como com cuidado; eu vivo
Lentamente; sou
Pelo caminho do meio.
(Assim vi gente se esforçar.)
12.
Inestimável é
Uma grande cabeça.
Ele faz aquilo que você também faria.
Ele faz bem menos do que o que você supõe!
Ele está a par.
Onde outros ainda vêem uma saída
Ele desiste.
Em algo que traz dificuldades
Ele não acredita. Por que
Deveria algo do interesse geral
Trazer dificuldades?
Uma grande cabeça reconhece-se no fato
De que tem apetite para maçãs
Quando pessoas em número suficiente
Têm apetite para maçãs e
Há maçãs suficientes para todas.
Você é uma grande cabeça?
Então cuide para que a cidade cresça
A vida comercial floresça
E a humanidade se multiplique!
15.
Sempre que
Olho para este homem
Ele não bebeu e
Tem a mesma risada
Eu penso: as coisas melhoram.
A primavera vem; vem um bom tempo
O tempo que passou
Retornou
O amor começa novamente, breve
Será como antes.
Sempre
Após ter conversado com ele
Ele comeu e não vai embora
Fala comigo e
Está sem o chapéu
Eu penso: tudo vai ficar bom
O tempo de costume terminou
Pode-se falar
Com um sujeito, ele ouve
O amor começa novamente, breve
Será como antes.
A chuva
Não volta para cima.
Quando a ferida
Não dói mais
Dói a cicatriz.
TREZENTOS CULES ASSASSINADOS
DEPÕEM A UMA INTERNACIONAL
Um telegrama de Londres diz: “300
cules, que haviam sido aprisionados pelas tropas do Exército Branco
chinês e deveriam ser transportados para Ping Chuen em vagões abertos,
morreram de fome e frio durante a viagem.”
Gostaríamos de ter ficado em nossas aldeias
Mas isto não nos deixaram.
E uma noite nos vagões nos empurraram.
E nem mesmo arroz pudemos trazer.
Num vagão fechado não pudemos viajar
Precisavam deles para os bois, que não suportam o frio.
E porque o agasalho nos fizeram tirar
Sofremos bastante com o vento, no caminho.
Muitas vezes perguntamos para quê nos queriam.
Os soldados que nos guardavam, porém, nada sabiam.
Disseram que soprássemos as mãos para não enrijecer.
Nosso destino nunca pudemos saber.
Na última noite paramos frente aos portões de um forte.
Ao perguntar quando entraríamos, disseram: a qualquer momento.
Era o terceiro dia. Durante a noite congelamos até a morte.
Faz muito frio para gente pobre neste nosso tempo.
CANTO DAS MÁQUINAS
1
Alô,
queremos falar com a América
Através
do Oceano Atlântico com as grandes
Cidades
da América, alô!
Perguntamo-nos
em que língua
Deveríamos
falar, para que
Nos
entendessem
Mas
agora temos juntos nossos cantores
Que
são compreendidos aqui e na América
E
em toda parte do mundo.
Alô,
ouçam o que nossos cantores cantam, nossos astros negros
Alô,
escutem quem canta para nós...
2
Alô,
estes são nossos cantores, nossos astros negros
Eles
não cantam bonito, mas cantam no trabalho
Enquanto
fazem luz para vocês eles cantam
Enquanto
fazem roupas, fogões e discos
Cantam.
Alô,
cantem mais uma vez, agora que estão aqui
Sua
pequena canção através do Oceano Atlântico
Com
sua voz que todos entendem.
As máquinas repetem
seu canto.
Isto não é o vento nas árvores, meu menino
Não é uma canção para a estrela solitária
É o bramido selvagem da nossa labuta diária
Nós o amaldiçoamos e o elegemos
Pois é a voz de nossas cidades
É a canção que em nós cala fundo
É a linguagem que entendemos
Em breve a língua-mãe do mundo.
O Dinheiro
Diante do florim, criança, não tenha medo
Pelo florim, criança, você deve ansiar.
Wedekind
Ao trabalho não o quero seduzir.
Para o trabalho o homem não foi feito.
Mas do dinheiro não se pode prescindir!
Pelo dinheiro é preciso ter respeito!
O homem para o dinheiro é uma caça.
Grande é a maldade no mundo inteiro.
Por isso junte bastante, mesmo com trapaça
Pois ainda maior é o amor ao dinheiro.
Com dinheiro, a você todos se apegam.
É tão benvindo como a luz do sol.
Sem dinheiro, os próprios filhos o renegam:
Você não vale mais do que um caracol.
Com dinheiro não precisa baixar a cabeça!
Sem dinheiro é mais fácil a fama.
Dinheiro faz com que você aconteça.
Dinheiro é verdade. Dinheiro é flama.
O que seu bem disser, pode acreditar.
Mas sem dinheiro não busque o seu mel.
Sem dinheiro ela lhe será roubada.
Somente um cão lhe será fiel.
Os homens colocam o dinheiro em grande altura
Acima do filho de Deus, o Herdeiro.
Querendo roubar a paz de um inimigo já na sepultura
Escreva na sua laje: Aqui Jaz Dinheiro.
ESSE DESEMPREGO!
Meus Senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda a oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer.
A confiança das massas
Para nós é imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!
Conselho à atriz C.N.
Refresca-te, irmã, na água
Da pequena tigela de cobre com pedacinhos de gelo —
Abre os olhos sob a água, lava-os —
Enxuga-te com a toalha áspera e lança
Um olhar num livro que amas.
Começa assim
Um dia belo e útil.
Canção de Fundação
Do National Deposit Bank
Sim, fundar um banco
Todos devem achar correto
Não podendo herdar fortuna
É preciso juntá-la de algum jeito.
Para isso as ações são melhores
Do que faca ou revólver.
Mas uma coisa é fatal.
É preciso capital inicial.
E não havendo dinheiro
Onde obter, senão roubando-o?
Ah, sobre isso não vamos discutir
Onde o obtiveram os outros bancos?
De algum lugar ele veio
De alguém ele foi tirado.
Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.
Quem Não Sabe de Ajuda
Como pode a voz que vem das casas
Ser a da justiça
Se nos pátios estão os desabrigados?
Como pode não ser um embusteiro aquele que
Ensina os famintos outras coisas
Que não a maneira de abolir a fome?
Quem não dá o pão ao faminto
Quer a violência.
Quem na canoa não tem
Lugar para os que se afogam
Não tem compaixão.
Quem não sabe de ajuda
Que cale.
Com Cuidado Examino
Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.
Canção do Esporte
Vindo das habitações cheias
Das ruas escuras de cidades em conflito
Vocês se encontram
Para juntos lutar.
Aprendam a vencer.
Com os centavos da privação
Compraram as canoas
O dinheiro para o transporte
Pouparam o alimento.
Aprendam a vencer!
Saindo da luta extenuante pelo necessário
Por algumas horas
Vocês se encontram
Para juntos lutar.
Aprendam a vencer!
A primavera
1
A primavera chega.
O jogo dos sexos se renova
Os amantes se procuram.
Um toque gentil da mão do seu amado
Faz o peito da moça estremecer.
Dela, um simples olhar o seduz.
2
Sob nova luz
Aparece a paisagem aos amantes na primavera.
Numa grande altura são vistos
Os primeiros bandos de pássaros.
O ar se torna cálido.
Os dias se tornam longos
E os campos ficam claros por longo tempo.
3
Desmedido é o crescimento
Das árvores e pastagens da primavera.
Incessantemente fecunda
É a floresta, e os prados e os jardins.
A terra faz nascer o novo
Sem medo.
1
O verão chega, e o céu do verão
Ilumina também vocês.
Morna é a água, e na água morna
Também vocês se banham.
Nos prados verdes vocês
Armaram suas barracas. As ruas
Ouvem os seus cantos. A floresta
Acolhe vocês. Logo
É o fim da miséria? Há alguma melhora?
Tudo dá certo? Chegou então sua hora?
O mundo segue seu plano? Não:
É só uma gota no oceano.
2
A floresta acolheu os rejeitados. O céu bonito
Brilha sobre desesperançados. As barracas de verão
Abrigam gente sem teto. A gente que se banha na água morna
Não comeu. A gente
Que andava na estrada apenas continuou
Sua incessante busca de trabalho.
Não é o fim da miséria. Não há melhora.
Nada vai certo. Não chegou sua hora.
O mundo não segue seu plano:
É só uma gota no oceano.
3
Vocês se contentarão com o céu luminoso?
Não mais sairão da água morna?
Ficarão retidos na floresta?
Estarão sendo iludidos? Sendo consolados?
O mundo espera por suas exigências.
Precisa de seu descontentamento, suas sugestões.
O mundo olha para vocês com um resto de esperança.
É tempo de não mais se contentarem
Com essas gotas no oceano.
Acredite apenas
Acredite apenas no que seus olhos veem e seus ouvidos ouvem!
Também não acredite no que seus olhos veem e seus ouvidos ouvem!
Saiba também que não crer algo significa algo crer!
Abrigo noturno
Soube que em Nova Iorque
Na esquina da Rua 26 com a Broadway
Todas as noites do inverno há um homem
Que arranja abrigo noturno para os que ali não têm teto
Fazendo pedidos aos passantes.
O mundo não vai mudar com isso
As relações entre os homens não vão melhorar
A era da exploração não vai durar menos
Mas alguns homens têm um abrigo noturno
Por uma noite o vento é mantido longe deles
A neve que cairia sobre eles cai na calçada.
Não ponha de lado o livro, você que me lê.
Alguns homens tem um abrigo noturno
Por uma noite o vento é mantido longe deles
A neve que cairia sobre eles cai na calçada
Mas o mundo não vai mudar com isso
As relações entre os homens não vão melhorar
A era da exploração não vai durar menos.
Eu, que nada mais amo
Eu, que nada mais amo
Do que a insatisfação com o que se pode mudar
Nada mais detesto
Do que a insatisfação com o que não se pode mudar
Soube que vocês nada querem aprender
Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários.
Seu futuro está garantido – à sua frente
Iluminado. Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra. Neste caso
Você nada precisa aprender. Assim como é
Pode ficar.
Havendo ainda dificuldades, pois os tempos
Como ouvi dizer, são incertos
Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo.
Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender.
De todas as obras humanas, as que mais amo
São as que foram usadas.
Os recipientes de cobre com as bordas achatadas, e com mossas
Os garfos e facas cujos cabos de madeira
Foram gastos por muitas mãos; tais formas
São para mim as mais nobres. Assim também as lajes
Em volta das velhas casas, pisadas e
Polidas por muitos pés, e entre as quais
Crescem tufos de grana: estas
São obras felizes.
Admitidas no hábito de muitos
Com frequência mudadas, aperfeiçoam seu formato e tornam-se valiosas
Porque delas tanto se valeram.
Mesmo as esculturas quebradas
Com suas mãos decepadas, me são queridas. Também elas
São vivas para mim. Deixaram-nas cair, mas foram carregadas.
Embora acidentadas, jamais estiveram altas demais.
As construções quase em ruína
Têm de novo a aparência de incompletas
Planejadas generosamente: suas belas proporções
Já podem ser adivinhadas, ainda necessitam porém
De nossa compreensão. Por outro lado
Elas já serviram, sim, já foram superadas. Tudo isso
Me contenta.
