• tacet: 02/2025

    27.2.25

    beethoven/Op2 No2/continua

    Beethoven, Ludwig van. Sonatas for pianoforte solo. Ludwig van Beethoven. (Casella). First Volume. Sonate per Pianoforte  Op2 N2. Italie: G.Ricordi&Co (London), MCMXX.


     

     

    Beethoven, Ludwig van. Sonate pour piano no2 en la majeur, Op2 No2. Ludwig van Beethoven. Eric Heldsieck piano. France: EMI, 1970.

    long the/CineSesc/Lost Highway/A Estrada Perdida/David Lynch

    LYNCH, David (1946-2025). Lost Highway / A Estrada Perdida / David Lynch / roteiro David Lynch; com Bill Pullman; Patricia Arquette; Robert Blake; Balthazar Getty; Jack Nance; Scott Coffey; Jack Nance; Marilyn Manson; Richard Pryor; Jeordie White; trilha Angelo Badalamenti. EUA-França, 1997.

    Antes do Mulholland Drive, achava o melhor filme do David Lynch. Depois, fica sempre uma dúvida. O duplo, o fim no começo, duplos, &c.

    /riverrun, past Eve and Adams, from swerve of shore to bend

    26.2.25

    Somna • Becky Cloonan e Tula Lotay

    Ambientada no cenário sombrio das caças às bruxas em uma pacata vila inglesa do século XVII, Somna acompanha a jornada de uma mulher que encontra na sensualidade uma fuga libertadora das rígidas amarras de um mundo puritano.

    Das mentes brilhantes de Becky Cloonan e Tula Lotay surge uma mistura hipnotizante de história, erotismo e sobrenatural. Somna é uma obra-prima evocativa, inspirada em clássicos cinematográficos do folk horror como The Wicker Man (1973), The Blood on Satan's Claw (1971), Witchfinder General (1968), Night of the Demon (1957), Crowhaven Farm(1970), The Dark Secret of Harvest Home (1978), Children of the Corn (1984), The Blair Witch Project (1999), Wisconsin Death Trip (1999), Satan's Slave (1980), Mystics in Bali (1981), A Bruxa, Midsommar, sem falar em tantos que passavam na Seção Dupla do Comodoro, do Carlos Reichenbach (The Wicker Man mesmo, com o grande Christopher Lee, que passou logo antes de Eraserhead, que assisti ontem mesmo, no mesmo cinema, com o retrato do Carlão na porta). Prepare-se para ser transportado a um universo onde paixão e forças espirituais se entrelaçam, despertando seus sentidos e deixando você ansioso por mais.

    Vencedora do Prêmio Eisner 2024 de Melhor Nova Série, esta edição edição tem acabamento de luxo, com formato grande, capa dura com verniz localizado, 168 páginas em cores, impressas em papel couchê de alta gramatura. Impróprio para menores de 18 anos.

    Becky Cloonan nasceu em Pisa, Itália, em 1980. Reconhecida como uma das principais quadrinistas de sua geração, ganhou destaque ao colaborar com Brian Wood na série Demo, indicada a dois Prêmios Eisner em 2005. Foi a primeira mulher a desenhar o título principal do Batman em 2012, consolidando sua posição na indústria. Entre seus trabalhos mais notáveis estão Gotham Academy, para a DC Comics, e The True Lives of the Fabulous Killjoys, criado ao lado de Gerard Way. Cloonan também se destaca como artista de capas, com contribuições para editoras como Marvel, Image e DC Comics. Em 2024, conquistou o Eisner de Melhor Nova Série por Somna, em parceria com Tula Lotay.

    Tula Lotay (Lisa Wood) nasceu em Yorkshire, Inglaterra, em 1975. Especializada em quadrinhos e ilustração editorial, é conhecida por seus trabalhos como artista principal em Bodies, All-Star Batman, Supreme Blue Rose e Scarlet Witch. Além disso, é uma prolífica artista de capas, colaborando regularmente com editoras como Marvel, DC, Image e Boom! Studios. Suas contribuições incluem capas para séries como Catwoman, The Walking Dead, Faithless e Bloodshot Reborn. Em 2023, conquistou o prêmio Eisner de Melhor Quadrinho Digital por Barnstormers, criado em parceria com Scott Snyder. No ano seguinte, recebeu outro Eisner, desta vez na categoria de Melhor Nova Série, pelo trabalho em Somna, realizado ao lado de Becky Cloonan.

    Capa dura
    Formato 21 x 27 cm
    168 páginas
    ISBN 9786501299600
    edição: Ferréz e Thiago Ferreira

    24.2.25

    CineSesc/Eraserhead/David Lynch

    LYNCH, David (1946-2025). Eraserhead / David Lynch / roteiro David Lynch; com Jack Nance; Jeanne Bates; Jack Fisk. EUA, 1977.

    lembro uma vez, virada de século, que alunos (de cinema) iam fazer uma mostra de Lynch na faculdade. De última hora, como não conseguiram Eraserhead, pediram a minha fita cassete para exibir (não existia ainda em DVD). Ou a Seção Dupla do Comodoro, onde ele passou (depois do The Wicker Man 1973), entre tantas exibições interessantes desse importante filme da meia-noite.

    CineSesc/Blue Velvet/Veludo Azul/David Lynch

    LYNCH, David (1946-2025). Blue Velvet / Veludo Azul / David Lynch / roteiro David Lynch; com Isabella Rossellini; Kyle MacLachlan; Dennis Hopper; Laura Dern; Dean Stockwell; Angelo Badalamenti; Jack Nance; Brad Dourif; trilha Angelo Badalamenti. EUA, 1986.

