(...) Quando se descobriu a roda a fim de permitir a continuidade do movimento sobre o solo — não poderia alguém ter dito com certa razão: e agora, além do mais, ainda é redondo e tem forma de roda? Todas as grandes conquistas no domínio das formas não se deram afinal assim, como descobertas técnicas? Começamos apenas recentemente a adivinhar quais formas, que se tomarão determinantes para nossa época, estão ocultas nas máquinas. O quanto no início a velha forma do meio de produção domina sua forma nova ... é demonstrado de maneira talvez mais cabal pela locomotiva que foi experimentada antes da descoberta da locomotiva atual: com efeito, assim como um cavalo, possuía dois pés que eram erguidos um após o outro. Apenas após um melhor desenvolvimento da mecânica e a acumulação de experiências práticas, a forma é inteiramente determinada pelo princípio mecânico, libertando-se de vez da forma corpórea tradicional da ferramenta, que se transmuda em máquina.” (Neste sentido, por exemplo, também na arquitetura o suporte e o peso são “formas corpóreas”.) O trecho encontra-se em Marx, Das Kapital, vol. I, Hamburgo, 1922,
p. 347, nota.
[F 2a, 5]
[...]
(...) Assim, A.Gordon, em A Treatise in Elementary Locomotion, queria fazer rodar os “carros a vapor” — como se dizia na época — sobre estradas de granito. Não se acreditava ser possível produzir ferro suficiente para as linhas férreas, então ainda projetadas em escala bem reduzida.
[F 3, 4]
É preciso observar que as perspectivas grandiosas que as novas construções em ferro ofereciam sobre as cidades — exemplos excelentes encontram-se em Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig e Berlim, 1928, nas ilustrações 61-63 da ponte de Marselha, a Pont Transbordem — estavam reservadas exclusivamente e por muito tempo aos operários e engenheiros. ■ Marxismo ■ Pois, quem além do engenheiro e do proletário galgava então os degraus que permitiam divisar pela primeira vez o novo, o decisivo: a sensação espacial dessas construções?
[F 3, 5]
Em 1791, surge na França a designação “engenheiro” (ingénieur) para os oficiais da arte das fortificações e do assédio. “E nessa mesma época, no mesmo país, começou a manifestar-se de maneira consciente, e logo com o tom de polêmica pessoal, a oposição entre construção’ e ‘arquitetura’. Isto não existiu absolutamente no passado... Entretanto, nos inúmeros ensaios estéticos, que reconduziram a arte francesa a caminhos regulares após as tempestades da revolução, ... os constructeurs se confrontaram com os décorateurs, e imediatamente colocou-se a questão se os ingénieurs, como seus aliados, não deveriam também ocupar socialmente o mesmo campo.” A. G. Meyer, Eisenbauten , Esslingen, 1907, p. 3.
[F 3, 6]
“A técnica da arquitetura de pedra é a estereotomia, a da madeira é a tectônica. O que tem a construção em ferro em comum com esta e com aquela?” Alfred Gotthold Meyer: Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 5. “Na pedra, sentimos o espírito natural da massa. O ferro para nós é apenas resistência e tenacidade artificialmente comprimidas.” Op. cit., p. 9. “O ferro possui uma resistência quarenta vezes maior que a da pedra e dez vezes maior que a da madeira; seu peso específico, contudo, é apenas quatro vezes maior que o da pedra e oito vezes maior que o da madeira. Um corpo de ferro possui, portanto, em comparação a um igual volume de pedra, com uma massa quatro vezes maior, uma capacidade de carga quarenta vezes maior.” Op. cit., p. 11.
[F 3, 7]
[...]
Estações como “centros de arte”. “Se Wiertz tivesse tido à sua disposição ... os monumentos públicos da civilização moderna: estações ferroviárias, câmaras legislativas, salas de universidade, mercados, prefeituras ... quem poderia dizer que mundo novo, vivo, dramático, pitoresco ele teria projetado sobre sua tela?” A. J. Wiertz, Œuvres Littéraires, Paris, 1870, pp. 525-526.