Sobre a maneira de construir
obras duradouras
I
1
Quanto tempo
Duram as obras? Tanto quanto
Ainda não estão completas.
Pois enquanto exigem trabalho
Não entram em decadência.
Convidando ao trabalho
Retribuindo a participação
Sua existência dura tanto quanto
Convidam e retribuem.
As úteis
Requerem gente
As artísticas
Têm lugar para a arte
As sábias
Requerem sabedoria
As duradouras
Estão sempre para ruir
As planejadas com grandeza
São incompletas.
Ainda imperfeitas
Como o muro que espera pela hera
(Ele foi incompleto
Há muito, antes de vir a hera, nu)
Ainda pouco sólida
Como a máquina que é utilizada
Mas não satisfaz
Mas é promessa de uma melhor
Assim deve ser construída
A obra para durar
Como a máquina cheia de defeitos.
2
Assim também os jogos que inventamos
São incompletos, esperamos;
E os objetos que servem para jogar
O que são deles sem as marcas
De muitos dedos, aqueles lugares aparentemente danificados
Que produzem a nobreza da forma;
E também as palavras cujo sentido
Muitas vezes mudou
Com os que a usaram.
3
Nunca ir adiante sem primeiro
Voltar para checar a direção!
Os que perguntam são aqueles
A quem darás resposta, mas
Os que te ouvirão são aqueles
Que farão as perguntas.
Quem falará?
O que ainda não falou.
Quem entrará?
O que ainda não entrou.
Aqueles cuja posição parece insignificante
Quando se olha para eles
Estes são
Os poderosos de amanhã
Os que necessitam de ti, esses
Deverão ter o poder.
Quem dará duração às obras?
Os que viverão no tempo delas.
Quem escolher como construtores?
Os ainda não nascidos.
Não deves perguntar: com serão eles? Mas sim
Determinar.
II
Se deve ser dito algo que não será compreendido imediatamente
Se for dado um conselho cuja aplicação toma tempo
Se a fraqueza dos homens é temida
A perseverança dos inimigos, as catástrofes que tudo destroem
Então deve-se dar às obras uma longa duração.
III
O desejo de fazer obras de longa duração
Nem sempre deve ser saudado.
Quem se dirige aos não-nascidos
Muitas vezes nada faz pelo nascimento.
Não luta e no entanto quer a vitória.
Não vê inimigo
A não ser o esquecimento.
Por que deveria todo vento durar eternamente?
Uma boa sentença pode ser lembrada
Enquanto retornar a ocasião
Em que foi boa.
Certas experiências, transmitidas em forma perfeita
Enriquecem a humanidade
Mas a riqueza pode se tornar demasiada
Não só as experiências
Também as lembranças envelhecem.
Por isso o desejo de emprestar duração às obras
Nem sempre deve ser saudado.
NÃO DESPERDICEM UM SÓ PENSAMENTO
1
Não desperdicem um só pensamento
Com o que não pode mudar!
Não levantem um dedo
Para o que não pode ser melhorado!
Com o que não pode ser salvo
Não vertam uma lágrima! Mas
O que existe distribuam aos famintos
Façam realizar-se o possível e esmaguem
Esmaguem o patife egoísta que lhes atrapalha os movimentos
Quando retiram do poço seu irmão, com as cordas que existem em abundância.
Não desperdicem um só pensamento com o que não muda!
Mas retirem toda a humanidade sofredora do poço
Com as cordas que existem em abundância!
2
Que triunfo significa o que é útil!
Mesmo o alpinista sem amarras, que nada prometeu a ninguém, somente a si mesmo
Alegra-se ao alcançar o topo e triunfar
Porque sua força lhe foi útil ali, e portanto também o seria
Em outro lugar. E após ele vêm os homens
Arrastando seus instrumentos e suas medidas ao pico agora escalável
Instrumentos que avaliam o tempo para ao camponeses e para os aviões.
3
Aquele sentimento de participação e triunfo
De que somos tomados ante as imagens da revolta no encouraçado Potemkin
No instante em que os marinheiros jogam seus algozes na água
É o mesmo sentimento de participação e triunfo
Ante as imagens que nos mostram o primeiro voo sobre o Polo Sul.
Eu presenciei como
Mesmo os exploradores foram tomados por aquele sentimento
Diante da ação dos marinheiros revolucionários: assim
Até mesmo a escória participou
Da irresistível sedução do Possível, e das severas alegrias da Lógica.
Assim como os técnicos desejam por fim dirigir na
velocidade máxima
O carro sempre aperfeiçoado e construído com tamanho
esforço
Para dele extrair tudo o que possui, e o camponês deseja
Retalhar a terra com o arado novo, assim como os construtores de ponte
Querem largar a draga gigante sobre o cascalho do rio
Também nós desejamos dirigir o máximo e levar ao fim
A obra de aperfeiçoamento deste planeta
Para toda a humanidade vivente.
OS BOLCHEVIQUES DESCOBREM NO
VERÃO DE 1917, NO SMOLNY, ONDE
O POVO ESTAVA REPRESENTADO: NA COZINHA
Quando a Revolução de Fevereiro havia terminado e o movimento das massas
Estava parado
A guerra ainda não havia chegado ao fim. Os camponeses
Estavam sem terra, os operários eram oprimidos e passavam fome.
Mas os sovietes eram eleitos por todos e representavam alguns poucos.
Quando tudo permanecia como antes e nada mudava
Os bolcheviques andavam nos sovietes como criminosos
Pois continuavam exigindo que as armas
Fossem apontadas contra o verdadeiro inimigo do
Proletariado: os dominadores.
Eram tidos como traidores, considerados contra-revolucionários
Representantes de bandidos. O seu líder Lênin
Chamado de espião mercenário, escondia-se num celeiro.
Para onde olhavam, os olhares
Desviavam, silêncio os recebia.
Viam as massas marcharem sob outras bandeiras.
Erguia-se a burguesia dos generais e comerciantes
E a causa dos bolcheviques parecia perdida.
Durante esse tempo eles trabalharam como de costume
Sem dar atenção à algazarra e sem se abater com a franca deserção
Daqueles por quem lutavam. Continuaram, sim
Tomando o partido dos mais pobres
Com esforços sempre renovados.
E atentaram, segundo seu próprio relato, para coisas desse tipo:
Na cantina do Smolny observaram que
Quando a comida, sopa de repolho e chá, era servida
O garçon do Comitê Executivo, um soldado
Oferecia aos bolcheviques um chá mais quente e
Pão com mais manteiga, e ao servir
Evitava olhar para eles. Então perceberam:
Simpatizava com eles e escondia isso
Dos superiores, e assim também todo o pessoal inferior
Do Smolny, guardas, mensageiros, sentinelas,
Inclinava-se visivelmente a favor deles.
E quando viram isso disseram:
“Nossa causa está ganha pela metade”.
Pois o menor movimento por parte dessa gente
Afirmação ou olhar, mas também silêncio e desvio do olhar
Era para eles importante. E por essa gente
Serem considerados amigos — este o seu objetivo maior.
QUANDO O FASCISMO
SE TORNAVA CADA VEZ MAIS FORTE
Quando o fascismo se tornava cada vez mais forte na
Alemanha
E mesmo trabalhadores o apoiavam em massa
Dissemos a nós mesmos: Nossa luta não foi correta.
Pela nossa Berlim vermelha andavam em pequenos grupos
Nazistas em novos uniformes, abatendo
Nossos camaradas.
Mas caiu gente nossa e gente da bandeira do Reich.
Então dissemos aos camaradas do PSD:
Devemos acreditar que matem nossos camaradas?
Lutem conosco numa união anti-fascista!
Recebemos como resposta:
Poderíamos talvez lutar ao se lado, mas nossos líderes
Nos advertem para não usar terror vermelho contra
o branco.
Diariamente, dissemos, nosso jornal combateu os atos de terror
Mas diariamente também escreveu que só venceremos
Através de uma Frente Unida vermelha.
Camaradas, reconheçam agora que este “mal menor”
Que ano após ano foi usado para afastá-los de qualquer luta
Logo significará ter que aceitar os nazistas.
Mas nas fábricas e nas filas de desempregados
Vimos a vontade de lutar dos proletários.
Também na zona leste de Berlim os social-democratas
Saudaram-nos com as palavras “Frente Vermelha!” e já usavam o emblema
Do movimento anti-fascista. Os bares
Ficavam cheios nas noites de debates.
E então nenhum nazista mais ousou
Andar sozinho por nossas ruas
Pois as ruas pelo menos são nossas
Depois que eles nos roubaram as casas.
REALIZAR ALGO DE ÚTIL
Quando li que queimavam as obras
Dos que procuravam escrever a verdade
Mas ao tagarela George, o de fala bonita, convidaram
Para abrir sua Academia, desejei mais vivamente
Que chegue enfim o tempo em que o povo solicite a um homem desses
Que num dos locais de construção dos subúrbios
Empurre publicamente um carrinho de mão com cimento, para que
Ao menos uma vez um deles realize algo de útil, com o que
Poderia então retirar-se para sempre
Para cobrir o papel de letras
Às custas do
Rico povo trabalhador.
QUANDO ME FIZERAM DEIXAR O PAÍS
Quando me fizeram deixar o país
Lia-se nos jornais do pintor
Que isso acontecia porque num poema
Eu havia zombado dos soldados da Primeira Guerra.
Realmente, no penúltimo ano da guerra
Quando aquele regime, para adiar sua derrota
Já enviava os mutilados novamente para o fogo
Ao lado dos velhos e meninos de dezessete anos
Descrevi em um poema
Como um soldado morto era desenterrado e
Sob o júbilo de todos os enganadores do povo
Sanguessugas e opressores
Conduzido de volta as campo de batalha.
Agora que preparam uma nova Grande Guerra
Resolvidos a superar inclusive as barbaridades da última
Eles matam ou expulsam gente como eu
Que denuncia
Seus golpes.
OS ESPERANÇOSOS
Pelo que esperam?
Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Lhes devolvam algo?
Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!
Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes!
É por isso que esperam!
[...]
EPITÁFIO 1919
A Rosa Vermelha desapareceu.
Para onde foi, é um mistério.
Porque ao lado dos pobres combateu
Os ricos a expulsaram de seu império.
[...]
CANÇÃO DO PINTOR HITLER
1
Hitler, o pintor de paredes
Disse: Caros amigos, deixem eu dar uma mão!
E com um balde de tinta fresca
Pintou como nova a casa alemã
Nova a casa alemã.
2
Hitler, o pintor de paredes
Disse: Fica pronta num instante!
E os buracos, as falhas e as fendas
Ele simplesmente tapou
A merda inteira tapou.
3
Ó Hitler pintor
Por que não tentou ser pedreiro?
Quando a chuva molha sua tinta
Toda a imundície vem abaixo
Sua casa de merda vem abaixo.
4
Hitler, o pintor de paredes
Nada estudou senão pintura
E quando lhe deixaram dar uma mão
Tudo o que fez foi um malogro
E a Alemanha inteira ele logrou.
AOS COMBATENTES
NOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO
Vocês, dificilmente alcançáveis
Enterrados nos campos de concentração
Afastados de qualquer palavra humana
Submetidos a brutalidades
Espancados, mas
Não refutados!
Desaparecidos, mas
Não esquecidos!