    Kenneth Anger (1) + Dennis Hopper (3) + Jodorowsky (2) + Hollywood 80’s + Hitchcock + Lynch = Blue Velvet

    23.2.25

    CineSesc/Mulholland Drive/Cidade dos Sonhos/David Lynch

    LYNCH, David (1946-2025). Mulholland Drive / Cidade dos Sonhos / David Lynch / roteiro David Lynch; com Naomi Watts; Laura Harring; Justin Theroux; Angelo Badalamenti; Michael J. Anderson; Monty Montgomery; Jeanne Bates; trilha Angelo Badalamenti. – França-EUA, 2001.

    talvez o melhor filme de Lynch.

    22.2.25

    Amir Khusru (Abu'l Hasan Yamīn ud-Dīn Khusrau, Amīr Khusrau, Amir Khusrow ou Amir Khusro)/O jardim e a primavera: a história dos quatro dervixes/The Tale of the Four Dervishes/ قصۀ چهار درویش/Qissa-ye Chahār Darvēsh/The Story of Four Dervishes/ Bāgh-o Bahār/ باغ و بہار, /Garden and Spring/continua

    Prefácio à edição brasileira

    Nasrudin passava todos os dias por uma fronteira com seu burro carregado de caixas, objetos e muitos outros pertences dos mais variados tipos. Como neste lugar era bastante freqüente a prática do contrabando, os guardas da fronteira tornaram-se especialistas em descobrir esconderijos e flagrar os contraventores. Certos de que com Nasruddin não seria diferente, a cada dia examinavam exaustivamente a bagagem de seu burro; reviravam sua carga, desmontavam peça por peça, mas nunca acharam nada que pudesse ser classificado como contrabando. Depois de muito tempo de pesquisa ineficiente e infrutífera, resolveram perguntar a Nasruddin qual era, na verdade, a natureza de seu contrabando, já que afinal sabiam que ele o fazia como todos os outros. Então, Nasruddin respondeu que contrabandeava burros.

    (poderia estar em Geschichten vom Herrn Keuner)

    KHUSRU, Amir (1253-1325 d.C.). O jardim e a primavera: a história dos quatro dervixes / The Tale of the Four Dervishes / قصۀ چهار درویش / Qissa-ye Chahār Darvēsh / The Story of Four Dervishes / Bāgh-o Bahār / باغ و بہار, / Garden and Spring / Amir Khusru (Abu'l Hasan Yamīn ud-Dīn Khusrau, Amīr Khusrau, Amir Khusrow ou Amir Khusro); compilação Amina Shah, 1978; tradução Mônica Cavalcanti e Sérgio Rizek; traduzido do persa para o urdu; apresentação Doris Lessing; prefácio da presente edição Regina Machado; ilustração da capa Rubens Matuck. São Paulo: Attar, 1993.

    CineSesc/The Elephant Man/O Homem Elefante/ David Lynch

    LYNCH, David (1946-2025). The Elephant Man / O Homem Elefante / David Lynch. EUA-UK, 1980. 

    infelizmente 4K, não película...

    21.2.25

    CineSesc/Wild at Heart/Coração Selvagem/ David Lynch

    LYNCH, David (1946-2025). Wild at Heart / Coração Selvagem / David Lynch / roteiro David Lynch; com Nicolas Cage; Laura Dern; Willem Dafoe; Isabella Rossellini; Diane Ladd; Harry Dean Stanton; Sheryl Lee; Sherilyn Fenn; Jack Nance; Grace Zabriskie; John Lurie; Koko Taylor; Scott Coffey; Bellina Logan; trilha Angelo Badalamenti. EUA, 1990.

    infelizmente 4K, não película...

    18.2.25

    beethoven/Op57/continua


     

    Beethoven, Ludwig van. Sonata Op57 Appassionata. Ludwig van Beethoven. (Casella). Buenos Aires: Ricordi Americana Buenos Aires, s.d.

    Beethoven, Ludwig van. Sonate pour piano no23 en fa mineur, Op57 Appassionata. Ludwig van Beethoven. Eric Heldsieck piano. France: EMI, 1968.

    dashiell hammett/alex raymond/agente secreto x-9/Secret Anger X-9/entra

    HAMMETT, Dashiell (1894-1961) & RAYMOND, Alex (1909-1956). Agente Secreto X-9 / Secret Anger X-9 / As Histórias Clássicas de Dashiell Hammett & Alex Raymond; 1934-35; prefácio Leandro Luigi Del Manto; texto 4a capa Raymond Chandler e George Lucas; tradutor Marquito Maia. São Paulo: Devir, 2010.

    dashiell hammett/alex raymond/agente secreto x-9/o caso powers/sai

    HAMMETT, Dashiell (1894-1961) & RAYMOND, Alex (1909-1956). Agente Secreto X-9: O Caso Powers / Dashiell Hammett & Alex Raymond; bibliografia do prefácio: CASTRO, Ruy. O Falcão Maltês (As Obras-Primas que Poucos Leram); Ruy Castro; em Manchete, No 1169, 14/9/74. Rio de Janeiro: Bloch, 1974; MOYA, Álvaro de. Era uma Vez Um Menino Amarelo... Alvaro de Moya SHAZAM!; sobre-capa Haron Cohen e Laonte Klawa; coleção debates [26] dirigida por J.Guinsburg. —2a ed— São Paulo: Editôra Perspectiva, 1972; ALBUQUERQUE, Paulo Medeiros e. Os Maiores Detetives de Todos os Tempos; Paulo Medeiros e Albuquerque. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973; MOTION PICTURE AND TELEVISION ALMANAC — 1952-1953. New York: Quigley, 1952: GOULD, Jean. Dentro e Fora da Broadway O Teatro Moderno Norte-Americano; Jean Gould; trad. Ana Maria M.Machado. Rio de Janeiro: Bloch, 1968. 1934; Tiragem limitada. Rio de Janeiro: Editora Brasil-América (EBAL) S.A., 1976.