[F 3a, 3]
O absolutismo técnico que está na base da construção em ferro, em decorrência do próprio material, fica evidente quando nos inteiramos da oposição em que o ferro se encontrava em relação as concepções tradicionais do valor e da utilidade de materiais de construção em geral. “O ferro era visto com uma certa desconfiança, justamente porque não era extraído diretamente da natureza e sim fabricado artificialmente. Esta era apenas uma aplicação particular daquele sentimento geral do Renascimento, que Leo Battista Alberti (De Re
Aedificatoria, Paris, 1512, foi. XLIV) expressa com as seguintes palavras: ‘Nam est quidem cujusquis corporis pars indissolubilior, quae a natura concreta et counita est, quam quae hominum manu et arte conjuncta atque, compacta est.”’Œ8 A. G. Meyer, Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 14.
[F 3a, 4]
(...) No caso do ferro como material de construção isto já é bem evidente, e talvez pela primeira vez. Pois as “formas básicas, nas quais o ferro aparece como material de construção, são ... por si mesmas parcialmente novas como configurações individuais. E sua especificidade é, em grande medida, resultado e expressão das qualidades naturais do material, porque estas foram desenvolvidas e exploradas técnica e cientificamente justamente para estas formas. Em comparação com os materiais de construção conhecidos até então, o objetivo do processo de trabalho, que transforma a matéria-prima em material de construção imediatamente utilizável, inicia-se com o ferro já em um estágio muito anterior. Entre matéria e material existe aqui naturalmente uma outra relação do que entre pedra bruta e pedra lavrada, entre argila e telha, madeira e viga: no caso do ferro, o material e a forma de construção sao por assim dizer mais homogêneos.” A. G. Meyer, Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 23.
[F 3a, 5]
1840-1844. “A construção das fortificações, inspirada por Thiers... Thiers, que pensava que as vias férreas não funcionariam nunca, fez construir portas em Paris, no momento em que a cidade precisava de estações.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 386.
[F 3a, 6]
[...]
A passagem como construção em ferro fica na fronteira do espaço largo (Breitraum). Esta é uma das razões decisivas de sua aparência “antiquada”. Ela ocupa aqui uma posição híbrida, que tem certa analogia com a da igreja barroca: “a cobertura (Halle) em abóbada, que admite até mesmo as capelas apenas como alargamento do seu próprio espaço, mais largo que nunca. Mas também nesta cobertura barroca prevalece a tendência ‘para o alto’, o êxtase dirigido às alturas, como rejubila nos afrescos do teto. Enquanto os espaços das igrejas pretendem servir a algo mais do que para fins de reunião, enquanto querem abrigar a idéia do eterno, o espaço único e contínuo apenas poderá satisfazê-los se a altura superar a largura.” A. G. Meyer, Eisenbauten , p. 74. Inversamente, pode-se dizer que permanece algo de sagrado, um resquício de nave de igreja, nesta fileira de mercadorias que é a passagem. Do ponto de vista funcional, a passagem já se encontra no domínio do espaço largo, porém, do ponto de vista arquitetônico, ainda está no espaço da antiga “cobertura”.
[F 4, 5]
[...]
Formação histórica do espaço largo: “O castelo dos reis da França toma emprestada ao palácio renascentista italiano a ‘galeria’, a qual — como na ‘Galeria de Apoio’ do Louvre ou na ‘Galeria de Espelhos’ de Versalhes — torna-se símbolo da majestade propriamente dita ... / Seu novo cortejo triunfal no século XIX inicia-se, por sua vez, sob o signo da construção puramente utilitária, com pavilhões que servem de depósito e mercado, oficina e fábrica: o lado voltado à arte é determinado pelas estações de trem — e principalmente pelas exposições. E por toda parte a necessidade de um espaço largo contínuo é tão grande que dificilmente serão suficientes a abóbada de pedra e o teto de madeira... Na arquitetura gótica, as paredes crescem em direção ao teto, nos saguões de ferro do tipo ... da Galerie des Machines de Paris, o teto se transforma sem solução de continuidade em paredes.” A. G. Meyer, Eisenbauten, pp. 74-75.