Embora quase sem notícias de vocês, soubemos: são
Incorrigíveis.
Indoutrináveis, dizem, tão dedicados à causa proletária
Irremovíveis, na convicção de que na Alemanha ainda existem
Dois tipos de homens: exploradores e explorados
E que somente a luta de classes
Pode libertar da miséria as massas humanas das cidades e do campo.
Golpes de cacete ou enforcamentos, soubemos
Não foram capazes de fazê-los afirmar
Que agora dois e dois são cinco.
Portanto
Desaparecidos, mas
Não esquecidos
Espancados, mas
Não refutados
Juntamente com todos os lutadores incorrigíveis
Indoutrináveis persistindo na verdade
São, agora e sempre
Os verdadeiros guias da Alemanha.
AO CAMARADA DIMITROFF, QUANDO LUTOU
DIANTE DO TRIBUNAL FASCISTA EM LEIPZIG
Camarada Dimitroff?
Desde o dia em que lutas diante do tribunal fascista
A voz do comunismo, cercada pelos bandos de matadores e bandidos da SA
Através do ruído dos chicotes e cassetetes
Fala bem alto e nítido
No centro da Alemanha.
Voz que pode ser ouvida em todas as nações da Europa
Que através das fronteiras ouvem o que vem
Do escuro, elas mesmas no escuro
Mas também pode ser ouvida
Por todos os explorados e espancados e
Incorrigíveis lutadores
Na Alemanha.
Com avareza utilizas, camarada Dimitroff, cada minuto
Que te é dado, e o pequeno lugar que
Ainda é público, utiliza-o
Para nós todos.
Mal dominando a língua que não é a tua
Sempre advertido aos gritos
Várias vezes arrastado para fora
Enfraquecido com as algemas
Fazes repetidamente as perguntas temidas
Incrimina os criminosos e
Leva-os a gritar e a te arrastar e assim
Confessar que não têm razão, apenas força
E que podem te matar, mas nunca te vencer.
Pois, assim como tu, resistem a essa força
Embora não tão visíveis
Milhares de combatentes, mesmo os
Ensanguentados em suas celas
Que podem ser abatidos
Mas nunca vencido.
Assim como tu, suspeitos de combater a fome
Acusados de revolta contra exploradores
Incriminados por lutar contra a opressão
Convictos
Da causa mais justa.
ELOGIO DO APRENDIZADO
Aprenda o mais simples! Para aqueles
Cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Freqüente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando.
ELOGIO DO PARTIDO
O indivíduo tem dois olhos
O Partido tem mil olhos.
O Partido vê sete Estados
O indivíduo vê uma cidade.
O indivíduo tem sua hora
Mas o Partido tem muitas horas.
O indivíduo pode ser liquidado
Mas o Partido não pode ser liquidado.
Pois ele é a vanguarda das massas
E conduz a sua luta
Com os métodos dos Clássicos, forjados a partir
Do conhecimento da realidade.
MAS QUEM É O PARTIDO?
Mas quem é o partido?
Ele fica sentado em uma casa com telefones?
Seus pensamentos são secretos, suas decisões desconhecidas?
Quem é ele?
Nós somos ele.
Você, eu, vocês – nós todos.
Ele veste sua roupa, camarada, e pensa com a sua cabeça
Onde moro é a casa dele, e quando você é atacado ele luta.
Mostre-nos o caminho que devemos seguir, e nós
O seguiremos como você, mas
Não siga sem nós o caminho correto
Ele é sem nós
O mais errado.
Não se afaste de nós!
Podemos errar, e você pode ter razão, portanto
Não se afaste de nós!
Que o caminho curto é melhor que o longo, ninguém
nega
Mas quando alguém o conhece
E não é capaz de mostrá-lo a nós, de que nos serve sua sabedoria?
Seja sábio conosco!
Não se afaste de nós!
ALEMANHA
Que outros falem de sua vergonha,
eu falo da minha
Ó Alemanha, pálida mãe!
Como apareces manchada
Entre as nações.
Entre os imundos
Te destacas.
De teus filhos o mais pobre
Jaz abatido.
Quando sua fome era grande
Teus outros filhos
Ergueram a mão contra ele.
Isto ficou notório.
Com as mãos assim erguidas
Erguidas contra seu irmão
Passeiam insolentes à tua volta
E riem na tua cara.
Isto é sabido.
Em tua casa
Grita-se alto a mentira
Mas a verdade
Tem que calar.
Então é assim?
Por que te louvam os opressores em roda, mas
Os oprimidos te acusam?
Os explorados
Te apontam com o dedo, mas
Os exploradores elogiam o sistema
Engenhado em tua casa!
E nisso te vêem todos
Esconderes a barra do vestido, ensanguentada
Do sangue do teu
Melhor filho.
Ouvindo as falas que vêm da tua casa, rimos.
Mas quem te vê, corre a pegar a faca
Como à vista de um facínora.
Ó Alemanha, pálida mãe!
Como te trataram teus filhos
Que assim apareces entre os povos
Um escárnio e um pavor!
A EMIGRAÇÃO DOS POETAS
Homero não tinha morada
E Dante teve que deixar a sua.
Li-Po e Tu-Fu andaram por guerras civis
Que tragaram 30 milhões de pessoas
Eurípides foi ameaçado com processos
E Shakespeare, moribundo, foi impedido de falar.
Não apenas a Musa, também a polícia
Visitou François Villon.
Conhecido como “o Amado”
Lucrécio foi para o exílio
Também Heine, e assim também
Brecht, que buscou refúgio
Sob o teto de palha dinamarquês.
O QUE CORROMPE
Nos primeiros meses do domínio nacional-socialista
Um trabalhador de uma pequena localidade na fronteira tcheca
Foi condenado à prisão por distribuir panfletos comunistas
Como um de seus cinco filhos havia já morrido de fome
Não agradava ao juiz enviá-lo para a cadeia por muito tempo.
Perguntou-lhe então se ele não estava talvez
Apenas corrompido pela propaganda comunista.
Não sei o que o senhor que dizer, disse ele, mas meu filho
Foi corrompido pela fome.
O VIZINHO
Eu sou o vizinho. Eu o denunciei.
Não queremos ter aqui
Nenhum agitador.
Quando penduramos a bandeira com a suástica
Ele não pendurou nenhuma bandeira.
Quando lhe falamos sobre isso
Ele nos perguntou se no cômodo
Onde vivemos com quatro crianças
Ainda há lugar para um mastro de bandeira.
Quando dissemos que acreditamos novamente no futuro
Ele riu.
Nós não gostamos quando o espancaram
Na escada. Rasgam-lhe o avental.
Não era necessário. Temos poucos aventais.
Mas agora ele se foi, há sossego no edifício
Já temos preocupações demais
É preciso ao menos haver sossego.
Notamos que algumas pessoas
Viram o rosto quando cruzam conosco. Mas
Os que o levaram dizem
Que agimos corretamente.
DE QUE SERVE A BONDADE
1
De que serve a bondade
se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que
todos necessitam?
2
Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio!
O PASSAGEIRO
Quando, há alguns anos
Aprendi a dirigir um carro, meu instrutor
Me fazia fumar um charuto; e quando
Na confusão do tráfego ou em curvas difíceis
O charuto apagava, ele me tirava o volante.
Também contava piadas, e se eu não sorria
Muito ocupado com a direção, afastava-me
Do volante. Eu estava inseguro, dizia ele.
Eu, o passageiro, me apavoro quando vejo
O motorista muito ocupado com a direção.
Desde então, ao trabalhar
Cuido para não ficar absorvido demais no trabalho.
Dou atenção a muitas coisas em volta
Às vezes interrompo o trabalho para ter uma conversa.
Andar mais rápido do que o que me permite fumar
É algo que já não faço. Penso
No passageiro.
O CHANCELER ABSTÊMIO
Eu soube que o Chanceler não bebe
Não come carne e não fuma
E mora em uma casa pequena.
Mas também soube que os pobres
Passam fome e morrem na miséria.
Bem melhor seria um Estado em que se dissesse:
O Chanceler está sempre bêbado nas reuniões
Observando a fumaça de seus cachimbos
Alguns iletrados mudam as leis
Pobres não há.
SOBRE A ESTERILIDADE
A árvore que não dá frutos
É xingada de estéril. Quem
Examina o solo?
O galho que quebra
É xingado de podre, mas
Não havia neve sobre ele?
COMEÇO DA GUERRA
Quando a Alemanha estiver armada até os dentes
Uma grande injustiça lhe acontecerá
E o tocador de tambor fará sua guerra.
Vocês, porém, defenderão a Alemanha
Em terras estranhas, de vocês desconhecidas
E lutarão contra homens seus iguais.
O tocador de tambor soltará disparates sobre liberdade
Mas a opressão no país será sem igual.
E ele poderá vencer todas as batalhas
Exceto a última.
Quando o tocador de tambor perder sua guerra
A Alemanha ganhará a sua.
Quando há alguns anos lhe mostrei
Como se lavar de manhã cedo
Com pedacinhos de gelo na água
Da pequena tigela de cobre
Submergindo o rosto, os olhos abertos
Lendo as linhas difíceis de seu papel
Na folha presa à parede, eu disse:
Isto você faz para você mesma, faça
De modo exemplar.
Agora me dizem que você deve estar na prisão.
As cartas que lhe escrevi
Ficaram sem resposta. Os amigos aos quais falei de você
Silenciam. Nada posso fazer por você. Como será
Sua manhã? Ainda fará algo para você?
Esperançosa e responsável
Com movimentos certos
De modo exemplar?
SOBRE OS POEMAS DE DANTE A BEATRIZ
Ainda hoje, na cripta onde jaz
Aquela que ele não pôde fazer sua
Por mais que a seguisse pela rua
Uma emoção forte seu nome nos traz.
Pois ele cuidou de nos mantê-la na memória
Ao dedicar-lhe verso tão sublime
E não pode haver quem não se anime
A acreditar inteira em sua história.
Ah, que mau costume ele inaugurou então
Ao cobrir de louvor arrebatado
O que havia apenas visto e não provado!
Desde que versejou a uma simples visão
Tudo de aparência bela e casta, a qualquer ensejo
Cruzando uma praça, tornou-se objeto de desejo.
A GRANDE COBERTA
O governador, perguntado por mim sobre o que seria
necessário
Para socorrer os que têm frio em nossa cidade
Respondeu: Uma coberta, comprida de dez mil pés
Que cubra simplesmente todo o subúrbio.
Po Chu-yi (772-846)
UM PROTESTO NO SEXTO ANO DE CHIEN FU
Os rios e morros da planície
Transformais em vosso campo de batalha.
Como, pensais, o povo que aqui vive
Poderá se abastecer de “madeira e feno”?
Poupai-me por favor vosso palavreado
De nomeações e títulos.
A reputação de um único general
Significa: dez mil cadáveres.
Ts’ao Sung (870-920)
ELOGIO DO ESQUECIMENTO
Bom é esquecimento!
Senão como se afastaria o filho
Da mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros
E o impede de experimentá-la.
Ou como deixaria o aluno
O professor que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O aluno tem que se pôr a caminho.
Para a velha casa
Mudam-se os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá vivessem
A casa seria pequena demais.
O forno esquenta. Já não se sabe
Quem foi o oleiro. O plantador
Não reconhece o pão.