    17.2.25

    beethoven/Op27/No2/continua

    Beethoven, Ludwig van. Sonata Op27 - No2 (Claire de Lune). Ludwig van Beethoven. Revista e analisada com introdução pelo Prof. N.Assis Ribeiro [diretor do Departamento Cultural Mackenzie, docente do Curso Superior de Música do Conservatório Dramático e Musical de S.Paulo, Lente do Ginasio Mackenzie]. Pareceres de: Souza Lima, Francisco Mignone, João Itiberê da Cunha, Mario de Andrade, José Wancolle e Armando j.da Silveira. São Paulo: Casa Wagner Editora, 1939.

     
    Beethoven, Ludwig van. Sonate pour piano no14 en ut dièse mineur, Op27 No2 Clair de lune. Ludwig van Beethoven. Eric Heldsieck piano. France: EMI, 1969.

    Amir Khusru (Abu'l Hasan Yamīn ud-Dīn Khusrau, Amīr Khusrau, Amir Khusrow ou Amir Khusro)/O jardim e a primavera: a história dos quatro dervixes/The Tale of the Four Dervishes/ قصۀ چهار درویش/Qissa-ye Chahār Darvēsh/The Story of Four Dervishes/ Bāgh-o Bahār/ باغ و بہار, /Garden and Spring/entra

    KHUSRU, Amir (1253-1325 d.C.). O jardim e a primavera: a história dos quatro dervixes / The Tale of the Four Dervishes / قصۀ چهار درویش / Qissa-ye Chahār Darvēsh / The Story of Four Dervishes / Bāgh-o Bahār / باغ و بہار, / Garden and Spring / Amir Khusru (Abu'l Hasan Yamīn ud-Dīn Khusrau, Amīr Khusrau, Amir Khusrow ou Amir Khusro); compilação Amina Shah, 1978; tradução Mônica Cavalcanti e Sérgio Rizek; traduzido do persa para o urdu; apresentação Doris Lessing; prefácio da presente edição Regina Machado; ilustração da capa Rubens Matuck. São Paulo: Attar, 1993.

    16.2.25

    altarriba/garcía sánchez/o céu na cabeça/el cielo en la cabeza/sai

    ALTARRIBA, Antonio; GARCÍA SÁNCHEZ, Sergio. O céu na cabeça / El cielo en la cabeza / Antonio Altarriba; Sergio García Sánchez; Lora Moral; 2023; tradução de Flávia Yacubian; edição: Ferréz e Thiago Ferreira. São Paulo: Comix Zone!, 2024.
    O complicado e tradicional, que está bem forte atualmente na Europa (e no Mundo), preconceito contra a imigração. Matando sonhos e ilusões. Os explorados sempre buscando o consolo no local dos exploradores...

    14.2.25

    Solano López/evaristo/fierro/entra

    SOLANO LÓPEZ, Francisco (1928-2011); SAMPAYO, Carlos (1943-). Evaristo El vengador / Francisco Solano López; Carlos Sampayo; FIERRO a fierro; año 1 No 11. — Buenos Aires: Ediciones de la Urraca, 1985.

    13.2.25

    continua/drummond/corpo/sai

    ANDRADE, Mario Drummond de. 1902-1987. Poesia Completa. / Carlos Drummond de Andrade. (conforme as disposições do autor) Fixação de textos e notas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Silviano Santiago. Biblioteca Luso-brasileira / Série Brasileira. / Boitempo, 1968 • 1973 • 1979 / Repertório Urbano. 1a tiragem da primeira edição, 2002  Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 2003.

    As Contradições do Corpo

    Meu corpo não é meu corpo,
    é ilusão de outro ser.
    Sabe a arte de esconder-me
    e é de tal modo sagaz
    que a mim de mim ele oculta.

    Meu corpo, não meu agente,
    meu envelope selado,
    meu revólver de assustar,
    tornou-se meu carcereiro,
    me sabe mais que me sei.

    Meu corpo apaga a lembrança
    que eu tinha de minha mente.
    Inocula-me seu patos,
    me ataca, fere e condena
    por crimes não cometidos.

    O seu ardil mais diabólico
    está em fazer-se doente.
    Joga-me o peso dos males
    que ele tece a cada instante
    e me passa em revulsão.

    Meu corpo inventou a dor
    a fim de torná-la interna,
    integrante do meu Id,
    ofuscadora da luz
    que aí tentava espalhar-se.

    Outras vezes se diverte
    sem que eu saiba ou que deseje,
    e nesse prazer maligno,
    que suas células impregna,
    do meu mutismo escarnece.

    Meu corpo ordena que eu saia
    em busca do que não quero,
    e me nega, ao se afirmar
    como senhor do meu Eu
    convertido em cão servil.

    Meu prazer mais refinado,
    não sou eu quem vai senti-lo.
    É ele por mim, rapace,
    e dá mastigados restos
    à minha fome absoluta.

    Se tento dele afastar-me,
    por abstração ignorá-lo,
    volta a mim, com todo o peso
    de sua carne poluída,
    seu tédio, seu desconforto.