[F 4a. 1]
Nunca a medida do “muito pequeno” teve tanta importância quanto agora. Inclui-se aí também o muito pequeno em quantidade, o “mínimo”. Trata-se de medidas que adquiriram significado para as construções da técnica e da arquitetura muito antes de a literatura se dignar de adaptar-se a elas. Basicamente é a primeira manifestação do princípio de montagem. Sobre a construção da Torre Eiffel: “Aqui a força plástica da imagem silencia em favor de uma enorme tensão de energia espiritual que concentra a energia inorgânica do material nas formas mínimas e mais eficazes, associando-as da maneira mais funcional possível... Cada uma das 12.000 peças de metal é fabricada com exatidão milimétrica, cada um dos 2,5 milhões de arrebites... Neste canteiro de obras não se ouvia nenhum golpe de formão que retira da pedra a sua forma; mesmo ali o pensamento dominava a força muscular, transferindo-a para seguros andaimes e guindastes.” A. G. Meyer, Eisenbauten, p. 93. ■ Precursores ■
[F 4a. 2]
“Haussmann não soube ter o que se poderia chamar de uma política das estações ferroviárias... Apesar de uma declaração do imperador, que havia justamente batizado as estações de novas portas de Paris, o desenvolvimento contínuo das vias férreas surpreendeu todo mundo, ultrapassou as previsões. Não se soube sair do empirismo cotidiano.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 4 19.
[F 4a, 3]
Torre Eiffel. Originalmente saudada por um protesto unânime, eia continuou sendo bastante feia, mas foi útil ao estudo da telegrafia sem fio... Disseram que essa Exposição havia marcado o triunfo da construção em ferro. Seria mais justo dizer que marcou sua falência.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, pp. 461-462.
[F 4a,4]
Por volta de 1878, acreditou-se encontrar a salvação na arquitetura em ferro; as aspirações verticais, como diz o Sr. Salomon Reinach, a predominância dos vazios sobre os cheios e a leveza da ossatura aparente fizeram esperar que nascesse um estilo que reviveria o essencial do gênio gótico, rejuvenescido por um espírito e materiais novos. Quando os engenheiros ergueram a Galerie des Machines e a Torre Eiffel, em 1 889, perdeu-se a esperança na arte de ferro. Cedo demais, talvez.” Dubech e D’Espezel, op. cit., p. 464.
[F 4a, 5]
[...]
“O caminho que vai da forma da primeira locomotiva, durante o estilo Império, à sua forma atual, perfeita e objetiva, caracteriza uma evolução.” Joseph Aug. Lux, “Maschinenästhetik”, Die Neue Zeit, XXVII, 2, p. 439, Stuttgart, 1909.
[F 4a, 7]
<fase média>
[...]
(...) (A verificar: se em uma representação alegórica no Cabinet des Estampes, o quebra-cabeça substitui o caleidoscópio ou vice-versa.)
[F 6, 2]
[...]
Victor-Hugo em Notre-Dame de Paris, sobre o prédio da Bolsa de Valores: “Se existe a regra que a arquitetura de um edifício seja adaptada à sua finalidade ... não seria demais maravilhar-se com um monumento que pode ser indiferentemente um palácio de rei, uma câmara dos comuns, uma prefeitura, um colégio, um picadeiro, uma academia, um entreposto, um tribunal, um museu, uma caserna, um sepulcro, um templo, um teatro. Por enquanto ... é uma Bolsa de Valores... E uma Bolsa na França, como teria sido um templo na Grécia... Tem-se esta colunata que circunda o monumento, e sob a qual, nos grandes dias de solenidade religiosa, pode-se desenvolver majestosamente a teoria dos agentes de câmbio e dos corretores de comércio. Trata-se, sem dúvida, de soberbos monumentos. Acrescentemos a eles ruas muito belas, divertidas e variadas, como a Rue de Rivoli, e não posso deixar de esperar que Paris, vista de um balão, apresente um dia ... esta riqueza de linhas, ... esta diversidade de aspectos, este não sei quê ... de inesperado no belo, que caracteriza um tabuleiro de xadrez.” Victor Hugo, Œuvres Complètes, Romances, vol. III, Notre-Dame de Paris, Paris, 1880, pp. 206-207.
[F 6a, 1]
[...]
O engenheiro Alexis Barrault, que construiu o Palácio da Indústria em 1855, juntamente com Viel, era irmão de Emile Barrault.
[F 7a, 2]
Em 1779, foi construída a primeira ponte de ferro fundido (de Coalbrookdale); em 1788, seu construtor15 é agraciado com a medalha de ouro pela Sociedade Inglesa das Artes. “Como, aliás, foi em 1790 que o arquiteto Louis terminava em Paris o vigamento em ferro forjado do Théâtre-Français, é possível dizer que o centenário das construções em metal coincide quase exatamente com o da Revolução Francesa.” A. de Lapparent, Le Siècle du Fer, Paris, 1890, pp. 11-12.