Como se levantaria pela manhã o homem
Sem o deslembrar da noite que desfaz o rastro?
Como se ergueria pela sétima vez
Aquele derrubado seis vezes
Para lavrar o chão pedroso, voar
O céu perigoso?
A fraqueza da memória
Dá força ao homem.
Dos Poemas de Svendborg
No abrigo desse teto de palha dinamarquês,
amigos
Eu sigo sua luta. Mando-lhes aqui
Como vez e outra no passado, estes versos despertados
Por visões sangrentas, vindas sobre o mar e através da folhagem.
O que lhes chegar, usem com cautela.
Livros envelhecidos, fragmentos de relatos
São minhas fontes Vendo-nos novamente
Com prazer quero voltar a aprender.
Svendborg, 1939
CARTILHA DE GUERRA ALEMÃ
O PINTOR FALA DA GRANDE ÉPOCA POR VIR
As florestas ainda crescem.
Os campos ainda produzem.
As cidades ainda existem.
Os homens ainda respiram.
QUANDO O PINTOR FALA SOBRE A PAZ
ATRAVÉS DOS ALTO-FALANTES
Os trabalhadores de construção olham para
As autoestradas e veem
Cimento profundo, próprio
Para tanques pesados.
O pintor fala de paz.
Aprumando as costas doloridas
As mãos grossas em cubos de canhões
Os fundidores o escutam.
Os pilotos dos bombardeiros
Desaceleram os motores e ouvem
O pintor falar de paz.
Os madeireiros param no silêncio dos bosques
Os camponeses deixam de lado o arado e colocam a mão atrás do ouvido
As mulheres que levam a comida para o campo se detêm:
No terreno revolvido há um carro com amplificador. De lá se ouve
O pintor pedir paz.
OS DE CIMA DIZEM: GUERRA E PAZ
São de substância diferente.
Mas a sua guerra e a sua paz
São como tempestade e vento.
A guerra nasce da sua paz
Como a criança da mãe
Ela tem
Os mesmos traços terríveis.
A sua guerra mata
O que sua paz
Deixou de resto.
NO MURO ESTAVA ESCRITO COM GIZ:
Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.
OS DE CIMA
Juntaram-se em uma reunião.
Homem da rua
Deixa de esperança.
Os governos
Assinaram pactos de não agressão.
Homem da rua
Assina teu testamento.
QUANDO OS DE CIMA FALAM DE PAZ
A gente pequena
Sabe que haverá guerra.
Quando os de cima amaldiçoam a guerra
As ordens de alistamento já estão preenchidas.
A GUERRA QUE VIRÁ
Não é a primeira. Antes dela
Houve outras guerras.
Quando a última terminou
Havia vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo miúdo
Sofria fome. Entre os vencedores
Sofria fome o povo miúdo.
OS DE CIMA DIZEM QUE NO EXÉRCITO
Reina fraternidade.
A verdade disso se percebe
Na cozinha.
Nos corações deve haver
O mesmo ânimo.
Mas nos pratos
Há dois tipos de comida.
NO MOMENTO DE MARCHAR,
MUITOS NÃO SABEM
Que seu inimigo marcha à sua frente.
A voz que comanda
É a voz de seu inimigo.
Aquele que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo.
GENERAL, TEU TANQUE É UM CARRO PODEROSO
Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens.
Mas tem um defeito:
Precisa de um motorista.
General, teu bombardeiro é poderoso.
Ele voa mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um engenheiro.
General, o homem é muito útil.
Ele pode voar e pode matar.
Mas tem um defeito:
Pode pensar.
QUANDO A GUERRA COMEÇAR
Seus irmãos se transformarão talvez
De modo que seus rostos não serão reconhecíveis.
Mas vocês devem permanecer os mesmos.
Eles irão à guerra, mas
Não como uma matança, e sim
Como a um trabalho sério. Tudo
Terão esquecido. Mas vocês
Nada deverão Ter esquecido.
Vocês receberão aguardente na garganta
Como todos os outros.
Mas deverão permanecer sóbrios.
CANÇÕES INFANTIS
O ALFAIATE DE ULM (Ulm, 1592)
Bispo, eu sei voar
Disse ao bispo o alfaiate.
Olhe como eu faço, veja!
E com um par de coisas
Que bem pareciam asas
Subiu ao grande telhado da igreja.
O bispo não ligou.
Isso é um disparate
Voar é para os pássaros
O homem nunca voou
Disse o bispo ao alfaiate.
O alfaiate faleceu
Disseram ao bispo as pessoas.
Era tudo uma farsa.
Sua asa partiu
E ele se destruiu
Sobre o duro chão das praça.
Façam tocar os sinos
Aquilo foi invenção
Voar só para os pássaros
Disse o bispo aos meninos
Os homens nunca voarão.
A AMEIXEIRA
No pomar tem uma ameixeira
Tão pequena, que ninguém faz fé.
Em volta dela há uma cerca
Que é pra ninguém botar o pé.
A pequenina não pode crescer
Pois crescer ela queria bem
Mas aí nada se pode fazer
Tão pouco é sol que ela tem.
Nessa ameixeira ninguém faz fé
Porque nunca deu uma ameixinha.
Mas que é uma ameixeira, isso é:
Pelas folhas a gente advinha!
PARÁBOLA DE BUDA
SOBRE A CASA INCENDIADA
Gautama, o Buda, ensinou
A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou
Nirvana.
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
Se esse Nada, no qual então penetramos
É talvez como o ser-um com tudo criado
Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas à noite, quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou Buda aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e gritei-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-as assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não Ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar, até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e
apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens
ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos
que àqueles que
À vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do
Capital gastam tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma reviravolta
Nada temos a dizer.
A INSCRIÇÃO INVENCÍVEL
No tempo da Guarda Mundial
Em uma cela da prisão italiana de San Carlo
Cheia de soldados aprisionados, de bêbados e ladrões
Um soldado socialista riscou na parede com um estilete:
VIVA LÊNIN!
Bem alto na cela meio escura, pouco visível, mas
Escrito com letras imensas.
Quando os guardas viram, enviaram um pintor com um balde de cal
Que com um pincel de cabo longo cobriu a inscrição ameaçadora.
Mas, como ele apenas acompanhou os traços com a cal
Via-se agora em letra brancas, no alto da cela:
VIVA LÊNIN!
Somente um segundo pintor cobriu tudo com pincel
largo
De modo que durante horas desapareceu, mas pela manhã
Quando a cal secou, destacou-se novamente a inscrição:
VIVA LÊNIN!
Então enviaram ao guardas um pedreiro com uma faca para eliminar a inscrição.
E ele raspou letra por letra, durante uma hora
E quando terminou, lá estava no alto da cela, incolor
Mas gravada fundo na parede, a inscrição invencível:
VIVA LÊNIN!
Agora derrubem a parede! disse o soldado.
OS TRABALHADORES DE MOSCOU
TOMAM POSSE DO GRANDE METRÔ
EM 27DE ABRIL DE 1935
Assim nos disseram: 80.000 trabalhadores
Construíram o metrô, muitos após o seu dia de trabalho
Frequentemente varando a noite. durante este ano
Viam-se sempre rapazes e garotas a sair das galerias
Sorridentes, mostrando orgulhosos as roupas de trabalho
Sujas de lama, molhadas de suor.
Todas as dificuldades –
Correntes subterrâneas, pressão dos edifícios
Massas de terra que cediam – foram vencidas. Na
ornamentação
Não se poupou esforço. O melhor mármore
Foi trazido de longe, as mais belas madeiras
Trabalhadas com apuro. Quase sem ruído
Corriam por fim os belos vagões
Pelas galerias claras como dia: para clientes exigentes
O melhor de tudo.
E quando o metrô estava construído, segundo o mais
perfeito figurino
E vieram os proprietários para visitá-lo e
Nele viajar, eis que eram os mesmos
Que o haviam construído.
Eram milhares que circulavam
Observando os grandes ambientes, e nos trens
Passavam massas de gente, os rostos –
Homens, mulheres e crianças, também velhos –
Voltados para as estações, radiantes como no teatro, pois as estações
Eram construídas de maneiras diferentes, de diferentes pedras
Em diferentes estilos, e também a luz
Tinha fontes diversas. Quem entrava nos vagões
Era empurrado para trás numa alegre confusão
Pois os lugares dianteiros eram os melhores
Para olhar as estações. Em cada estação
As crianças eram erguidas nos braços. Sempre que possível
Os passageiros irrompiam dos carros e observavam
Com olhos críticos e felizes o trabalho feito. Apalpavam as colunas
E avaliavam sua lisura. Com os sapatos
Sentiam o chão, a ver se as pedras
Estavam bem ajustadas. Refluindo de volta aos vagões
Examinavam o revestimento das paredes e tocavam
Nos vidros. Continuamente
Homens e mulheres – incertos de serem realmente
aqueles –
Apontavam lugares onde haviam trabalhado: a pedra
Tinha os vestígios de suas mãos. Cada rosto
Era bem visível, pois havia luz bastante
De muitas lâmpadas, mais do que em qualquer metrô que conheci.
Também as galerias eram iluminadas, não havia um metro de trabalho
Sem iluminação. E tudo aquilo
Fora construído em apenas um ano, e por tantos
construtores
Como nenhuma outra via férrea do mundo. E
Nenhuma outra via tivera tantos proprietários.
Pois esta maravilha de construção testemunhava
O que nenhuma das anteriores, em muitas cidades de muitas épocas
Havia testemunhado: os próprios construtores como senhores!
Onde jamais se vira isso, que os frutos do trabalho
Tocassem a quem havia trabalhado? Onde jamais
Não foram expulsos de uma construção
Os que a haviam erguido?
Ao vê-los viajar em seus carros
Obras de suas mãos, nós sabíamos:
Esta é a visão que certa vez
Abalou os Clássicos que a predisseram.
RAPIDEZ DA CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO
Um homem que em 1930 chegou de Nicolaievsk, no
rio Amur
Disse, perguntado em Moscou como estavam as coisas
por lá:
Como posso saber? Minha viagem
Durou seis semanas, e em seis semanas
Mudou tudo por lá.
[NVP sobre OS TRABALHADORES DE MOSCOU TOMAM POSSE DO GRANDE METRÔ EM 27 DE ABRIL DE 1935: as estações de metrô de Moscou (Москва) que eu gostei: as que ficam perto da Вхутемас e Государственная Академия - МАРХИ: Кузнецкий мост; Лубянка; e Трубная. Fora a homenagem à Maiakovski (Маяковский) — estação Mayakovskaya (Маяковская) —, com mosaicos no teto de Alexander Deyneka (Алекса́ндр Дейне́ка), que foi aluno da Вхутемас, onde desci para ouvir a primeira Sinfonia de Scriabin (Скрябин), onde comprei uma caixinha com CDs do Shostakovich (Шостакович) tocando as suas próprias obras.]
конструктивизм. плакат советского авангарда. — М.: издательство «Контакт-культура», 2019.
KRUFT, Hanno-Walter. História da Teoria da Arquitetura / Hanno-Walter Kruft; tradução de Oliver Tolle. Geschichte der Architekturtheorie: Von der Antike bis zur Gegenwart. — São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.