    Quero romper com meu corpo,
    quero enfrentá-lo, acusá-lo,
    por abolir minha essência,
    mas ele sequer me escuta
    e vai pelo rumo oposto.

    Já premido por seu pulso
    de inquebrantável rigor,
    não sou mais quem dantes era:
    com volúpia dirigida,
    saio a bailar com meu corpo.

    [...]

    O Amor e Seus Contratos

    Voltas a um mote de Joaquim-Francisco Coelho

    Nos contratos que tu lavras
    não vi, Amor, valimento.
    Só palavras e palavras
    feitas de sonho e de vento

    Tanto nas juras mais vivas
    como nos beijos mais longos
    em que perduram salivas
    de outras paixões ainda ativas,
    sopro de angolas e congos,
    eu sinto a turva incerteza
    (ai, ouro de tredas lavras)
    da enovelada surpresa
    que põe tanto de estranheza
    nos contratos que tu lavras.

    Por mais que no teu falar
    brilhe a promessa incessante
    de um afeto a perdurar
    até o mundo acabar
    e mesmo depois  diamante
    de mil prismas incendidos,
    amarga-me o pensamento
    de serem pactos fingidos
    e nos seus subentendidos
    não vi, Amor, valimento.

    Experiências de escrituras,
    eu tenho. De que me serve?
    Após sofridas leituras
    de ementas e de rasuras,
    no peito a dúvida ferve,
    se nos mais doutos cartórios
    de Londres, Londrina, Lavras
    para assuntos amatórios,
    teus itens são ilusórios,
    só palavras e palavras.

    As nulidades tamanhas
    que te invalidam o trato
    não sei se provém de manhas
    ou de vistas mais estranhas.
    Serão talvez teu retrato
    gravado em vento ou em sonho
    como aéreo documento
    que nunca mais recompomho.
    São todas  digo tristonho
    feitas de sonho e de vento

    Dezembro


    Oiti: a cigarra Zine:
    convite a praia. Tine
    o sol no quadril, e o míni
    véu, dissolve, do biquíni.

    [...]

    Maternidade

    Seu desejo não era desejo
    corporal.
    Era desejo de ter filho,
    de sentir, de saber que tinha filho,
    um só filho que fosse, mas um filho.

    Procurou, procurou pai para seu filho.
    Ninguém se interessava por ser pai.
    O filho desejado, concebido
    longo tempo na mente, e era tão lindo,
    nasceu do acaso, o pai era o acaso.

    O acaso nem é pai, isso que importa?
    O filho, obra materna,
    é sua criação, de mais ninguém.
    Mas lhe falta um detalhe,
    o detalhe do pai.

    Então ela é mãe e pai de seu garoto,
    a quem, por acaso,
    falta um lobo de orelha, a orelha esquerda. 

     

    Homem deitado

    Não se levanta nem precisa levantar-se.
    Está bem assim. O mundo que enlouqueça,
    o mundo que estertore em seu redor.
    Continua deitado
    sob a racha da pedra da memória.

     [...]

    Flor experiente 

    Uma flor matizada
    entreabre-se em meus dedos.
    Já sou terra estrumada
    é um de meus segredos.


    Careceu vida lenta
    e mais que lenta, peca,
    para a cor que ornamenta
    esta epiderme seca.


    Assino-me no cálice
    de estrias fraternais.
    O pensamento cale-se.
    É jardim, nada mais.

     

    As Sem-Razões do Amor

    Eu te amo porque te amo,
    Não precisas ser amante,
    e nem sempre sabes sê-lo.
    Eu te amo porque te amo.
    Amor é estado de graça
    e com amor não se paga.

    Amor é dado de graça,
    é semeado no vento,
    na cachoeira, no eclipse.
    Amor foge a dicionários
    e a regulamentos vários.

    Eu te amo porque não amo
    bastante ou demais a mim.
    Porque amor não se troca,
    não se conjuga nem se ama.
    Porque amor é amor a nada,
    feliz e forte em si mesmo.

    Amor é primo da morte,
    e da morte vencedor,
    por mais que o matem (e matam)
    a cada instante de amor.

    [...]

    Verdade

    A porta da verdade estava aberta
    mas só deixava passar
    meia pessoa de cada vez.

    Assim não era possível atingir toda a verdade,
    porque a meia pessoa que entrava
    só conseguia o perfil de meia verdade.
    E sua segunda metade
    voltava igualmente com meio perfil.
    E os meios perfis não coincidiam.

    Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
    Chegaram ao lugar luminoso
    onde a verdade esplendia os seus fogos.
    Era dividida em duas metades
    diferentes uma da outra.

    Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
    Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
    E era preciso optar. Cada um optou
    conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

    [...]

    O Pleno e o Vazio

    Oh se me lembro e quanto.
    E se não me lembrasse?
    Outra seria minh'alma,
    bem diversa minha face.


    Oh como esqueço e quanto.
    E se não me esquecesse?
    Seria homem-espanto,
    ambulando sem cabeça.


    Oh como esqueço e lembro,
    como lembro e esqueço
    em correntezas iguais
    e simultâneos enlaces.
    Mas como posso, no fim,
    recompor meus disfarces?


    Que caixa esquisita guarda
    em mim sua névoa e cinza,
    seu patrimônio de chamas,
    enquanto a vida confere
    seu limite, e cada hora
    é uma hora devida
    no balanço da memória
    que chora e que ri, partida?

    [...]

    Canção de Itabira

     A Zoraida Diniz

    Mesmo a essa altura do tempo,
    um tempo que já se estira,
    continua em mim ressoando
    uma canção de Itabira.