[F 7a, 3]
Em Paris, no ano de 1822, uma greve dos carpinteiros.
[F 7a, 4]
Sobre o quebra-cabeça chinês, uma litografia: “O Triunfo do caleidoscópio ou o Túmulo do Jogo Chinês.” Um chinês deitado com um quebra-cabeça. Uma figura feminina colocou o pé sobre ele. Numa das mãos, ela carrega um caleidoscópio, na outra um papel ou uma tira com motivos de caleidoscópio. Cabinet des Estampes (datado de 1818).
[F 7a, 5]
“A cabeça gira e o coração aperta quando, pela primeira vez, percorre-se essas casas de fadas nas quais o ferro e o cobre resplandecentes, polidos, parecem valer por si mesmos, parecem pensar, querer, enquanto o homem pálido e fraco é o humilde servidor desses gigantes de aço.” J. Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, p. 82. O autor não teme que a produção mecânica possa prevalecer. Parece-lhe, ao contrário, ser barrada pelo individualismo do consumidor “Cada homem quer agora ser ele mesmo; conseqüentemente, desprezará muitas vezes produtos fabricados em série, sem individualidade que responda à sua.” Ic p. 78.
[F 7a, 6]
<fase tardia>
“VioIlet-le-Duc (1814-1879) mostra que os arquitetos da Idade Média foram também engenheiros e inventores surpreendentes.” Amédée Ozenfant, “La peinture murale, Encyclopédie Française, vol. XVI, Arts et Littératures dans la Société Contemporaine, tomo I, p. 70, col. 3.
[F 8, 1]
[...]
“Foi em 1783, na construção do Théâtre-Français, que o ferro foi empregado pela primeira vez em grandes dimensões, pelo arquiteto Louis. Talvez nunca se tenha repetido um trabalho tão audacioso. Quando, em 1900, o teatro foi reconstruído depois de um incêndio, utilizou-se para a mesma cobertura um peso de ferro cem vezes superior ao do arquiteto Louis. A construção em ferro propiciou uma série de edifícios, dos quais a Grande Sala de Leitura da Biblioteca Nacional de Labrouste é o primeiro e um dos melhores exemplos... Mas o ferro necessita de uma manutenção dispendiosa... A Exposição de 1889 foi o triunfo do ferro aparente...; na Exposição de 1900, quase todas as armações em ferro estavam recobertas de estafe.” L’Encyclopédie Française, vol. XVI, 16-68, pp. 6-7. (Aususte Perret, “Les besoins collectifs et l’architecture”).
[F 8, 4]
O “triunfo do ferro aparente” na era do gênero: “Pode se compreender ... a partir do entusiasmo pela técnica das máquinas e da crença na solidez inigualável de seus materiais o fato de que o atributo ‘de bronze’ ou ‘de ferro’ aparece por roda parte ... toda vez que se quer enfatizar a força e a necessidade: de bronze são as leis da natureza, como mais tarde o ‘passo dos batalhões de operários’; ‘de ferro’ é a unificação do Império Alemão ... e de ferro’ é o próprio chanceler.” Dolf Stemberger, Panorama, Hamburgo, 1938, p. 31.16
8 “Pois em cada substância existe uma parte que é confeccionada e reunida pela natureza e que é mais indissolúvel que a que é produzida e reunida pela mão e pela arte do homem.” (w.b.)
15 A ponte de Coalbrookdale, no Shropshire, foi construída em 1779 por T. F. Pritchard. (J.L.)
16 D. Stemberger, Panorama oder Ansichten vom 19. Jahrhundert. Ver a resenha deste livro por Benjamin, GS III, pp. 572-579. (J.L.)
BENJAMIN, Walter (1892-1940). Passagens / Das Passagen-Werk / Walter Benjamin;
edição alemã de Rolf Tiedemann; organização da edição brasileira Willi
Bolle; colaboração na organização da edição brasileira Olgária Chain
Féres Matos; tradução do alemão Irene Aron; tradução do francês Cleonice
Paes Barreto Mourão; revisão técnica Patrícia de Freitas Camargo;
pósfácios Willie Bolle e Olgária Chain Féres Matos; introdução à edição alemã (1982) Rolf Tiedemann. — Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.