MAIAKÓVSKI, Vladimir; Маяковский, Владимир (1893-1930). Mistério-Bufo / Мистерия-Буфф / um retrato heróico, épico e satírico da nossa época (1918) / Vladimir Maikóviski, Владимир Маяковский; tradução de Dmitri Beliaev; edição bilíngue. — São Paulo: Musa Editora, 2001. — (Musa, Teatro; 01)
_________________. МАЯКОВСКИЙ—РОДЧЕНКО—РЕКЛАМ—ОНСТРУКТОР. АРХИВ РОДЧЕНКО-СТЕПАНОВОЙ. — Москва: ИЗДАТЕЛЬСТВО “КОНТАКТ-КУЛЬТУРА”, 2018.
_________________. «ДЕТЯМ БУДУЩЕГО» МАЯКОВСКИЙ ДВА / КНИГИ 1920-х/1930-х годов. — М.: Арт Волхонка, 2018.
_________________. Poemas / traduções de Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman; capa e projeto gráfico Augusto de Campos; coleção Signos dirigida por Haroldo de Campos. —6.edição— São Paulo: Editora Perspectiva: 2002. — (Signos; 10)
Poesia Russa Moderna / traduções de Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman; coleção Signos dirigida por Haroldo de Campos; supervisão editorial J.Guinsburg; assessoria editorial Plinio Martins Filho; capa e projeto gráfico Augusto de Campos, J.Guinsburg, Plinio Martins Filho, Sérgio Kon; revisão, colaboração, prefácio, resumos biográficos e notas de Boris Schnaiderman. —6.ed rev. e ampl.— São Paulo: Editora Perspectiva: 2001. — (Signos; 33)
SCHNAIDERMAN, Boris (1917-2016). A poética de Maiakóvski, através da sua prosa / Boris Schnaiderman; revisão Boris Schnaiderman; produção Plinio Martins Filho; coleção debates dirigida por J.Guinsburg; 1971. — São Paulo: Editora Perspectiva: 1984. — (Coleção Debates; 39)
От ВХУТЕМАСа к МАРХИ, Vkhutemas, 1920-1936: архитектурные проекты из собрания Музея МАРХИ. Л. И. Иванова-Везн. — Москва: А-Фонд, 2005.
_________________. 1918-2018 Vkhutemas / O Futuro em Construção / Celso Lima e Neide Jallageas. — São Paulo: музей Мархи; Sesc Pompéia, 2018.
AOS QUE HESITAM
Você diz:
Nossa causa vai mal.
A escuridão aumenta. As forças diminuem.
Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
Estamos em situação pior que no início.
Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
Sua força parece Ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
Mas nós cometemos erros, não há como negar.
Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
Estão em desordem. O inimigo
Distorceu muitas de nossas palavras
Até ficarem irreconhecíveis.
Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
Tudo ou alguma coisa?
Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
Da corrente viva? Ficaremos para trás
Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?
Precisamos ter sorte?
Isto você pergunta. Não espere
Nenhuma resposta senão a sua.
NA MORTE DE UM COMBATENTE DA PAZ
À memória de Carl von Ossistscky
Aquele que não cedeu
Foi abatido
O que foi abatido
Não cedeu.
A boca do que preveniu
Está cheia de terra.
A aventura sangrenta
Começa.
O túmulo do amigo da paz
É pisoteado por batalhões.
Então a luta foi em vão?
Quando é abatido o que não lutou só
O inimigo
Ainda não venceu.
NO NASCIMENTO DE UM FILHO
(Segundo poema chinês
de
Su Tung-po, 1036-1101)
Famílias, quando lhes nascer um filho
Façam votos de que seja inteligente.
Eu, que pela inteligência
Arruinei minha vida
Posso apenas desejar
Que meu filho se revele
Parvo e tacanho.
Assim terá uma vida tranquila
Como ministro do governo.
EPITÁFIO PARA GORKI
Aqui jaz
O enviado dos bairros da miséria
O que descreveu os atormentadores do povo
E aqueles que os combateram
O que foi educado nas ruas
O de baixa extração
Que ajudou a abolir o sistema de Alto e Baixo
O mestre do povo
Que aprendeu com o povo.
SÁTIRAS ALEMÃS
A QUEIMA DE LIVROS
Quando o regime ordenou que fossem queimados
publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queime-me!
Não me façam uma uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queime-me!
1
Os ministros não cansam de dizer ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O grão de trigo cresceria para baixo, não para cima.
Nenhum pedaço de carvão sairia das minas
Se o Chanceler fosse tão sábio. Sem o Ministro da Propaganda
Nenhuma mulher ficaria grávida. Sem o Ministro da Guerra
Jamais haveria guerra. Sim, se o sol se levantara de manhã
Sem a permissão do Führer
É inteiramente discutível, e se o fizesse
Seria no lugar errado.
2
Igualmente difícil é, eles nos dizem
Dirigir uma fábrica. Sem o proprietário
As paredes desmoronariam e as máquinas enferrujariam, dizem.
Mesmo que em algum lugar se fabricasse um arado
Ele nunca chegaria a um campo
Sem as palavras sabidas que o empresário escreve aos camponeses: senão
Quem poderia informá-los que existem arados? E o que
Seria de uma fazenda sem o fazendeiro? Certamente
Semeariam centeio onde já se encontram batatas.
3
Se governar fosse fácil
Não seriam necessários espíritos iluminados como o Führer.
Se o trabalhador soubesse como utilizar sua máquina
E o agricultor soubesse distinguir um campo de uma tábua de fazer macarrão
Não seriam necessário industriais e fazendeiros.
Somente porque todos são tão estúpidos
Precisa-se de alguns tão espertos.
4
Ou é possível que
Governar seja tão difícil
Apenas porque a fraude e a exploração
Exigem algum aprendizado?
NECESSIDADE DA PROPAGANDA
1
É possível que em nosso país nem tudo ande como
deveria andar.
Mas ninguém pode negar que a propaganda é boa.
Mesmo os famintos devem admitir
Que o Ministro da Alimentação fala bem.
2
Quando o regime liquidou mil homens
Num único dia, sem investigação nem processo
O Ministro da Propaganda louvou a paciência infinita do Führer
Que havia esperado tanto para ter a matança
E havia acumulado os patifes de bens e distinções
Fazendo-o num discurso tão magistral, que
Naquele dia não só os parentes das vítimas
Mas também ao próprios algozes choraram.
3
E quando em um outro dia o maior dirigível do Reich
Se desfez em chamas, porque o haviam enchido de gás inflamável
Poupando o gás não-inflamável para fins de guerra
O Ministro da Aeronáutica prometeu diante dos caixões dos mortos
Que não se deixaria desencorajar, o que ocasionou
Uma grande ovação. Dizem que houve aplausos
Até mesmo dentro dos caixões.
4
E como é exemplar a propaganda
Do lixo e do livro do Führer!
Todo mundo é levado a recolher o livro do Führer
Onde quer que esteja jogado.
Para propagar o hábito de juntar trapos*, o poderoso Göring
Declarou-se o maior “juntador de crápulas” de todos os tempos
E para acomodar os crápulas* fez construir
No centro da capital do Reich
Um palácio ele mesmo do tamanho de uma cidade.
5
Um bom propagandista
Transforma um monte de esterco em local de veraneio.
Quando não há manteiga, ele demonstra
Como um talhe esguio faz um homem esbelto.
Milhares de pessoas que o ouvem discorrer sobre as autoestradas
Alegram-se como se tivessem carros.
Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
Ele planta louros. Mas já bem antes disso
Falava de paz enquanto os canhões passavam.
6
Somente através de propaganda perfeita
Pôde-se convencer milhões de pessoas
Que o crescimento do Exército constitui obra de paz
Que cada novo tanque é uma pomba da paz
E cada novo regimento uma prova de
Amor à paz.
7
Mesmo assim: bons discursos podem conseguir muito
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
Já se ouve dizerem: pena
Que a palavra ‘carne’ apenas não satisfaça, e
Pena que a palavra ‘roupa’ aqueça tão pouco.
Quando o Ministro do Planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura
Não pode chover, pois seus ouvintes
Não têm com que se proteger.
8
Ainda algo mais desperta dúvidas
Quanto à finalidade da propaganda: quanto mais propaganda há em nosso país
Tanto menos há em outros países.
*A palavra alemã Lumpen tem os dois sentidos. (N.T.)
OS MEDOS DO REGIME
1
Um estrangeiro, voltando de uma viagem ao Terceiro
Reich
Ao ser perguntado quem realmente governava lá,
respondeu:
O medo.
2
Amedrontado
O erudito pára no meio de uma discussão e observa
Pálido, as paredes finas do seu gabinete. O professor
Não consegue dormir, preocupado
Com uma frase ambígua que o inspetor deixou escapar.
A velha senhora na mercearia
Coloca os dedos trêmulos sobre a boca, para conter
O xingamento sobre a farinha ruim. Amedrontado
O médico vê as marcas de estrangulamento em seu paciente, e cheios de medo
Os pais olham os filhos como se olhassem para traidores.
Mesmo os moribundos
Amortecem a voz que sai com dificuldade, ao
Despedirem-se dos seus parentes.
3
Mas, também os camisas-marrons
Têm medo do homem que não levanta o braço
E ficam aterrorizados diante daquele
Que lhes deseja um bom dia.
As vozes agudas dos que dão ordens
Têm tanto medo quanto os guinchos
Dos porcos a esperar a faca do açougueiro, e os mais gordos traseiros
Transpiram medo nas cadeiras de escritório.
Impelidos pelo medo
Eles irrompem nas casas e fazem buscas nos sanitários
E é o medo que os faz
Queimar bibliotecas inteiras. Assim
O temor domina não apenas os dominados, mas também
Os dominadores.
4
Por que
Temem tanto a palavra clara?
5
Em vista do poder imenso do regime
De seus campos de concentração e câmaras de tortura
De seus bem nutridos policiais
Dos juízes intimidados ou corruptos
De seus arquivos com as listas de suspeitos
Que ocupam prédios inteiros até o teto
Seria de acreditar que ele não temeria
Uma palavra clara de um homem simples.
6
Mas esse Terceiro Reich lembra
A construção do assírio Tar, aquela fortaleza poderosa
Que, diz a lenda, não podia ser tomada por nenhum exército, mas que
Através de uma única palavra clara, pronunciada no interior
Desfez-se em pó.
PENSAMENTOS SOBRE A DURAÇÃO DO EXÍLIO
1
Não jogue prego nenhum na parede
Jogue o casaco na cadeira.
Por que fazer planos para quatro dias?
Amanhã você volta.
Deixe a arvorezinha sem água.
Para que plantar mais uma árvore?
Antes que ela tenha um palmo de altura
Você irá embora, contente.
Desça o boné sobre os olhos, ao cruzar com as pessoas.
Para que estudar uma gramática estrangeira?
A notícia que lhe chama para casa
Está escrita numa língua conhecida.
Assim como a cal desprende da parede
(Nada faça quanto a isso!)
Apodrecerá a cerca da violência
Que foi erguida na fronteira
Para manter longe a justiça.
2
Olhe para o prego que colocou na parede:
Quando acha que voltará?
Quer saber o que pensa no mais íntimo?
Dia após dia
Você trabalha para a libertação.
Sentado no quarto, escreve.
Quer saber o que acha de seu trabalho?