    Ouvi-a na voz materna
    que de noite me embalava
    ecoando ainda no sono,
    sem que faltasse uma oitava.


    No bambuzal bem no extremo
    da casa de minha infância,
    parecia que o som vinha
    da mais distante distância.


    No sino maior da igreja,
    A dez passos do sobrado,
    A infiltrada melodia
    Emoldurava o passado.


    Por entre as lajes de Penha,
    os lábios das lavadeiras
    o mesmo verso entoavam
    ao longo da tarde inteira.


    Pelos caminhos em torno
    da cidade, a qualquer hora,
    ciciava cada coqueiro,
    essa música de outrora.


    Subindo ao alto da serra
    (serra que hoje é lembrança)
    na ventania chegava-me
    essa canção de bonança.


    Canção que este nome encerra
    e em volta do nome gira.
    Mesmo o silêncio a repete,
    doce canção de Itabira.

    Mudança

    O que muda na mudança,
    se tudo em volta é uma dança
    no trajeto da esperança,
    junto ao que nunca se alcança?

    O ano passado

    O ano passado não passou,
    continua incessantemente.
    Em vão marco novos encontros.
    Todos são encontros passados.

    As ruas, sempre do ano passado,
    e as pessoas, também as mesmas,
    com iguais gestos e falas.
    O céu tem exatamente
    sabidos tons de amanhecer,
    de sol pleno, de descambar
    como no repetidíssimo ano passado.

    Embora sepultos, os mortos do ano passado
    sepultam-se todos os dias.
    Escuto os medos, conto as libélulas,
    mastigo o pão do ano passado.

    E será sempre assim daqui por diante.
    Não consigo evacuar
    o ano passado.

    [...]

    Lição

    Tarde, a vida me ensina
    esta lição discreta:
    a ode cristalina
    é a que se faz sem poeta.
    [...]
    Eu, Etiqueta 
    Em minha calça está grudado um nome
    Que não é meu de batismo ou de cartório
    Um nome... estranho.
    Meu blusão traz lembrete de bebida
    Que jamais pus na boca, nessa vida,
    Em minha camiseta, a marca de cigarro
    Que não fumo, até hoje não fumei.
    Minhas meias falam de produtos
    Que nunca experimentei
    Mas são comunicados a meus pés.
    Meu tênis é proclama colorido
    De alguma coisa não provada
    Por este provador de longa idade.
    Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
    Minha gravata e cinto e escova e pente,
    Meu copo, minha xícara,
    Minha toalha de banho e sabonete,
    Meu isso, meu aquilo.
    Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
    São mensagens,
    Letras falantes,
    Gritos visuais,
    Ordens de uso, abuso, reincidências.
    Costume, hábito, permência,
    Indispensabilidade,
    E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
    Escravo da matéria anunciada.
    Estou, estou na moda.
    É duro andar na moda, ainda que a moda
    Seja negar minha identidade,
    Trocá-la por mil, açambarcando
    Todas as marcas registradas,
    Todos os logotipos do mercado.
    Com que inocência demito-me de ser
    Eu que antes era e me sabia
    Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
    Ser pensante sentinte e solitário
    Com outros seres diversos e conscientes
    De sua humana, invencível condição.
    Agora sou anúncio
    Ora vulgar ora bizarro.
    Em língua nacional ou em qualquer língua
    (Qualquer principalmente.)
    E nisto me comparo, tiro glória
    De minha anulação.
    Não sou - vê lá - anúncio contratado.
    Eu é que mimosamente pago
    Para anunciar, para vender
    Em bares festas praias pérgulas piscinas,
    E bem à vista exibo esta etiqueta
    Global no corpo que desiste
    De ser veste e sandália de uma essência
    Tão viva, independente,
    Que moda ou suborno algum a compromete.
    Onde terei jogado fora
    Meu gosto e capacidade de escolher,
    Minhas idiossincrasias tão pessoais,
    Tão minhas que no rosto se espelhavam
    E cada gesto, cada olhar
    Cada vinco da roupa
    Sou gravado de forma universal,
    Saio da estamparia, não de casa,
    Da vitrine me tiram, recolocam,
    Objeto pulsante mas objeto
    Que se oferece como signo dos outros
    Objetos estáticos, tarifados.
    Por me ostentar assim, tão orgulhoso
    De ser não eu, mas artigo industrial,
    Peço que meu nome retifiquem.
    Já não me convém o título de homem.
    Meu nome novo é coisa.
    Eu sou a coisa, coisamente. 
    Passatempo

    O verso não, ou sim o verso?
    Eis-me perdido no universo
    do dizer, que, tímido, verso,
    sabendo embora que o que lavra
    só encontra meia palavra.

    Os Amores E Os Mísseis

    Pensando em todos aqueles
    que, no mundo inteiro, se
    reúnem para lutar contra a
    produção e a disseminação
    de armas nucleares.


    Anarda, sou de ti cativo,
    mas deploro este amor pungente.
    Pouco importa ele esteja vivo,
    se há mísseis sob o sol cadente.

    Já não posso, Almena, ofertar-te
    nem o beijo nem a canção.
    Mísseis cobrindo toda parte
    acinzentam meu coração.

    Márcia gentil, para um momento,
    considera as nuvens difíceis.
    Novas más perpassam no vento:
    em lugar de mil flores, mísseis.

    Ouve, Nerina, meu queixume:
    como te amar, cheia de graça?
    Em meu peito esmorece o lume,
    com os mísseis vem a desgraça.

    Ai, Eulina, abro mão — que pena —
    de teus encantos mais suaves.
    Extinguiu-se a vida serena,
    mísseis assustam homens e aves.

    Nise, Nise, que em áureas horas
    minha doçura foste, hoje és
    condenada à morte, e choras,
    pois há mísseis sob teus pés.

    Não peço, Glaura, teus afagos,
    que amanhã serão pó tristonho
    entre bilhões de crânios vagos:
    negam os mísseis todo sonho.

    Tirce amada, volve-me o rosto
    e despreza meus madrigais
    redolentes ao luar de agosto.
    Grasnam os mísseis: Nunca mais.

    Meiga e bela Marília, o Arconte
    taciturno olha para mim.
    Na áspera linha do horizonte,
    eis que os mísseis decretam: Sim.

    Sim, pereça todo prazer
    e das amadas toda a glória.
    Com seu satânico poder,
    os mísseis enterram a História.
     
    Lembrete


    Se procurar bem você acaba encontrando.
    Não a explicação (duvidosa) da vida,
    Mas a poesia (inexplicável) da vida.

    Canções de Alinhavo

    (...)

    II

    Stéphane Mallarmé esgotou a taça do incognoscível.
    Nada sobrou para nós senão o cotidiano
    que avilta, deprime. (...)

    (...)

    [...]

    Balanço


    ⁠A pobreza do eu
    a opulência do mundo.


    A opulência do eu
    A pobreza do mundo.


    A pobreza de tudo
    a opulência de tudo.


    A incerteza de tudo
    na certeza de nada.

    12.2.25

    beethoven/Op13/continua


    Beethoven, Ludwig van. Sonata Op13 (Patética). Ludwig van Beethoven. Revista e analisada com introdução pelo Prof. N.Assis Ribeiro [diretor do Departamento Cultural Mackenzie, docente do Curso Superior de Música do Conservatório Dramático e Musical de S.Paulo, Lente do Ginasio Mackenzie]. Pareceres de: Souza Lima, Francisco Mignone, João Itiberê da Cunha, Mario de Andrade, José Wancolle e Armando j.da Silveira. São Paulo: Casa Wagner Editora, 1939.


    Beethoven, Ludwig van. Sonate pour piano no8 en ut mineur, Op13 Pathétique. Ludwig van Beethoven. Eric Heldsieck piano. France: EMI, 1969.

    drummond/corpo/continua

     

    ANDRADE, Mario Drummond de. 1902-1987. Poesia Completa. / Carlos Drummond de Andrade. (conforme as disposições do autor) Fixação de textos e notas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Silviano Santiago. Biblioteca Luso-brasileira / Série Brasileira. / Boitempo, 1968 • 1973 • 1979 / Repertório Urbano. 1a tiragem da primeira edição, 2002  Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 2003.

     

    Canção de Itabira

     A Zoraida Diniz

    Mesmo a essa altura do tempo,
    um tempo que já se estira,
    continua em mim ressoando
    uma canção de Itabira.


    Ouvi-a na voz materna
    que de noite me embalava
    ecoando ainda no sono,
    sem que faltasse uma oitava.


    No bambuzal bem no extremo
    da casa de minha infância,
    parecia que o som vinha
    da mais distante distância.


    No sino maior da igreja,
    A dez passos do sobrado,
    A infiltrada melodia
    Emoldurava o passado.


    Por entre as lajes de Penha,
    os lábios das lavadeiras
    o mesmo verso entoavam
    ao longo da tarde inteira.


    Pelos caminhos em torno
    da cidade, a qualquer hora,
    ciciava cada coqueiro,
    essa música de outrora.


    Subindo ao alto da serra
    (serra que hoje é lembrança)
    na ventania chegava-me
    essa canção de bonança.


    Canção que este nome encerra
    e em volta do nome gira.
    Mesmo o silêncio a repete,
    doce canção de Itabira.

    Mudança

    O que muda na mudança,
    se tudo em volta é uma dança
    no trajeto da esperança,
    junto ao que nunca se alcança?

    O ano passado

    O ano passado não passou,
    continua incessantemente.
    Em vão marco novos encontros.
    Todos são encontros passados.

    As ruas, sempre do ano passado,
    e as pessoas, também as mesmas,
    com iguais gestos e falas.
    O céu tem exatamente
    sabidos tons de amanhecer,
    de sol pleno, de descambar
    como no repetidíssimo ano passado.

    Embora sepultos, os mortos do ano passado
    sepultam-se todos os dias.
    Escuto os medos, conto as libélulas,
    mastigo o pão do ano passado.

    E será sempre assim daqui por diante.
    Não consigo evacuar
    o ano passado.

    [...]