Olhe a pequena castanheira no canto do jardim
Para a qual você levou o jarro d’água
LOCAL DE REFÚGIO
Há um remo no telhado. Um vento brando
Não empurrará a palha.
No pátio foram enfiados postes
Para o balanço das crianças.
O correio chega duas vezes ao dia
Onde cartas seriam bem-vindas.
Pelo estreito vêm os ferry-boats
A casa tem quatro portas, para por elas fugir.
EXPULSO POR BOM MOTIVO
Eu cresci como filho
De gente abastada. Meus pais
Me colocaram um colarinho, e me educaram
No hábito de ser servido
E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
Já crescido, olhei em torno de mim
Não me agradaram as pessoas de minha classe,
Nem dar ordens nem ser servido
Então deixei minha classe e me juntei
À gente pequena.
Assim
Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe
Suas artes, e ele
Denuncia-os ao inimigo.
Sim, eu conto seus segredos. Fico
Entre o povo e explico
Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois
Estou instruído em seus planos.
O latim de seus clérigos corruptos
Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,
então
Ele se revela uma farsa. Tomo
A balança da sua justiça e mostro
Os pesos falsos. E os seus informantes relatam
Que me encontro entre os despossuídos, quando
Tramam a revolta.
Eles me advertiram e me tomaram
O que ganhei com meu trabalho. E quando não me corrigi
Eles foram me caçar, mas
Em minha casa
Encontraram somente escrito que expunham
Suas tramas contra o povo. Então
Enviaram uma ordem de prisão
Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
As idéias da gente baixa.
Aonde vou sou marcado
Aos olhos dos possuidores, mas os despossuídos
Leem a ordem de prisão
E me oferecem abrigo. Você, dizem
Foi expulso por bom motivo.
AOS QUE VÃO NASCER
1
É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.
Que tempos são esses, eu que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?
Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço
Me dá direito a comer a fartar.
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)
As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque
tem!
Mas como posso comer e beber, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d’água falta ao que tem sede?
E no entanto eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser sábio.
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.
2
À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
A comida comi entre batalhas
Deitei-me para dormir entre assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As forças eram mínimas. A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.
3
Vocês, que emergirão do dilúvio
Em que afundamos
Pensem
Quando falarem de nossas fraquezas
Também nos tempos negros
De que escaparam.
Andávamos então, trocando de países como de sandálias
Através das lutas de classes, desesperados
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.
Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixeza
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca. Ah, e nós
Que queríamos prepara o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.
Mas vocês, quando chegar o momento
Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós
Com simpatia.
1938-1941
VISÕES
PARA DA DO VELHO NOVO
Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando,
mas ele vinha como se fosse o Novo.
Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto, e exalava novos odores de putrefação, que ninguém antes havia cheirado.
A pedra passou rolando como a mais nova invenção, e os gritos dos gorilas batendo no peito deveriam ser as novas
composições.
Em toda parte viam-se túmulos abertos vazios, enquanto o Novo movia-se em direção à capital.
E em torno estavam aqueles que instilavam horror e gritavam: Aí
vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem
escutava, ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via tais que
não gritavam.
Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como Velho.
O novo ia preso em ferros e coberto de trapos; estes permitiam ver o vigor de seus membros.
E o cortejo movia-se na noite, mas o que viram como a luz da aurora era a
luz de fogos no céu. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o
Novo, sejam novos como nós! Seria ainda audível, não tivesse o
trovão das armas sobrepujado tudo.
[...]
MAU TEMPO PARA A POESIA
Sim, eu sei: só o homem feliz
É querido. Sua voz
É ouvida com prazer. Seu rosto é belo.
A árvore aleijada no quintal
indica o solo pobre, mas
Os passantes a maltratam por ser um aleijão
E estão certos.
Os barcos verdes e as velas alegres da baía
Eu não enxergo. De tudo
Vejo apenas a rede partida dos pescadores.
Por que falo apenas
Da camponesa de quarenta anos que anda curvada?
Os seios das meninas
São quentes como sempre.
Em minha canção uma rima
Me pareceria quase uma insolência.
Em mim lutam
O entusiasmo pela macieira que floresce
E o horror pelos discursos do pintor.
Mas apenas o segundo
Me conduz à escrivaninha.
MAU TEMPO PARA A JUVENTUDE
Em vez de brincar no bosque com os companheiros
Meu filho se debruça sobre os livros
E lê de preferência
Sobre as negociatas dos financistas
E as carnificinas dos generais.
Quando lê que nossas leis
Proíbem aos pobres e aos ricos
Dormir sob as pontes
Ouço sua risada divertida.
Quando descobre que o autor do livro foi subornado
Ilumina-se seu rosto jovem. Eu aprovo isso
Mas gostaria de poder lhe oferecer
Uma juventude em que ele
Fosse brincar no bosque com os companheiros.
1
Agora somos refugiados
Na Finlândia.
Minha filha pequena
No fim da tarde volta para casa aborrecida, pois
Com ela nenhuma criança quer brincar. Ela é alemã.
Pertence a um povo de saqueadores.
Quanto troco palavras fortes numa discussão
Dizem-me para ficar quieto. Aqui não apreciam
Palavras fortes de alguém
Que vem de um povo de saqueadores.
Quando lembro a minha filha
Que os alemães são um povo de saqueadores
Ela se alegra comigo por eles não serem amados
E nós rimos juntos.
2
A mim, que descendo de camponeses
Causa contrariedade ver
Como o pão é jogado fora.
Compreende-se
Como odeio a guerra deles!
3
Bebendo uma garrafa de vinho
Nossa amiga filandesa nos descrevia
Os estragos de guerra em seu jardim de cerejeiras.
O vinho que bebemos vem dele, disse ela.
Esvaziamos nossos copos
Em memória ao jardim devastado
E à razão.
4
Este é o ano do qual se falará
Este é o ano do qual se falará.
Os velhos vêem os jovens morrerem.
Os tolos vêem os sábios morrerem.
A terra já não sustenta, devora.
O céu não lança chuva, somente ferro.
[...]
SOBRE O TEATRO COTIDIANO
Vocês, artistas que fazem teatro
Em grandes casas, sob sóis artificiais
Diante da multidão calada, procurem alguma vez
Aquele teatro encenado na rua.
Cotidiano, vário e anônimo, mas
Tão vívido, terreno, nutrido da convivência
Dos homens, o teatro que se passa na rua.
Aqui a vizinha imita o proprietário, deixa claro
Demonstrando sua verbosidade
Como ele busca desviar a conversa
Do cano d’água que arrebentou. À noite, nos parques
Rapazes mostram à garotas risonhas
Como elas resistem, e resistindo
Mostram habilmente os seios. E aquele bêbedo
Mostra o pastor em sua prédiga, remetendo
Os despossuídos
Aos ricos pastos do paraíso. Como é útil
Esse teatro, como é sério e divertido
E digno! Não como papagaios e macacos
imitam eles, apenas pela imitação em si, indiferentes
Ao que imitam, apenas para mostrar
Que sabem imitar bem; não, eles têm
Objetivos à frente. Que vocês, grandes artistas
Imitadores magistrais, não fiquem nisso
Abaixo deles. Não se distanciem
Por mais que aperfeiçoem sua arte
Daquele teatro cotidiano
Cujo cenário é a rua.
Vejam aquele homem na esquina! Ele mostra
Como ocorreu o acidente. Neste momento
Entrega ele o motorista ao julgamento da multidão. Como
Ele estava ao volante, e agora
Imita o atropelado, aparentemente
Um homem velho. De ambos transmite
Apenas o tanto para tornar o acidente inteligível, porém
O bastante para que apareçam claramente. Mas ele
Não mostra ambos como incapazes
De evitar um acidente. O acidente
Torna-se assim inteligível e também ininteligível,
pois ambos
Podiam fazer outros movimentos; agora ele mostra como
Eles poderiam ter-se movimentado, para que o acidente
Não acontecesse. Não há superstição
Nessa testemunha, ele não vê
Os mortais como vítimas dos astros, somente
Dos próprios erros.
Notem também
Sua seriedade e o cuidado da sua imitação. Ele sabe
Que da sua exatidão muito depende: se o inocente
Escapa à ruína, se o prejudicado
É compensado. Vejam-no
A repetir o que já fez. Hesitante
Pedindo ajuda à memória, incerto
De que a imitação seja boa, interrompendo
Solicitando a um outro que
Corrija isso ou aquilo. Isto
Observem com reverência!
E com assombro
Queiram observar algo: que este imitador
Nunca se perde em sua imitação. Ele nunca se transforma
Inteiramente no homem que imita. Sempre
Permanece o que mostra, o não envolvido ele mesmo. Aquele
Não o instrui, ele
Não partilha seus sentimentos
Nem suas concepções. Dele sabe
Bem pouco. Em sua imitação
Não surge um terceiro, dele e do outro
De ambos formado, no qual
Um coração batesse e
Um cérebro pensasse. Ali inteiro
Está o que mostra, mostrando
O estranho nosso próximo.
A misteriosa transformação
Que supostamente se dá em seus teatros
Entre camarim e palco: um ator
Deixa o camarim, um rei
Pisa no palco, aquela mágica
Da qual com freqüência vi a gente dos palcos rir
Copos de cerveja na mão, não ocorre aqui.
Nosso demonstrador da esquina
Não é um sonâmbulo, a quem não se pode tocar. Não é
Um Alto Sacerdote no ofício divino. A qualquer instante
Podem interrompê-lo; ele lhes responderá
Com toda a calma e prosseguirá
Quando lhes tiverem falado
Sua apresentação.
Mas não digam vocês: o homem
Não é um artista. Erguendo uma tal divisória
Entre vocês e o mundo, apenas se lançam
Fora do mundo. Negasse ser ele
Um artista, poderia ele negar
Que fossem homens, e isto
Seria uma censura maior. Digam antes:
Ele é um artista, porque é um homem. Podemos
Fazer mais perfeitamente o que ele faz, e ser
Por isso festejados, mas o que fazemos
É algo universal, humano, a cada hora praticado
No burburinho das ruas, para o homem tão bom
Quanto respirar e comer.
Assim o seu teatro
Leva de volta às questões práticas. Nossas máscaras, digam
Nada são de especial, enquanto forem somente máscaras:
Ali o vendedor de xales
Põe o chapéu redondo de sedutor
Segura uma bengala, até um bigode
Cola sob o nariz, e atrás do seu balcão
Dá uns passos alegre
Indicando a vantajosa mudança que
Através de xales, bigodes e chapéus
Logram os homens. E nossos versos, digam,
Vocês também possuem: os vendedores de jornais
Gritam as manchetes em cadências, e assim
Intensificam o efeito e tornam mais fácil
A repetição constante! Nós
Falamos textos alheios, mas os namorados
Os vendedores também aprendem textos alheios, e com
que freqüência
Todos vocês citam ditados! Assim
Máscara, verso e citação tornam-se comuns, mais incomuns
A máscara vista com grandeza, o verso falado bonito
E a citação apropriada.
Mas para que nos entendamos: mesmo se aperfeiçoassem
O que faz o homem da esquina, vocês fariam menos
Do que ele, se o seu teatro fizessem
Menos rico de sentido, de menor ressonância
Na vida do espectador, porque pobre de motivos e
Menos útil.