    Lição

    Tarde, a vida me ensina
    esta lição discreta:
    a ode cristalina
    é a que se faz sem poeta.
    [...]
    Eu, Etiqueta 
    Em minha calça está grudado um nome
    Que não é meu de batismo ou de cartório
    Um nome... estranho.
    Meu blusão traz lembrete de bebida
    Que jamais pus na boca, nessa vida,
    Em minha camiseta, a marca de cigarro
    Que não fumo, até hoje não fumei.
    Minhas meias falam de produtos
    Que nunca experimentei
    Mas são comunicados a meus pés.
    Meu tênis é proclama colorido
    De alguma coisa não provada
    Por este provador de longa idade.
    Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
    Minha gravata e cinto e escova e pente,
    Meu copo, minha xícara,
    Minha toalha de banho e sabonete,
    Meu isso, meu aquilo.
    Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
    São mensagens,
    Letras falantes,
    Gritos visuais,
    Ordens de uso, abuso, reincidências.
    Costume, hábito, permência,
    Indispensabilidade,
    E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
    Escravo da matéria anunciada.
    Estou, estou na moda.
    É duro andar na moda, ainda que a moda
    Seja negar minha identidade,
    Trocá-la por mil, açambarcando
    Todas as marcas registradas,
    Todos os logotipos do mercado.
    Com que inocência demito-me de ser
    Eu que antes era e me sabia
    Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
    Ser pensante sentinte e solitário
    Com outros seres diversos e conscientes
    De sua humana, invencível condição.
    Agora sou anúncio
    Ora vulgar ora bizarro.
    Em língua nacional ou em qualquer língua
    (Qualquer principalmente.)
    E nisto me comparo, tiro glória
    De minha anulação.
    Não sou - vê lá - anúncio contratado.
    Eu é que mimosamente pago
    Para anunciar, para vender
    Em bares festas praias pérgulas piscinas,
    E bem à vista exibo esta etiqueta
    Global no corpo que desiste
    De ser veste e sandália de uma essência
    Tão viva, independente,
    Que moda ou suborno algum a compromete.
    Onde terei jogado fora
    Meu gosto e capacidade de escolher,
    Minhas idiossincrasias tão pessoais,
    Tão minhas que no rosto se espelhavam
    E cada gesto, cada olhar
    Cada vinco da roupa
    Sou gravado de forma universal,
    Saio da estamparia, não de casa,
    Da vitrine me tiram, recolocam,
    Objeto pulsante mas objeto
    Que se oferece como signo dos outros
    Objetos estáticos, tarifados.
    Por me ostentar assim, tão orgulhoso
    De ser não eu, mas artigo industrial,
    Peço que meu nome retifiquem.
    Já não me convém o título de homem.
    Meu nome novo é coisa.
    Eu sou a coisa, coisamente. 
    Passatempo

    O verso não, ou sim o verso?
    Eis-me perdido no universo
    do dizer, que, tímido, verso,
    sabendo embora que o que lavra
    só encontra meia palavra.

    Os Amores E Os Mísseis

    Pensando em todos aqueles
    que, no mundo inteiro, se
    reúnem para lutar contra a
    produção e a disseminação
    de armas nucleares.


    Anarda, sou de ti cativo,
    mas deploro este amor pungente.
    Pouco importa ele esteja vivo,
    se há mísseis sob o sol cadente.

    Já não posso, Almena, ofertar-te
    nem o beijo nem a canção.
    Mísseis cobrindo toda parte
    acinzentam meu coração.

    Márcia gentil, para um momento,
    considera as nuvens difíceis.
    Novas más perpassam no vento:
    em lugar de mil flores, mísseis.

    Ouve, Nerina, meu queixume:
    como te amar, cheia de graça?
    Em meu peito esmorece o lume,
    com os mísseis vem a desgraça.

    Ai, Eulina, abro mão — que pena —
    de teus encantos mais suaves.
    Extinguiu-se a vida serena,
    mísseis assustam homens e aves.

    Nise, Nise, que em áureas horas
    minha doçura foste, hoje és
    condenada à morte, e choras,
    pois há mísseis sob teus pés.

    Não peço, Glaura, teus afagos,
    que amanhã serão pó tristonho
    entre bilhões de crânios vagos:
    negam os mísseis todo sonho.

    Tirce amada, volve-me o rosto
    e despreza meus madrigais
    redolentes ao luar de agosto.
    Grasnam os mísseis: Nunca mais.

    Meiga e bela Marília, o Arconte
    taciturno olha para mim.
    Na áspera linha do horizonte,
    eis que os mísseis decretam: Sim.

    Sim, pereça todo prazer
    e das amadas toda a glória.
    Com seu satânico poder,
    os mísseis enterram a História.

    continua/drummond/corpo/entra

     

    ANDRADE, Mario Drummond de. 1902-1987. Poesia Completa. / Carlos Drummond de Andrade. (conforme as disposições do autor) Fixação de textos e notas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Silviano Santiago. Biblioteca Luso-brasileira / Série Brasileira. / Boitempo, 1968 • 1973 • 1979 / Repertório Urbano. 1a tiragem da primeira edição, 2002  Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 2003.

    As Contradições do Corpo

    Meu corpo não é meu corpo,
    é ilusão de outro ser.
    Sabe a arte de esconder-me
    e é de tal modo sagaz
    que a mim de mim ele oculta.

    Meu corpo, não meu agente,
    meu envelope selado,
    meu revólver de assustar,
    tornou-se meu carcereiro,
    me sabe mais que me sei.

    Meu corpo apaga a lembrança
    que eu tinha de minha mente.
    Inocula-me seu patos,
    me ataca, fere e condena
    por crimes não cometidos.

    O seu ardil mais diabólico
    está em fazer-se doente.
    Joga-me o peso dos males
    que ele tece a cada instante
    e me passa em revulsão.

    Meu corpo inventou a dor
    a fim de torná-la interna,
    integrante do meu Id,
    ofuscadora da luz
    que aí tentava espalhar-se.

    Outras vezes se diverte
    sem que eu saiba ou que deseje,
    e nesse prazer maligno,
    que suas células impregna,
    do meu mutismo escarnece.

    Meu corpo ordena que eu saia
    em busca do que não quero,
    e me nega, ao se afirmar
    como senhor do meu Eu
    convertido em cão servil.

    Meu prazer mais refinado,
    não sou eu quem vai senti-lo.
    É ele por mim, rapace,
    e dá mastigados restos
    à minha fome absoluta.

    Se tento dele afastar-me,
    por abstração ignorá-lo,
    volta a mim, com todo o peso
    de sua carne poluída,
    seu tédio, seu desconforto.

    Quero romper com meu corpo,
    quero enfrentá-lo, acusá-lo,
    por abolir minha essência,
    mas ele sequer me escuta
    e vai pelo rumo oposto.

    Já premido por seu pulso
    de inquebrantável rigor,
    não sou mais quem dantes era:
    com volúpia dirigida,
    saio a bailar com meu corpo.

    [...]

    O Amor e Seus Contratos

    Voltas a um mote de Joaquim-Francisco Coelho

    Nos contratos que tu lavras
    não vi, Amor, valimento.
    Só palavras e palavras
    feitas de sonho e de vento

    Tanto nas juras mais vivas
    como nos beijos mais longos
    em que perduram salivas
    de outras paixões ainda ativas,
    sopro de angolas e congos,
    eu sinto a turva incerteza
    (ai, ouro de tredas lavras)
    da enovelada surpresa
    que põe tanto de estranheza
    nos contratos que tu lavras.

    Por mais que no teu falar
    brilhe a promessa incessante
    de um afeto a perdurar
    até o mundo acabar
    e mesmo depois  diamante
    de mil prismas incendidos,
    amarga-me o pensamento
    de serem pactos fingidos
    e nos seus subentendidos
    não vi, Amor, valimento.

    Experiências de escrituras,
    eu tenho. De que me serve?
    Após sofridas leituras
    de ementas e de rasuras,
    no peito a dúvida ferve,
    se nos mais doutos cartórios
    de Londres, Londrina, Lavras
    para assuntos amatórios,
    teus itens são ilusórios,
    só palavras e palavras.

    As nulidades tamanhas
    que te invalidam o trato
    não sei se provém de manhas
    ou de vistas mais estranhas.
    Serão talvez teu retrato
    gravado em vento ou em sonho
    como aéreo documento
    que nunca mais recompomho.
    São todas  digo tristonho
    feitas de sonho e de vento

    Dezembro


    Oiti: a cigarra Zine:
    convite a praia. Tine
    o sol no quadril, e o míni
    véu, dissolve, do biquíni.

    [...]

    Maternidade

    Seu desejo não era desejo
    corporal.
    Era desejo de ter filho,
    de sentir, de saber que tinha filho,
    um só filho que fosse, mas um filho.

    Procurou, procurou pai para seu filho.
    Ninguém se interessava por ser pai.
    O filho desejado, concebido
    longo tempo na mente, e era tão lindo,
    nasceu do acaso, o pai era o acaso.

    O acaso nem é pai, isso que importa?
    O filho, obra materna,
    é sua criação, de mais ninguém.
    Mas lhe falta um detalhe,
    o detalhe do pai.

    Então ela é mãe e pai de seu garoto,
    a quem, por acaso,
    falta um lobo de orelha, a orelha esquerda. 

     

    Homem deitado

    Não se levanta nem precisa levantar-se.
    Está bem assim. O mundo que enlouqueça,
    o mundo que estertore em seu redor.
    Continua deitado
    sob a racha da pedra da memória.

     [...]

    Flor experiente 

    Uma flor matizada
    entreabre-se em meus dedos.
    Já sou terra estrumada
    é um de meus segredos.


    Careceu vida lenta
    e mais que lenta, peca,
    para a cor que ornamenta
    esta epiderme seca.


    Assino-me no cálice
    de estrias fraternais.
    O pensamento cale-se.
    É jardim, nada mais.

     

    As Sem-Razões do Amor

    Eu te amo porque te amo,
    Não precisas ser amante,
    e nem sempre sabes sê-lo.
    Eu te amo porque te amo.
    Amor é estado de graça
    e com amor não se paga.

    Amor é dado de graça,
    é semeado no vento,
    na cachoeira, no eclipse.
    Amor foge a dicionários
    e a regulamentos vários.

    Eu te amo porque não amo
    bastante ou demais a mim.
    Porque amor não se troca,
    não se conjuga nem se ama.
    Porque amor é amor a nada,
    feliz e forte em si mesmo.

    Amor é primo da morte,
    e da morte vencedor,
    por mais que o matem (e matam)
    a cada instante de amor.

    [...]

    Verdade

    A porta da verdade estava aberta
    mas só deixava passar
    meia pessoa de cada vez.

    Assim não era possível atingir toda a verdade,
    porque a meia pessoa que entrava
    só conseguia o perfil de meia verdade.
    E sua segunda metade
    voltava igualmente com meio perfil.
    E os meios perfis não coincidiam.

    Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
    Chegaram ao lugar luminoso
    onde a verdade esplendia os seus fogos.
    Era dividida em duas metades
    diferentes uma da outra.

    Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
    Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
    E era preciso optar. Cada um optou
    conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

    [...]

    O Pleno e o Vazio

    Oh se me lembro e quanto.
    E se não me lembrasse?
    Outra seria minh'alma,
    bem diversa minha face.


    Oh como esqueço e quanto.
    E se não me esquecesse?
    Seria homem-espanto,
    ambulando sem cabeça.


    Oh como esqueço e lembro,
    como lembro e esqueço
    em correntezas iguais
    e simultâneos enlaces.
    Mas como posso, no fim,
    recompor meus disfarces?


    Que caixa esquisita guarda
    em mim sua névoa e cinza,
    seu patrimônio de chamas,
    enquanto a vida confere
    seu limite, e cada hora
    é uma hora devida
    no balanço da memória
    que chora e que ri, partida?