SOBRE A IMITAÇÃO
O que apenas imita, que nada tem a dizer
Sobre aquilo que imita, semelha
Um pobre chimpanzé que imita seu treinador fumando
E nisso não fuma. Pois nunca
A imitação irrefletida
Será uma verdadeira imitação.
[...]
A ATUAÇÃO DE H.W.
Se bem que ela mostrasse
Tudo necessário para se compreender
Uma mulher de pescador, não se transformou inteiramente
Nesta mulher de pescador, mas sim
Como se a ocupasse também a reflexão
Como se perguntasse continuamente: como foi mesmo?
Ainda que nem sempre se pudesse
Descobrir os seus pensamentos
Sobre a mulher do pescador, ela mostrava
Que os tinha, e convidava
A pensá-los.
[...]
CANÇÃO DO ESCRITOR DE PEÇAS
Eu sou o escritor de peças. Eu mostro
Aquilo que vi. Nos mercados dos homens
Eu vi como o homem é tratado, Isto
Eu mostro, eu, o escritor de peças
Como entram uns nas casas dos outros, com planos
Ou com cassetetes ou com dinheiro
Como ficam nas ruas e esperam
Como preparam armadilhas uns para os outros
Cheios de esperança
Como marcam encontros
Como enforcam uns aos outros
Como se amam
Como defendem seus desejos
Como comem
Isto eu mostro.
As palavras que gritam uns aos outros, eu as registro.
O que a mãe diz ao filho
O que o empresário ordena ao empregado
O que a mulher responde ao marido
Todas as palavras corteses, as dominadoras
As suplicantes, as equívocas
As mentirosas, as inscientes
As belas, as ferinas
Todas eu registro.
Vejo tempestades de neve que se anunciam
Vejo terremotos que se aproximam
Vejo montanhas no meio do caminho
E vejo rios transbordando.
Mas as tempestades têm dinheiro na carteira
As montanhas desceram de automóveis
E os rios revoltos controlam policiais.
Isto eu revelo.
Para poder mostrar o que vejo
Leio as representações de outros povos e outras épocas.
Algumas peças adaptei, examinando
Com precisão e respectiva técnica, absorvendo
O que me convinha.
Estudei as representações das grandes figuras feudais
Pelos ingleses, ricos indivíduos
Aos quais o mundo servia para desenvolver a grandeza.
Estudei os espanhóis moralizadores
Os indianos, mestres das sensações belas
E os chineses, que retratam as famílias
E os destinos multicores encontrados nas cidades.
E tão rapidamente mudou em meu tempo
A aparência das casas e das cidades, que partir por dois anos
E retornar foi como uma viagem a outra cidade
E as pessoas em grande número mudaram a aparência
Em poucos anos. Eu vi
Trabalhadores adentrarem os portões da fábrica, e os portões eram altos
Mas ao saírem tinham de se curvar.
Então disse a mim mesmo:
Tudo se transforma e é próprio apenas de seu tempo.
Portanto dei a cada cenário seu emblema
E em cada fábrica e cada edifício gravei em fogo o seu ano
Como os pastores gravam números no gado, para que seja
reconhecido.
E também às frases que lá eram faladas
Dei-lhes seu emblema, para que se tornassem como as
sentenças
Dos homens efêmeros, que são registradas
Para não serem esquecidas.
O que a mulher em avental de trabalho disse
Nesses anos, debruçada sobre os panfletos
E como os homens de bolsa falaram com seus empregados
Ontem, chapéus como o sinal de impermanência
De seu ano.
Tudo entreguei ao assombro
Mesmo o mais familiar.
Que uma mãe deu o peito ao filho
Isto relatei como algo em que ninguém acreditará.
Que o porteiro bateu a porta ao homem morrendo de frio
Como algo que ninguém jamais viu.
MEU ESPECTADOR
Recentemente encontrei meu espectador.
Na rua poeirenta
Ele segurava nas mãos uma máquina britadeira.
Por um segundo
Levantou o olhar. Então abri rapidamente meu teatro
Entre as casas. Ele
Olhou expectante.
Na cantina
Encontrei-o de novo. De pé no balcão.
Coberto de suor, bebia. Na mão
Uma fatia de pão. Abri rapidamente meu teatro. Ele
Olhou maravilhado.
Hoje
Tive novamente a sorte. Diante da estação
Eu o vi, empurrando por coronhas de fuzis
Sob o som de tambores, para guerra.
No meio da multidão
Abri meu teatro. Sobre os ombros
Ele olhou:
Acenou com a cabeça.
[...]
PROCURA DO VELHO E DO NOVO
Quando lerem seus papéis
Pesquisando, dispostos ao assombro
Procurem o Velho e o Novo, pois nosso tempo
E o tempo de nossos filhos
É o tempo das lutas do Novo com o Velho
A astúcia da Velha trabalhadora
Que toma ao professor seu saber
Como um fardo pesado demais, é nova
E deve ser mostrada como Novo. E velho
É o medo dos trabalhadores, durante a guerra
Ser mostrado como Velho. Mas
Como diz o povo: na mudança de lua
A lua nova segura a lua velha
Uma noite inteira nos braços. A hesitação dos receosos
Anuncia o novo tempo. Sempre
Determinem o Já e o Ainda!
As lutas das classes
As lutas entre o Velho e o Novo
Ocorrem também dentro de cada um
A disposição de ensinar do professor:
O irmão não vê, um estranho vê.
Examinem todas as ações e emoções de seus personagens
Na busca de Velho e Novo!
As esperanças da mercadora Coragem
São fatais para seus filhos; mas o desespero
Da muda com a guerra
Pertence ao Novo. Seus movimentos desamparados
Ao arrastar o tambor salvador para o telhado
A grande ajuda, devem enchê-los
De orgulho: a energia
Da mercadora que não aprende, de compaixão
Lendo seus papéis
Pesquisando, dispostos ao assombro
Alegrem-se com o Novo, envergonhem-se do Velho!
FACILIDADE
Vejam só a facilidade
Com que o rio poderoso
Rompe as barragens!
O terremoto
Com mão indolente
Sacode o chão.
O fogo terrível
Toma com graça
A cidade de mil casas
E a devora com gosto:
Um comilão treinado.
O LADRÃO DE CEREJAS
Bem cedo numa manhã, antes do grito do galo
Fui acordado por um assovio e andei até a janela.
Em minha cerejeira — a alvorada tomava o jardim —
Estava sentado um jovem de calça remendada
Que colhia alegremente minhas cerejas. Ao me ver
Acenou com a cabeça. Com ambas as mãos
Tirava as cerejas dos ramos e punha nos bolsos.
Ainda por um bom tempo, novamente deitado
Ouviu-o assoviar sua alegre cançãozinha.
[...]
5
Encontro-me na pequena ilha de Lidingö.
Mas há pouco tempo
Tive um pesadelo, sonhei que estava em uma cidade
E descobria que as inscrições das ruas
Eram em alemão. Molhado de suor
Acordei, vi o pinheiro negro diante da janela
E com alívio percebi:
Eu estava num país estrangeiro.
6
Meu filho pequeno me pergunta: devo aprender
matemática?
Para quê, penso em dizer. Que dois pedaços de pão são
mais do que um
Você logo notará.
Meu filho pequeno me pergunta: devo aprender francês?
Para quê, penso em dizer. Esse império está no fim. E
Basta você esfregar a mão na barriga e gemer:
Logo lhe compreenderão.
Meu filho pequeno me pergunta: devo aprender história?
Para quê, penso em dizer. Aprenda a enfiar sua cabeça na terra
Talvez então você escape.
Sim, aprenda matemática, digo
Aprenda francês, aprenda história!
7
Junto à parede pintada de branco
Está a maleta preta com os manuscritos.
Sobre ela, os utensílios de fumar e os cinzeiros de cobre.
A tela de linha chinesa, mostrando o Cético
Está acima dela. Também as máscaras estão aí. E ao lado da cama
Está o pequeno rádio de seis válvulas.
De manhã cedo
Viro o botão e ouço
Os anúncios de vitória de meus inimigos.
8
Fugindo de meus conterrâneos
Cheguei agora à Finlândia.
Amigos que ontem não conhecia
Dispuseram camas em quartos limpos. No rádio
Ouço os anúncios de vitória da escória. Curioso
Observo o mapa do continente. Lá em cima, na Lapônia
Na direção do Mar Ártico
Vejo ainda uma pequena porta.
AO PEQUENO APARELHO DE RÁDIO
Você, pequena caixa que trouxe comigo
Cuidando que suas válvulas não quebrassem
Ao correr do barco ao trem, do trem ao abrigo
Para ouvir o que meus inimigos falassem
Junto a meu leito, para minha dor atroz
No fim da noite, de manhã bem cedo
Lembrando as suas vitórias e o medo:
Prometera jamais perder a voz!
Fugindo do pintor, rumo aos Estados Unidos
Notamos de repente que nosso pequeno navio não se movia.
Toda uma noite e um dia inteiro
Permaneceu na altura de Luzon, no Mar da China.
Alguns diziam ser devido a um tufão que rugia no norte
Outros temiam barcos piratas alemães.
Todos
Preferiam o tufão aos alemães.
APÓS A MORTE DE MINHA COLABORADORA M.S.
1
No nono ano da fuga de Hitler
Exausta das viagens
Do frio e da fome na Finlândia invernal
E da espera por um passaporte para outro continente
Morreu nossa camarada Steffin
Na vermelha cidade de Moscou.
2
Meu general caiu
Meu soldado caiu
Meu aluno partiu
Meu mestre partiu
Meu protetor se foi
Meu protegido se foi.
3
A situação estando pior, a morte não muito inflexível
Mostrando-me indiferente os cinco lóbulos destruídos do pulmão
Incapaz de lhe imaginar uma vida somente com o sexto
Juntei rapidamente 500 afazeres
Coisas a serem resolvidas imediatamente e amanhã, no ano que vem
E em sete anos a partir de agora
Fiz incontáveis perguntas, decisivas
Somente por ela respondíveis
E assim solicitada
Mais fácil lhe foi morrer.
4
Pensando em minha pequenina mestra
Nos seus olhos, no irado fogo azul
E na sua velha túnica com o grande capuz
E a larga bainha, batizei
Órion, no céu, de constelação Steffin.
Ao levantar a vista e observá-la, balançando a cabeça
Ouço por vezes uma leve tosse.
5
Os Destroços
Aí está a caixa de madeira com as notas para a
construção das peças
Aí estão as facas bávaras, e a escrivaninha
Aí está o quadro negro, aí estão as máscaras
Aí está o pequeno emissor e a maleta de soldado
Aí está a resposta, mas ninguém que pergunta
Bem alta sobre o jardim
A constelação Steffin.
6
Após a morte de minha colaboradora M.S.
Desde que você morreu, pequena professora
Ando a esmo, sem descanso e sem visão
Pasmo, num mundo cinza
Sem ocupação, como alguém dispensado.
Proibida
É minha entrada na oficina, como
A todos os estrangeiros.
As ruas e os passeios
Agora vejo em horas diferentes, e assim
Mal os reconheço.
Para casa
Não posso ir: envergonho-me
De estar dispensado e
Em desgraça.
SOBRE O SUICÍDIO DO REFUGIADO W.B
Soube que você levantou a mão contra si mesmo
Antecipando assim o algoz.
Oito anos banido, vendo a ascensão do inimigo
Por fim acuado numa fronteira intransponível
Você transpôs a que pareceu transponível.
Reinos desmoronam. Chefes de bandos
Andam como estadistas. Já não enxergamos
Os povos sob os armamentos.
O futuro está em trevas, e as forças boas
São fracas. Tudo isso você viu
Ao destruir o corpo sofrido.
(N.V.P: Walter Benjamin e seu suicídio fugindo, já na Catalunya)
Na Polônia, no ano de trinta e Nove
Houve uma luta cruel
Que transformou cidades em cinzas
Em cor de chumbo o azul do céu.
A mulher perdeu o marido
A irmã despediu-se do irmão
Os pais deram falta dos filhos
Em meio ao fogo e à destruição.
Da Polônia nada mais veio
Nem carta nem relatório.
Mas nos países vizinhos
Corre uma estranha estória.
A neve caía quando contaram
Numa cidade do leste europeu
Sobre uma cruzada de crianças
Que na Polônia aconteceu.
Por lá vagavam meninos
Famintos pelas calçadas
E a eles juntavam-se outros
Vindos de aldeias arrasadas.
Queriam escapar à chacina
A todo aquele pesadelo
E alcançar um dia um lugar
Onde a vida não fosse um flagelo.
E logo um pequeno líder
Entre eles aparecia.
Para ele o grande problema
Era o caminho, que não sabia.
Uma garota levava um bebê
De dois ou três anos, não mais
Tinha o carinho de uma mãe
Faltava uma terra onde houvesse paz.
Um pequeno judeu num bonito
Casaco com gola de veludo
Habituado a comer pão do mais branco
Marchava junto, aguentando tudo.
E um magro, de cabelos louros
Ficava pra trás, não dava na vista
Carregava uma culpa bem grande:
Vinha de uma embaixada nazista.
Havia também um cachorro
Levado para servir de jantar
Que passou a ser mais uma boca:
Não tinha coragem de matar.
E uma escola chegaram a criar
A professora sendo a mais crescida
No flanco de um tanque arruinado
Um aluno escreveu a palavra vida.
Houve também um romance
Ela com doze, ele quinze.
Num sítio abandonado
Eles se amam não fingem.
Mas o amor não podia ser.
Inverno não é tempo de amora.
Como podem os brotos florescer
Com a neve caindo lá fora?
Houve também, um enterro
De um garoto bem-trajado.
Por alemães e poloneses
Seu caixão foi carregado.
Protestantes, nazistas, católicos
Juntos o entregaram à terra
E um pequeno comunista falou
Rezando pelo fim da guerra.
Ele tinham fé e esperança
Só não tinham o que pôr na barriga
E ninguém censure, se roubaram
De quem não lhes dava abrigo.
E ninguém censure o pobre homem
Que não os convidou para a mesa.
Para alimentar cinquenta é preciso
Mais que coração, riqueza.
Eles buscavam rumar para o sul
Onde o sol brilha duradouro
E fica no meio do céu
Como uma bola de ouro.
Acharam um dia um soldado
Ferido no bosque, sozinho.
Dele cuidaram uma semana
Dele aprenderam o caminho.
Vão para Bilgoray, disse ele.
A febre o fazia delirar
Deixou-os no oitavo dia
Também ele foi preciso enterrar.
E viram placas nas estradas
Embora de neve cobertas
Mas estavam todas trocadas
As direções não eram certas.
Não era por simples brincadeira
Que os homens do exército as trocavam.
Mas os meninos nada sabiam
E Bilgoray não encontravam.
Pararam em volta do líder
Que sondava o horizonte
E apontando com o dedo falou:
Deve ser além do monte.
Uma noite viram fogos
Luzindo ao pé de um rochedo
E viram tanques passando:
Afastaram-se com medo.
Ao deparar com uma cidade
Fizeram uma grande curva.
Até que ficasse para trás
Andaram somente na noite turva.
Onde fora o sul da Polônia
Sob uma tempestade forte
Foram vistos pela última vez
Abandonados à própria sorte.
Se fecho os olhos um instante
Já os tenho na imagem
De uma devastação a outra
Errando pela paisagem.
Acima deles, nas nuvens
Vejo outros cortejos, monstruosos!
Arrastando-se no vento frio
Pequenos seres desterrados, andrajosos.
Buscando um país de paz
Sem trovão, sem chuva de fogo
Diferente do que ficara pra trás
Nele esperam chegar dentro em pouco.
Essas hostes não param de crescer
E me parecem mudar, na luz do poente:
Outros rostos creio reconhecer
Franceses, espanhóis, orientais: gente.
Na polônia, naquele ano
Um cão foi encontrado
Que no pescoço magro trazia
Um pedaço de couro amarrado.
Nele se lia: Socorro, por favor!
Estamos perdidos, sem esperanças.
O cachorro mostrará o caminho
Somos cinquenta e cinco crianças.
Se não puderem vir
Não lhes façam mal
Não o matem, pois
Só ele sabe o local.
Camponeses leram a mensagem.
O escrito não tinha nome.
Desde então dois anos passaram
O cachorro morreu de fome.
REFLETINDO SOBRE O INFERNO
Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno
Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar
Mais ou menos semelhante a Londres. Eu
Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles
Acho, refletindo sobre o inferno. que ele deve
Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles.
Também no inferno
Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes
Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem
Sem demora, se não são molhadas com água muito cara. E mercados de frutas
Com verdadeiros montes de frutos, no entanto
Sem cheiro nem sabor. E intermináveis filas de carros
Mais leves que suas próprias sombras, mais rápidos
Que pensamentos tolos, automóveis reluzentes, nos quais
Gente rosada, vindo de lugar nenhum, vai a nenhum lugar.
E casas construídas para pessoas felizes, portanto vazias
Mesmo quando habitadas.
Também as casas do inferno não são todas feias.
Mas a preocupação de serem lançados na rua
Consome os moradores das mansões não menos que
Os moradores dos barracos.
AMIGOS EM TODA PARTE
Os trabalhadores filandeses
Deram-lhe cama e uma escrivaninha
Os escritores da União Soviética levaram-no ao navio
E um tintureiro judeu de Los Angeles
Enviou-lhe um terno: o inimigo dos algozes
Encontrou amigos.
CANTAR DE MÃE ALEMÃ
Meu filho, esse par de botas
E essa camisa marrom eu te dei
Mas teria antes me matado
Se soubesse o que hoje sei.
Meu filho, ao te ver erguer
A mão pra Hitler em saudação
Não sabia que o teu destino
Seria a própria danação.
Meu filho, ao te ver marchar
Atrás do Hitler em coorte
Não sabia que quem com ele partia
Nada acharia senão a morte.
Meu filho, tu dizias: a Alemanha
Em breve será motivo de assombro.
Eu não sabia que ela se tornaria
Um monte de cinzas e escombros.
Vi a camisa marrom te vestir
Não me opor foi minha falha
Pois não sabia o que hoje sei:
Que ela era a tua mortalha.
AS NOVAS ERAS
As novas eras não começam de uma vez
Meu avô já vivia no novo tempo
Meu neto viverá talvez ainda no velho.
A nova carne é comida com os velhos garfos.
Os carros automotores não havia
Nem os tanques
Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia
Nem os bombardeiros.
Das novas antenas vêm as velhas tolices.
A sabedoria é transmitida de boca em boca.
REGRESSO
A cidade natal, como a encontrei ainda?
Seguindo os enxames de bombardeiros
Volto para casa.
Mas onde está ela? Lá onde sobem
Imensos montes de fumaça.
Aquilo no meio do fogo
É ela.
A cidade natal, coo me receberá?
À minha frente vão os bombardeiros. Enxames mortais
Vos anunciam meu regresso. Incêndios
Precedem o filho.
REGAR O JARDIM
Regar o jardim, para animar o verde!
Dar água às plantas sedentas! Dê mais que o bastante.
E não esqueça os arbustos, também
Os sem frutos, os exaustos
E avaros! E não negligencie
As ervas entre as flores, que também
Têm sede. Nem molhe apenas
A relva fresca ou somente a ressecada:
Refresque também o solo nu.
ROMPER DO DIA
Não em vão
O romper de cada novo dia
É introduzido pelo cantar do galo
Anunciando desde sempre
Uma traição.
Na manhã do novo dia, ainda na aurora
Os abutres se levantarão em negras nuvens
Em costas distantes
Em voo silente
Em nome da ordem.
SOBRE COISAS LIDAS
(Horácio. Epístolas, II, 1)
1
Cuidado, vocês
Que catam o Hitler! Eu
Que vi os desfiles de Maio e Outubro
Na Praça Vermelha, e as inscrições
Nas faixas, e na costa do Pacífico
Na bigway Roosevelt, os trovejantes
Comboios de petróleo, e as carretas com
Tantos carros amontoados, sei
Que ele logo morrerá, e ao morrer
Terá sobrevivido à sua fama, mas
Tivesse mesmo tornado a terra
Inabitável, ao conquistá-la
Canção alguma que o celebrasse
Permaneceria. É verdade que
O grito de dor, também dos continentes
Morre depressa demais para sufocar
O elogio do carrasco. É verdade que
Também os que cantam a iniquidade
Têm vozes melodiosas. No entanto
O canto do cisne que morre é o mais belo: ele
Canta sem medo.
No pequeno jardim de Santa Mônica
Leio sob a pimenteira
Leio em Horácio sobre um certo Vário
Que celebrava Augusto, isto é, o que a sorte seus generais
E a corrupção dos romanos por ele fizeram. Apenas fragmentos
Copiados na obra de um outro, atestam
Grande arte do verso. Ela não compensava
O esforço de copiar longamente.
2
Com prazer leio
Como Horácio ligou a origem do verso saturnino
Àquelas farsas camponesas que
Não poupavam as grandes famílias, até que
A polícia proibiu canções maldosas,
Obrigando assim os insultadores
A desenvolver arte mais nobre
A insultar com versos mais sutis. Ao menos assim
Compreendo esta passagem.
À NOTÍCIA DA DOENÇA
DE UM PODEROSO ESTADISTA
Se o homem indispensável franze a testa
Oscilam dois impérios.
Se o homem indispensável morre
O mundo olha em volta, como uma mãe sem leite para o filho.
Se o homem indispensável retornasse uma semana após
a sua morte
Não se encontraria para ele, em todo o império, sequer
uma vaga de porteiro.
TOMAR LUGAR À MESA
Toma lugar à mesa, não a preparaste?
A partir de hoje também usará o vestido aquela que o costurou.
Hoje, às doze horas do meio-dia
Começa a idade de ouro.
Nós a iniciamos por considerar
Que estais cansados de construir casas e
Nelas não morar. Achamos que
Agora quereis comer o pão que cozinhastes.
Mãe, teu filho deve comer.
A guerra foi cancelada. Pensamos
Que gostarias assim. Por que, perguntamo-nos
Adiar mais ainda a idade de ouro?
Não vivemos para sempre.
Ouve, nós te chamarmos de volta. Expulso,
Agora deves retornar. Da terra
Onde uma vez correram leite e mel
Foste expulso. És chamado de volta
À terra destruída. E nada mais
Temos a oferecer, senão
Que precisamos de ti.
Pobre ou rico
Doente ou são
Esquece tudo
E vem.
* P.L.: Peter Lorre. (N. do T.)